Acórdão nº 262/15.9T8AMT-D.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 262/15.9T8AMT-D.P1 [Com. Porto Este/Inst. Central/Amarante/Sec. Comércio] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Por apenso ao processo de insolvência da sociedade comercial “B…, Lda.”, pessoa colectiva n.º ………, veio o credor C… requerer a qualificação da insolvência como culposa, indicando que essa qualificação deve afectar os gerentes D… e E….

Nas suas alegações refere que os gerentes da insolvente delinearam um plano com vista a não pagarem qualquer das suas dívidas aos credores, tendo para o efeito apresentado um Processo Especial de Revitalização e procurado convencer os credores a acreditar que a empresa iria cumprir os seus compromissos, o que serviu apenar para iludir e enganar os credores já que os gerentes sabiam que a sociedade era inviável e que deviam requerer a declaração insolvência, mas não o fizeram, tendo instaurado o PER com a intenção de ganhar tempo para suspenderem toda a actividade da empresa e sair do país, razão pela qual após a homologação do plano de revitalização prescindiram de imediato dos seus trabalhadores, deixaram de concretizar novos negócios ou de cumprir os que tinham em curso, descaminharam todos os activos da insolvente, permitiram que outra sociedade “amiga” ocupasse a sede e instalações da insolvente e o gerente D… que seria o responsável pela concretização de novos negócios emigrou para o Brasil, onde havia já constituído uma sociedade.

Declarado aberto o incidente da qualificação, a Administradora de Insolvência foi notificada para apresentar parecer fundamentado, o que fez, tendo concluído no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa.

Para o efeito, alegou factos que, no seu parecer, constituem indícios de ocultação e dissipação deliberada de património da insolvente de utilização de património da insolvente em proveito próprio de sócios e/ou terceiros, e que não tendo sido observado o dever de apresentação à insolvência pela própria devedora presume-se a culpa grave dos gerentes.

O Ministério público pronunciou-se igualmente no sentido da qualificação da insolvência como culposa, aderindo aos fundamentos de facto alegados pela Administradora de Insolvência, complementando-os com outros e concluindo que a insolvente, por intermédio dos gerentes D… e E… fez desaparecer parte considerável do seu património e dispôs dos seus bens em proveito de terceiros e incumpriu o dever de apresentação à insolvência, o que foi causa directa do agravamento dos prejuízos patrimoniais dos credores.

Os gerentes a afectar pela qualificação da insolvência como culposa deduziram oposição, impugnando os factos alegados pelo credor e constantes dos pareceres da Administradora de Insolvência e do Ministério Público e sustentando que E… era um mero electricista e não participava de facto na gerência da insolvente, não tendo sido praticados quaisquer actos que permitam qualificar a insolvência como culposa.

Após julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu qualificar a insolvência como culposa, declarar afectados pela qualificação D… e E…, decretar a inibição destes, por um período de cinco anos, para administrarem patrimónios de terceiros, exercerem o comércio e ocuparem qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, e condená-los, solidariamente, a entregar à massa insolvente o montante de €10.000,00 para ressarcimentos dos prejuízos causados aos credores da insolvente.

Do assim decidido, D… e E… interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. Do erro de julgamento no que concerne aos factos enumerados na sentença sob a alínea E) e sob os n.ºs 6, 13 e 14, que deverão ter-se, todos eles, como não provados, e ainda quanto aos constantes da sentença como não provados sob as als. d), q), r) e t) que, inversamente, deverão ser dados como assentes.

  1. Os factos dados como provados sob os pontos 18, 19 e 25 impedem que se possa admitir a conclusão inserta na parte final ponto 22.

  2. O recorrente E… não praticava actos de gestão de relevo na devedora, tendo apenas as funções de chefia das empreitadas, pelo que não deve lhe deverá ser atribuída qualquer responsabilidade na insolvência da devedora.

  3. Do erro de interpretação e aplicação das als. a) e d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, as quais deverão ter-se como não preenchidas, também em consequência da matéria de facto.

  4. Do erro de interpretação e aplicação da al. a) do nº 3 do art.º 186º do CIRE, uma vez que se deve ter por assente que do eventual retardamento na apresentação à insolvência não resultou agravamento da situação para efeitos do nº 1 do preceito, pelo contrário, desde a homologação do PER até à declaração de insolvência a devedora reduziu o passivo em €197.401,00.

  5. A douta sentença recorrida enferma do erro de interpretação/aplicação da disposição do art.º 189º, al. b) c) e e) do CIRE.

    O Ministério Público respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    1. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i) Se a matéria de facto deve ser alterada.

      ii) Qual a natureza e estrutura das situações previstas nos nos.

      2 e 3 do artigo 186.º do CIRE para efeitos de qualificação da insolvência como culposa.

      iii) Se os factos provados preenchem as situações das alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 186.º.

      iv) Se os factos provados preenchem a previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º.

      v) Se está provado que a não apresentação à insolvência no mês subsequente à cessação da actividade causou a situação de insolvência ou a agravou.

      vi) Como medir a gravidade da actuação dos gerentes e fixar as consequências legais da qualificação da insolvência como culposa.

    2. Os factos: Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos[1]: A) A requerida “B…, Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos principais, em 16.03.2015, a qual foi requerida pelos credores F…, G… e H…, por acção apresentada a juízo em 20.02.2015.

      1. A requerida foi constituída em 22.09.2010, tendo por objecto social: instalações eléctricas e de telecomunicações, de sistemas e equipamentos nas áreas das energias, incluindo renováveis, bem como sistemas de segurança e vigilância, produção, compra e venda de energia, comercialização, importação, exportação, representação e agentes comissionistas de todo o tipo de produtos e equipamentos de e para as actividades atrás descritas; compra e venda de bens imóveis e revenda de adquiridos para esse fim, bem como arrendamento; formação profissional e não profissional; actividades de engenharia e técnicas afins; investigação, desenvolvimento e inovação na área das energias; com o capital social de 5.000 euros, dividido em duas quotas, uma no valor nominal de 3.000 euros, pertencente ao sócio D…, e a outra no valor nominal de 2.000 euros, pertencente ao sócio E…, ambos nomeados gerentes e obrigando-se a sociedade com a assinatura dos dois gerentes.

      2. A Insolvente apresentou-se ao Processo Especial de Revitalização em 24.11.2013, processo n.º 2258/13.6TBPNF, desta Instância Central de Comércio, tendo ali sido aprovado e homologado Plano de Revitalização, por decisão proferida em 14.02.2014.

      3. No apenso B, de reclamação de créditos, foram reclamados e reconhecidos pela Sr.ª Administradora de Insolvência, em Lista de Créditos Reconhecidos rectificada, apresentada a fls. 253 e seguintes, 24 créditos, no montante global de 431.064,00 euros, sendo os créditos da Autoridade Tributária no montante global de 78.630,66 euros e o crédito da Segurança Social no montante de 86.050,55 euros, que juntos perfazem 38,20%, do seu passivo total.

      4. As únicas verbas apreendidas no apenso A de apreensão de bens foram um conjunto de bens móveis, constituído por mobiliário e equipamento de escritório, verba n.º 1, avaliada em 150 euros; um conjunto de bens móveis constituído por equipamentos industriais, verba n.º 2, avaliada em 500,00 euros, conforme auto de apreensão de fls. 3 e 4; e um veículo automóvel da marca Fiat, com a matrícula ..-LG-.., identificado sob a verba n.º 3, do Auto de Apreensão de bens de fls. 5, avaliado em 3.000 euros, que se encontra em regime de locação financeira, encontrando-se este veículo em paradeiro desconhecido.

  6. No Processo Especial de Revitalização foram reconhecidos 49 credores, num montante total de créditos de 528.465,00 euros.

  7. A Insolvente emitiu uma factura à sociedade “I…, Lda.”, com data de 27.11.2014 e com vencimento em 17.12.2014, referente à venda de mercadoria e matérias-primas, no montante global de 70 024,21 euros, e à venda das viaturas Mercedes …, Toyota …, matrícula ..-AQ-.., Toyota …, com matrícula ..-..-VH, Toyota …, com matrícula ..-B0-.., material de escritório e ferramentas, tudo no montante global de 38 420,00 euros, perfazendo o montante total de 108.444,21 euros, tudo discriminado na relação anexa a tal factura, junta a fls. 15 a 32 verso.

  8. Nem na data de emissão da referida factura, nem na data de apresentação ao Processo Especial de Revitalização, a Insolvente possuía em stock as mercadorias e as matérias-primas que facturou à “I…, Lda.”, discriminadas de fls. 15 a 32 verso.

  9. A Insolvente atrasou o pagamento dos salários aos seus trabalhadores a partir de Abril de 2013 e, em Janeiro de 2014, tinha os salários de Julho de 2013 até Janeiro de 2014 por pagar, excepto o mês de Novembro que foi pago, e ainda metade dos subsídios de férias de férias e de natal, vencidos no ano de 2013.

  10. Em Janeiro de 2014, todos os trabalhadores da Insolvente propuseram ao requerido D… que lhes entregasse o modelo necessário para irem para o Fundo de Desemprego, ao que este acedeu, atendendo à impossibilidade da Insolvente pagar os salários em...

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