Acórdão nº 3053/14.0TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução16 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. N.º 3053/14.0TBVNG.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 3053/14.0TBVNG.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. Em virtude da culpa do lesado constituir matéria de conhecimento oficioso, não constitui nulidade de sentença por condenação além do pedido, a circunstância do tribunal concluir pela culpa exclusiva do lesante, não obstante os sucessores do lesado hajam afirmado na petição inicial que o seu antecessor teve um contributo de 30% para a eclosão do sinistro, desde que a condenação proferida na decisão final se contenha dentro do pedido global formulado pelos autores.

  1. A maioridade de um descendente de beneficiário da segurança social, só por si, não obsta a que lhe seja paga pensão de sobrevivência pela Segurança Social.

  2. A culpa do lesado não é um dos fatores que deva ser relevado na fixação da compensação pela perda do direito à vida nos termos conjugados do nº 4 do artigo 496º do Código Civil com o artigo 494º, do mesmo diploma legal, mas sim a culpa do agente.

  3. A sede própria de valoração da conduta do lesado é no quadro do disposto no nº 1, do artigo 570º do Código Civil, operando depois de fixada a compensação devida.

  4. Sempre que a indemnização é fixada através da equidade, como sucede na fixação da compensação por danos não patrimoniais, não havendo constrangimentos na sua fixação decorrentes do montante global dos pedidos formulados, deve considerar-se que tal valor é actualizado.

    *** * ***Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório Em 09 de maio de 2014, nas Varas de Competência Mista, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, B… e C… instauraram ação declarativa comum contra a Companhia de Seguros D… S.A.

    pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia de € 110.194,00, acrescida de juros legal a partir da citação e até efetivo e integral pagamento.

    Para sustentarem as suas pretensões, os autores alegaram, em síntese, que no dia 20 de fevereiro de 2013, aliás 18 de fevereiro, cerca das 19h30, ao km. …. da E.N. …, em …, Vila Nova de Gaia, numa reta com visibilidade em mais de trezentos metros e com iluminação pública, E…, pai dos dois autores, efetuava o atravessamento da via da esquerda para a direita, atento o sentido …/…, sob influência do álcool, enquanto F… conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-ES-.., no sentido …/…, a velocidade superior a cinquenta quilómetros por hora, já após a placa indicadora da localidade de …, indo colidir com a frente direita esquerda do seu veículo no peão, quando este tinha já atravessado a metade esquerda da faixa de rodagem e os primeiros metros da faixa da direita, atento o sentido de marcha do veículo ES, daí resultando a morte do peão, no dia 19 de Fevereiro de 2013, pelas 6h30, bem como todos os danos cuja reparação os autores pretendem ver ressarcidos pela seguradora de responsabilidade civil do veículo ES, a ré Companhia D…, SA.

    Efetuada a citação da ré, a mesma veio contestar arguindo a ilegitimidade ativa dos autores por não oferecerem escritura de habilitação de herdeiros, imputando a ocorrência do sinistro exclusivamente à conduta do falecido peão sob influência do álcool e impugnando, por desconhecimento, a restante factualidade alegada pelos autores, concluindo pela sua absolvição da instância, ou se assim não se entender, pela total improcedência da ação.

    A convite do tribunal, os autores indicaram o número de beneficiário da Segurança Social do falecido E…, sendo o Instituto de Segurança Social, IP citado para os efeitos do decreto-lei nº 59/99, de 22 de fevereiro.

    O Instituto de Segurança Social, IP, aderindo à descrição do acidente na petição inicial dos autores, deduziu pedido de reembolso contra a Companhia de Seguros D…, SA, pedindo a condenação da seguradora ao pagamento da quantia de € 2.314,82, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.

    Notificada do pedido de reembolso, a Companhia de Seguros D…, SA reiterou a sua versão do acidente e impugnou a generalidade da factualidade alegada pelo Instituto de Segurança Social, IP, pugnando pela total improcedência desta pretensão.

    A audiência prévia foi dispensada, fixou-se o valor da causa no montante de € 117.279,77, proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade suscitada pela ré, identificou-se o objeto do litígio, fixaram-se os temas de prova, admitiram-se as provas oferecidas pelas partes e designou-se dia para realização da audiência final.

    Realizou-se a audiência final numa sessão.

    Em 23 de outubro de 2015, foi proferida sentença[1] que julgou a ação parcialmente procedente por provada, condenando a ré a pagar aos autores a quantia global de € 101.420,00, acrescida de juros legais contados desde a citação até efetivo e integral pagamento e julgando totalmente procedente o pedido de reembolso à Segurança Social condenando a ré a pagar o montante de € 2.314,82 acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.

    Em 13 de Novembro de 2015, inconformada com a sentença, Companhia de Seguros D…, SA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. O Autor interpõem recurso da Douta Sentença por não concordar, face à prova produzida nos autos, em particular em Audiência de Julgamento, que o I. Tribunal tenha dado como provada a matéria constante das alíneas h), i), j), o), w), x), y), z), ee), ff), gg), hh), ii), lll) e mmm) do ponto “1. da Fundamentação de Facto” da Sentença, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

  5. Não concorda igualmente com a matéria que foi dada como não provada nas alíneas a), c), d), e) e f) do “ponto 2 – Factos Não Provados”, que aqui se dão igualmente por reproduzidos para todos os efeitos legais.

  6. Ao assim decidir, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, pois decidiu em contradição com a prova produzida nos autos, além de ter valorado mal o depoimento da testemunha F…, condutor do veículo ES, ao não atribuir-lhe qualquer credibilidade sobre a dinâmica do acidente, apesar das declarações desta testemunha, nomeadamente, quanto a velocidade a que conduzia, visibilidade da via, posição (cambaleante) da vítima na via, serem confirmados pela prova documental, como o relatório de investigação criminal, e testemunhal que o Tribunal julgou credível, o que só por si e pela análise crítica da prova seria bastante para dar credibilidade ao depoimento do condutor.

  7. Não podemos concordar com as conclusões retiradas pelo I. Tribunal quanto à prova produzida e à imputação, em exclusivo, da culpa do acidente ao condutor do ES, as quais aliás estão em contradição com os factos alegados e como tal confessados pelos próprios Autores, que em sede de PI, e tal como configuraram a causa de pedir que fundamentou a sua pretensão indemnizatória, confessaram que “não podem os autores deixar de assinalar que entendem que o peão, seu pai, igualmente contribuiu para o acidente ao atravessar a faixa de rodagem em local que lhe era proibido e por ter ingerido bebidas alcoólicas”(artº. 27 da PI).

  8. O I. Tribunal, na alínea h) dos factos provados, refere que o ES (veículo seguro na Recorrente) circulava “a uma velocidade superior a 50 Km/h”.

    Esta conclusão está em total contradição com toda a prova testemunhal produzida nos autos, bem como com a prova documental, não se vislumbrando onde o Tribunal a quo estribou tal conclusão.

  9. De facto, é o próprio Tribunal a quo que refere na sua fundamentação que atendeu ao relatório elaborado pelo núcleo de investigação criminal de acidente de viação de folhas 25 e seguintes, mais referindo que a testemunha G…, militar da GNR, pessoa que elaborou aquele relatório, reafirmou as conclusões que explana no relatório por si subscrito.

  10. Ora, precisamente deste relatório, resulta que “o veículo circulava a uma velocidade superior a 40 km/h (para brisas partido), estipulando a velocidade permitida por lei – 50 Km/h (placa de localidade), porque não foi referenciado nenhum indício que indicasse uma velocidade superior” – fls.47, nosso sublinhado.

  11. Em sede de audiência de julgamento, a testemunha G… dos 05:58 aos 09:40 minutos do seu depoimento, esclareceu ainda que chegou à conclusão da velocidade dos 40 km/h a que circulava o ES devido ao tipo de danos que o veículo apresentava, nomeadamente no para brisas.

  12. Esclareceu ainda no mesmo trecho do seu depoimento que concluiu que o ES não podia circular a mais de 50 Km/h devido às lesões que a vítima apresentava e que se encontram descritas no relatório de autópsia que teve em conta e consta do seu relatório (fls. 38 e 39 dos autos).

    Ou seja, se o veículo circulasse a mais de 50 Km/h a força do embate causaria lesões mais graves na vítima do que aquelas descritas na autópsia.

  13. Estas conclusões do investigador da GNR, baseadas em factos concretos (extensão dos danos no veículo e gravidade das lesões sofridas pela vítima), corroboram o depoimento da testemunha F…, condutor do ES, à qual o Tribunal a quo não atribuiu credibilidade quanto à dinâmica do acidente, e que sobre esta matéria, na parte do seu depoimento gravado dos 01:40 aos 01:52 minutos, declarou que imprimia ao veículo uma velocidade de 50 Km/h, explicando que não ia a mais porque havia muito trânsito à hora do acidente.

  14. Mais esclareceu que manteve sempre o domínio sobre o veículo, não entrando em despiste, e que depois do acidente, em marcha normal, parou o ES junto à paragem do autocarro, para não ficar parado na via e poder ir prestar auxílio à vítima, que tinha ficado imobilizada no pavimento.

  15. Também a testemunha I…, guarda da PSP que elaborou a participação de acidente esclareceu que, ainda no local do...

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