Acórdão nº 7818/15.8T8VNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução16 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 7818/15.8T8VNG-A.P1 Sumário do acórdão: I. A união de facto não é um casamento informal, tendo esta diferenciação a ver com a liberdade de escolha, não lhe sendo aplicável por analogia o regime de bens do casamento.

II. Não há património comum na união de facto, nem sequer um regime específico de administração de bens. Quanto muito, poderá haver bens em regime de compropriedade.

III. Face à singela constatação que antecede, não se revela aplicável à união de facto o n.º 3 do artigo 409.º do CPC, na medida em que a sua previsão remete para o n.º 1 da mesma norma, onde se prevê a providência de arrolamento apenas de «bens comuns ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro».

IV. A natureza dos bens, assim como o seu regime de administração, referidos na previsão legal em apreço, resultam expressamente das seguintes normas que têm a ver como os efeitos patrimoniais do casamento, inaplicáveis ao estatuto da união de facto: artigos 1722.º e seguintes e alíneas e) e f) do artigo 1678.º, ambos do Código Civil.

V. Em suma, não existindo bens comuns na união de facto, não se vislumbra coerência na aplicação a este instituto, do regime excecional previsto no n.º 3 do artigo 409.º do Código de Processo Civil.

VI. Acresce que a natureza excecional do normativo em apreço não permite a sua aplicação por analogia, face ao disposto no artigo 11.º do Código Civil.

VII. Decorre do exposto que o unido de facto que pretenda o arrolamento de bens não está dispensado de alegar e provar a factualidade concreta integradora do conceito de periculum in mora traduzido no justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou de documentos, previsto no n.º 1 do artigo 403.º do CPC.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Em 2 de julho de 2015, B… requereu na Instância Local, Secção Cível (J5), de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, contra C…, “Procedimento Cautelar de Arrolamento sobre expetativa de crédito, no montante de € 15.544,28”, como incidente de “ação de estado e de restituição de enriquecimento do património adquirido em união comum e fruto de uma união de facto”.

Alegou o requerente, em síntese, como fundamento da sua pretensão: viveu em ‘união de facto’ com a requerida durante dez anos; habitaram ambos, durante esse tempo, um imóvel pertencente ao pai do requerente; a requerida abandonou a residência do casal e intentou contra o requerente e pai deste, uma ação com vista a ser ressarcida com fundamento no enriquecimento sem causa; na referida ação, a requerida peticiona a condenação do requerente e do seu pai na devolução de € 63.125,00; o pai do requerente foi condenado a pagar à requerida a quantia de € 15.544,28.

Por despacho de 6.07.2015, foi determinada a notificação do requerente para juntar aos autos certidão com nota de trânsito em julgado, da sentença referida no requerimento inicial.

Em 24.07.2015, o requerente juntou a aludida certidão.

Em 29.07.2015 foi proferido o seguinte despacho: «Resulta do disposto no art. 403º n.º 1 do C.P.C. que “Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens … pode pedir-se o arrolamento deles”.

Percorrido o requerimento inicial constata-se que o Requerente nada alegou no que ao específico periculum em mora respeita e que pelo arrolamento se pretende acautelar.

Assim sendo, concedo-lhe o prazo de dez dias para apresentar novo requerimento inicial no qual alegue factos que integrem tal concreto perigo, sob pena de indeferimento liminar.» Em resposta ao despacho de aperfeiçoamento, veio o requerente apresentar nova petição, em 12.08.2015, na qual alega, nomeadamente: “encontra-se plenamente justificado presumir o fundado receio de descaminho de bens provenientes do património conjugal ou da união de facto, de forma a facilitar e incrementar a efetivação de uma partilha justa, sendo de admitir a aplicação do regime do artigo 409.º ao arrolamento requerido” (art.º 8.º); “bastará assim uma prova simples que determina a urgência da decretação da providência, para que esta venha a ser decretada, a sê-lo, porque especial, do que resulta do disposto do art.º 409.º do CPC e não, com os fundamentos do disposto no art.º 403.º do mesmo diploma legal” (art.º 13.º)”.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas do requerente, em 28.08.2015, após o que, em 1.09.2015, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: «…decide-se: Julgar procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, ordenar que se proceda ao requerido arrolamento da expectativa de crédito de 15.544,28 €, adquirida em união de facto da Requerida e Requerente, referida na pi e tal como resulta do decidido na acção ordinária n.º 210/12.8TBVNG (documento de fls. 46 e seguintes dos autos), tudo nos termos dos artigos 778º e 773º do CPC, notificando-se, para o efeito, o devedor, pai do Requerente, D….- Após, notifique a Requerida – artigos 366º, nº 6, e 372º, n.º 1, ambos do C.P.Civil.- Custas pelo Requerente, a atender na acção principal – artigo 539º, n.º 1, do C.P.Civil e artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela II.-…».

Notificada para os efeitos do n.º 6 do artigo 366.º do Código de Processo Civil, a requerida não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões: A.- A douta sentença proferida nos autos de acção ordinária nº 210/12.8TBVNG da Instância Central – V.N.Gaia – 3ª Secção Cível – J2, não transitada em julgado, considerando que “Havendo sido apurado que o património do 2º R. ficou enriquecido com as obras e trabalhos descritos (alíneas O) a HHH) e WWW)) em valor de pelo menos 31.088,55€ (alínea UUU)), e estando definido que a contribuição do A. e 1ª R. o foi em quotas iguais, terá o 2ºR que indemnizar a A. no montante de 15.544,28€., condenou este (o pai de recorrido) a pagar à recorrente esta quantia acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.

B.- A razão da condenação em 50% do valor das benfeitorias realizadas pelo recorrente e pela recorrida, no prédio do pai daquele é, como diz essa mesma sentença, que “Estamos na presença de uma acção em que, no fundo, o que através dela se visa, verdadeiramente, é obter a liquidação ou partilha de um invocado património comum adquirido no decurso de uma relação de união de facto em que viveram o autor e a ré e que, entretanto, cessou ou se dissolveu” e “Não se tendo apurado a quota parte de cada um, ter-se-á que presumir que foi de igual valor ou montante…” C.- o crédito de 15.544,28€, reconhecido por sentença, é um crédito da recorrida (bem pessoal dela).

D.- O art. 409.º, n.º 1, do CPC, proclama que só se pode requerer o arrolamento de bens comuns ou de bens próprios na administração do outro cônjuge, mas numa relação de união de facto não há património comum. E assim, formalmente, o arrolamento do crédito da recorrida não podia ser admitido, por não cumprir as exigências do citado artº 409º do Cod. Proc. Civil E.- Mesmo que assim não se entenda, o certo é que o crédito de 15.544,28€ é apenas a parte a que a recorrente tem direito: é a parte dela e não qualquer crédito comum, nem crédito do recorrente que por ela esteja a ser administrado e...

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