Acórdão nº 662/09.3TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução31 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 662/09.3 TVPRT.P1 Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1ª Secção Cível – J1 Apelação Recorrentes: “B…, S.A”, O… e outros Recorridos: C… e outros Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:RELATÓRIO A autora “B…, Lda.”, sociedade comercial por quotas com sede na Rua …, nº.., em Esposende, intentou a presente acção declarativa comum contra os réus C… e mulher D…, residentes na Rua …, nº…, no Porto, e C…, residente no Lugar …, em Cinfães, pedindo em via principal: a) se declare que o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial é propriedade da autora; b) se declare a caducidade do contrato-promessa celebrado entre os anteriores proprietários daquele prédio e os aqui 1º réu marido e 2º réu; c) se condenem os réus a restituírem à autora o uso e fruição da parte do referido prédio que corresponde ao r/c direito; d) se condenem os réus a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da autora daquela parte do prédio.

Subsidiariamente, peticiona se fixe o valor actualizado para a celebração do contrato definitivo, em montante a determinar em fase de liquidação de sentença.

Alega, para o efeito e em síntese, que por escritura pública celebrada em 23.2.2006 comprou aos aqui intervenientes o prédio urbano sito na Rua …, nº …, em …, no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 2192 do Livro B32. Mais alega que por contrato-promessa celebrado em 12.9.1984 os ora intervenientes haviam prometido vender ao 1º réu marido e ao 2º réu, que prometeram comprar, os 7/8 de que eram comproprietários naquele prédio respeitantes à fracção autónoma que, em virtude da propriedade horizontal a constituir, viesse a corresponder ao r/c direito, tendo os 1ºs réus pago, a título de sinal, a quantia de um milhão de escudos, e tendo passado a habitar naquele …. Alega, ainda, que o aludido contrato-promessa de compra e venda caducou, já que no mesmo ficou estabelecido o prazo de 6 meses para celebração da escritura, a qual nunca foi realizada, sendo que os 1ºs réus continuam a habitar o referido r/c direito do prédio em questão sem que procedam ao pagamento de qualquer quantia.

Os 1ºs réus contestaram e deduziram reconvenção, invocando a aquisição por usucapião da parte do prédio (1/12) em questão nos autos; a nulidade da aquisição do prédio por parte da autora por ser contrária à ordem pública e ofensiva dos bons costumes; o abuso de direito por parte da autora e o direito de retenção dos réus sobre a parte do imóvel em causa para garantia de um crédito que invocam ter sobre os promitentes-vendedores no montante de 57.518.03€.

Em reconvenção, peticionam: - se declare que são comproprietários do prédio em causa nos autos, na parte indivisa de 1/12, por a terem adquirido por usucapião; - caso assim não se entenda, deve conhecer-se do invocado abuso de direito e, em consequência, obstar a que as partes envolvidas obtenham ilicitamente, em prejuízo dos réus, as vantagens visadas com tal abuso, conservando o direito dos réus; - caso assim não entenda, se declare nulo o contrato de compra e venda do referido imóvel celebrado entre a autora e os anteriores proprietários, com o cancelamento do respectivo registo; - caso assim não se entenda, seja reconhecido aos réus o direito de retenção sobre o aludido prédio para garantia do seu invocado crédito de 57.518.03€.

Alegam, para o efeito e resumidamente, que através do aludido contrato-promessa de compra e venda celebrado com os anteriores proprietários, adquiriram aquela parte do imóvel (correspondente ao r/c direito e respectivas partes comuns), só não se tendo naquela altura realizado a escritura pública de compra e venda porque o prédio não estava ainda constituído em regime de propriedade horizontal e só não entregaram a parte do preço em falta (Esc. 1.500.000$00) porque os “vendedores”, por constrangimento (falta de constituição da propriedade horizontal), amizade e confiança, entenderam que não era necessário. Alegam ainda que, após a celebração daquele contrato-promessa, passaram de imediato a ocupar e utilizar o referido r/c direito como sua habitação, de forma pública, pacífica e de boa-fé, durante cerca de 25 anos, pelo que o adquiriram por usucapião. Alegam também que a escritura pública de compra e venda relativa à “fracção” em causa não foi celebrada por culpa exclusiva dos promitentes-vendedores, que nada fizeram para promover a constituição da propriedade horizontal, sem a qual não seria possível a venda daquela “fracção” do prédio. Mais alegam que a autora, aquando da aquisição do prédio, conhecia todos estes factos, a qual, em conjugação de esforços e vontades com os vendedores, procedeu à compra do imóvel com o intuito de lesar o direito dos réus sobre a parte do prédio em questão, pelo que o referido contrato de compra e venda é nulo e, em todo o caso, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito.

Alegam, por último, que gozam de direito de retenção sobre a parte do prédio em questão para garantia do crédito que detêm sobre os promitentes-vendedores decorrente do incumprimento definitivo da promessa, optando pela indemnização correspondente ao valor da “fracção” à data do incumprimento, que estimam em 65.000,00€.

Requereram ainda a intervenção principal provocada, como associados da autora, dos anteriores proprietários do prédio, e pediram a condenação da autora como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor em montante não inferior a 1.000,00€.

A autora respondeu à reconvenção, essencialmente impugnando os factos alegados pelos réus/reconvintes e pedindo a condenação dos 1ºs réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização a seu favor em montante não inferior a 1.000,00€.

Os 1ºs réus ainda apresentaram tréplica, mas tal articulado apenas foi admitido e considerado para efeitos de resposta ao pedido de condenação como litigantes de má-fé.

Por despacho de fls. 185 foi admitida a intervenção principal, do lado activo, dos anteriores proprietários do prédio, os quais foram citados para a presente acção, tendo apresentado articulado próprio.

Tendo falecido as intervenientes E… e F… e G…, foi requerida a habilitação dos respectivos sucessores, tendo sido habilitados H…, I… e J… e K… como sucessores da falecida E…, e L… e M… como sucessores da falecida G…, por decisão proferida a fls. 377 a 379, já transitada em julgado.

Foi proferido despacho saneador, onde se admitiram os pedidos reconvencionais deduzidos pelos réus/contestantes e se indicaram os factos assentes e a base instrutória, que foi objecto de reclamação por parte da autora, com parcial provimento.

Procedeu-se depois à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.

Seguidamente foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) declarou o direito de propriedade exclusiva da autora “B…, Lda.” sobre o prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão e dois andares, com entrada pelo nº …, e uma casa de cave, rés-do-chão e dois andares, com entrada pelo nº …, sito na Rua …, nº … e …, …, Porto, descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial sob o nº 2192; b) absolveu os réus C… e mulher D… e N… do demais peticionado pela autora.

Mais julgou a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: a) declarou o direito de retenção dos réus/reconvintes C… e mulher D… sobre o r/c direito do prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão e dois andares, com entrada pelo nº …, e uma casa de cave, rés-do-chão e dois andares, com entrada pelo nº …, sito na Rua …, nº … e …, …, Porto, descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial sob o nº 2192, como garantia do crédito detido sobre os intervenientes resultante do incumprimento por parte destes últimos do contrato-promessa referido em 3. dos factos provados; b) absolveu a reconvinda “B…, Lda.” do demais peticionado pelos reconvintes.

Inconformados com o decidido, interpuseram recurso de apelação a autora “B…, S.A.” e os intervenientes O… e outros, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Vem o recurso interposto da sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e declarou o direito de propriedade exclusiva da Autora (Apelante) sobre o prédio em causa, absolvendo os Réus (Apelados) do demais peticionado pela Autora; e julgou a reconvenção parcialmente procedente, e declarou o direito de retenção dos Réus/Reconvintes (Apelados) sobre o R/C direito do prédio, como garantia do crédito detido sobre os Intervenientes resultante do incumprimento por parte destes do contrato-promessa referido em 3. dos factos provados.

  1. O Tribunal a quo procedeu a uma aplicação errónea do Direito aos Factos dados como Provados, nomeadamente: na absolvição dos Réus (Apelados) quanto aos demais pedidos formulados pela Autora (Apelante); na declaração do direito de retenção dos Réus sobre o R/C direito do prédio como garantia do crédito por estes detido sobre os Intervenientes (Apelantes).

  2. Impondo-se a alteração da decisão nos termos que infra se descreverão.

  3. Analisada a Matéria de Facto Provada, e apesar da atenção, minúcia e assertividade do Tribunal a quo na determinação e motivação de tais Factos Provados, não concebem os Apelantes que tenha o Tribunal a quo feito tábua rasa daqueles mesmos Factos Provados e tenha concluído de forma contraditória — e inesperada — àqueles.

  4. O Tribunal a quo descurou o seu principal papel e não julgou, de forma efectiva e peremptória, as questões juridicamente sindicadas, mantendo as partes sem uma solução jurídica que resolva os seus diferendos.

  5. Impunha-se decisão diversa, pelo Tribunal a quo, aos restantes pedidos formulados pelos ora Apelantes bem como ao pedido julgado procedente formulado pelos Apelados.

  6. Padece ainda tal decisão de nulidade, nos...

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