Acórdão nº 192/15.4GBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 192/15.4GBVFR Comarca De Aveiro, Tribunal de Santa Maria da Feira Instância Local, Secção Criminal, J2 Acórdão deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Por sentença proferida em 20 de Maio de 2016 foi o arguido B… absolvido do crime de violência doméstica, previsto no artigo 152º nºs 1 als. a) e 2, 4 e 5 do Código Penal (CP) do qual estava acusado e condenado antes por um crime de ofensa à integridade física simples, previsto no artigo 143º nº 1 do CP, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €9,00, tendo ainda sido absolvido do pedido de arbitramento de indemnização à assistente C… pelo Ministério Público.

1.2 Recurso A assistente interpôs recurso da sentença pedindo que a matéria de facto seja alterada e que o arguido seja condenado pelo crime de violência doméstica pelo qual estava acusado, ou que, subsidiariamente, não sendo a matéria de facto alterada, seja condenado pelo crime de violência doméstica ou ao menos também por dois crimes de injúrias, e em qualquer caso ainda condenado a pagar à assistente a quantia de €2.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

Para tanto invocou em suma os seguintes fundamentos: - Erro no julgamento da matéria de facto: da conjugação das declarações do arguido e dos depoimentos da assistente e da testemunha D… resulta que devem ser dados como provados factos que constavam na acusação e que o tribunal considerou não provados; - Erro de julgamento na aplicação do direito: provados os factos referidos, está preenchido o tipo de crime de violência doméstica pelo qual o arguido deverá ser condenado; - Erro de julgamento na aplicação do direito: mesmo que a matéria de facto não seja alterada, os factos tidos como provados ainda preenchem o tipo legal do crime de violência doméstica, pelo qual o arguido deverá ser condenado; - Erro de julgamento na aplicação do direito: no caso de não haver alteração da matéria de facto e de se entender que não está preenchido o crime de violência doméstica, ainda assim os factos provados preenchem também dois crimes de injúrias, pelos quais o arguido deverá ser condenado; - Erro de julgamento na aplicação do direito: o arguido deverá ser condenado a pagar à assistente uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante peticionado pelo Ministério Público.

1.3 Resposta Apenas o Ministério Público respondeu ao recurso, manifestando-se no sentido da sua improcedência e alegando em resumo o seguinte: - A matéria de facto foi bem julgada, uma vez que a assistente faltou à verdade no seu depoimento e que o depoimento da testemunha D… também não foi credível, visto resultar dele que pode ter sido influenciado para favorecer a assistente, tendo o tribunal dado como provado apenas o que foi corroborado por outros elementos de prova; - O enquadramento jurídico dos factos feito na sentença está correcto porque estando em causa apenas uma agressão física durante uma discussão e dois episódios de insultos não está preenchido o tipo de crime de violência doméstica; - A condenação do arguido por crimes de injúrias não é possível porque trata-se de crime particular e a assistente não deduziu acusação nem tão pouco acompanhou a acusação do Ministério Público; - Face aos factos dados como provados não se verifica o requisito legal existência de particulares exigências de protecção da vítima para que o tribunal arbitrada a indemnização que foi peticionada.

1.4 Parecer do Ministério Público na Relação Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo às razões apresentadas na resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido.

  1. Questões a decidir no recurso Tal como está colocada a controvérsia em relação á sentença recorrida, as questões a decidir são as seguintes: - Os factos não provados foram julgados correctamente ou devem antes ser dados como provados? - Os factos preenchem o tipo de crime de violência doméstica e/ou também o de injúrias? - Existem particulares exigências de protecção da vítima para que seja arbitrada indemnização à assistente? 3. Fundamentação 3.1. Erro de julgamento da matéria de facto.

    3.1.1.

    Na sentença foram julgados provados e não provados os seguintes factos (transcrição): Matéria de facto provada Da audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria de facto: Da acusação pública: a). A assistente C… e o arguido contraíram casamento no dia 17 de Junho de 2000.

    b). Desse casamento nasceu, no dia 3 de Setembro de 2004, D….

    c). Após o casamento, a ofendida e o arguido fixaram residência na Rua …, n." .., …, Santa Maria da Feira.

    d). No dia 28 de Março de 2015, pelas 09:30 horas, no interior da residência do casal, mais propriamente do quarto do casal, na sequência de uma discussão de contornos não concretamente apurados, o arguido empurrou a ofendida e, de forma não determinada, com vista a retirar-lhe o telemóvel que aquela tinha na mão, atingiu-a com duas pancadas no tórax, logrando ficar na posse do mencionado telefone, interrompendo o telefonema que a mesma efectuava.

    e). Como consequência directa e necessária, a ofendida C… sofreu dor torácica anterior, com os movimentos torácicos e, no tórax, equimose acastanhada na transição dos quadrantes superiores da região mamária esquerda, medindo quarenta por quarenta milímetros; equimose arroxeada no quadrante superoexterno da região mamária direita, medindo quarenta por vinte milímetros; lesões essas que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, três dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral ou profissional.

    f). Em datas não concretamente apuradas, posteriores ao dia 27 de Março de 2015, seguramente mais do que uma vez, e no decurso das frequentes discussões entre o casal, o arguido apelidou a assistente de "puta" e disse-lhe: «Andas a mostrar-te aos homens!».

    g). O arguido sabia que devia respeito e consideração à ofendida, sua mulher e mãe do seu filho, e que, actuando da forma descrita, lhe infligia dores no corpo e lesões físicas e ofendia a sua honra e consideração, não se coibindo de assim agir no interior da residência daquela.

    h). O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

    Mais se provou com relevância para a determinação da sanção aplicável: i). O arguido reconheceu quase integralmente os factos tidos por demonstrados.

    j). À data dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais.

    k). O casamento entre arguido e assistente foi dissolvido, por divórcio, por decisão transitada em julgado no dia 7 de Maio de 2015.

    l). O arguido tem o 6.° ano de escolaridade e trabalha numa sociedade de exportação e importação de produtos sanitários, auferindo um vencimento de €665 mensais.

    m). Vive sozinho, em casa arrendada, pela qual paga €200 mensais.

    n). O arguido é proprietário de uma viatura automóvel, da marca "Toyota", modelo "…", do no de 1993.

    Matéria de facto não provada Da acusação pública: 1° No dia 25 de Março de 2015, no interior do veículo automóvel do casal, onde também se encontrava o filho D…, e porque a ofendida mexeu no botão do volume do rádio, o arguido dirigiu-lhe as seguintes palavras: "Tu és uma puta" e "Tu andas enfeitada com uns cornos há muito tempo e não queres ver".

    1. No circunstancialismo descrito na alínea d) dos factos provados, o arguido empurrou a ofendida contra a cama, deu-lhe um soco no tórax e apertou-lhe o pescoço com ambas as mãos.

    2. Desde o dia 28 de Março de 2015, e pelo menos até 15 de Abril de 2015, o arguido dirigiu várias vezes, no interior da residência de ambos, na presença do filho menor, e com uma frequência pelo menos diária, à sua mulher, as seguintes palavras: "Vou-te matar. Vou-te tirar o nosso filho. És uma galdéria, és uma grande puta. Andas a mostrar-te aos homens".

    3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e com a mesma frequência, o arguido dirigiu ao filho D… as palavras: "D…, olha para a tua mãe, tem mesmo cara de puta".

    4. No dia 14 de Abril de 2015, pelas 21:30 horas, no interior da residência do casal, e na presença do menor D…, o arguido dirigiu à ofendida as palavras "Vou-te matar. Vou-te tirar o nosso filho. És uma galdéria, és uma grande puta. Andas a mostrar-te aos homens. Meto-te numa casa de putas para te mostrares aos homens".

    5. Em seguida, quando a ofendida ia buscar o seu telemóvel, que estava na sala de estar, o arguido agarrou-a com bastante força nos braços e empurrou-a com violência contra o sofá, na sequência do que aquela caiu, magoando as costas.

    6. Após, a ofendida refugiou-se em casa de uma vizinha, tendo o arguido seguido no seu encalço e tocado várias vezes à campainha, ordenando à sua mulher que fosse para casa.

    7. Em data não concretamente apurada, entre os dias 28 de Março e 19 de Maio de 2015, o arguido deu uma pancada no automóvel da ofendida e dirigiu-lhe as palavras "Este carro vai para as cinzas, e tu vais junta com ele".

    8. Nos dias 10 e 17 de Outubro de 2015, o arguido telefonou para o telemóvel do seu filho D… e dirigiu-lhe as seguintes palavras: "A tua mãe é uma puta", "A tua mãe é uma galdéria", "A mama vai acabar", "Vou-te tirar à tua mãe", "Olha, D…, a tua mãe a mulher que eu mais amei na vida, mas agora é quem mais odeio, e se a apanho na rua mato-a".

    9. O arguido sabia que, actuando da forma descrita, causava à ofendida sofrimento psicológico e físico, que se traduziu em provocar nela humilhação, medo e inquietação e de a molestar fisicamente, atentando assim contra a dignidade desta enquanto pessoa e mulher, atentando contra a sua saúde física, psíquica, emocional e moral, perturbando a sua tranquilidade no lar e na presença do filho, menor de idade.

      Da contestação do arguido: (com pertinência para a decisão e excluindo a matéria de mera impugnação) 11° Sucede que, em Março e Abril de 2015, meses que antecederam o divórcio por mútuo consentimento entre ambos decretado em Maio de 2015, a ofendida passou a provocar sistematicamente o arguido quer...

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