Acórdão nº 28/16.9T8FLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº. 28/16.9T8FLG.P1 3ª Secção Cível Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (168) Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério Adjunta - Juíza Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal da Comarca do Porto Este - Instância Local de Felgueiras - Secção Cível – Juiz 2 Apelante/B… Lda.

Apelada/C…, SA., Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No Tribunal da Comarca do Porto Este - Instância Local de Felgueiras - Secção Cível – Juiz 2 – B…, Lda., intentou a presente acção contra, C…, SA., peticionando a condenação desta a pagar-lhes a quantia de €5839,02 (€5238,73+€600,29), acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Articulou, com utilidade, ter celebrado, em Julho de 2011, um contrato de locação financeira com D…, sucursal Portuguesa, para aquisição do automóvel ligeiro de passageiros, de marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-LX-.., a que foi atribuído o número ……, em que esta se obrigou, mediante retribuição, a ceder à B…, Lda., o gozo temporário da aludida viatura adquirida por indicação da B…, Lda, e que esta última a poderia comprar pelo preço e critério contratualmente fixados, e nos demais termos constantes do ajuizado contrato junto aos autos a fls. 16 e 17, repetidos a fls. 98 e 99.

Acontece que no pretérito dia 25 de Janeiro de 2013, o veículo automóvel com a matrícula ..-LX-.., de que é locatária, em razão do aludido contrato de locação financeira celebrado com D…, sucursal Portuguesa, interveio num acidente de viação, ocorrido na estrada municipal … que liga … a …, em Felgueiras, sendo que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo automóvel com a matrícula ..-IJ-.., segurado da Ré/C…, SA.

Em consequência do acidente, o veiculo ..-LX-.., sofreu danos que importaram a privação temporária do respectivo uso, cujo ressarcimento, condizente com o pedido formulado, a Autora/B…, Lda. reclama.

Conclui pela procedência da presente demanda.

Regularmente citada, a Ré/C…, SA., arguiu a excepção de ilegitimidade activa da Autora/B… Lda., sustentando que esta, enquanto locatária do veículo automóvel, não tem legitimidade para intentar a presente acção, porquanto tal legitimidade cabe ao proprietário, impugnando, no mais, a existência do ajuizado embate entre a viatura com a matrícula ..-IJ-.. e a viatura com a matrícula ..-LX-...

Conclui pela improcedência do pedido, Notificada a Autora/B…, Lda., para, querendo, se pronunciar sobre a arguida excepção, apresentou esta, articulado no qual não contesta o facto de ser locatária, e não proprietária do veículo interveniente no ajuizado acidente, pugnando, isso sim, pela sua legitimidade, referindo que o contrato de locação financeira além de lhe conferir responsabilidade pela manutenção, conservação e defesa do veículo ..-LX-.., também lhe reconhece o direito, nos termos do art.º 10.º do DL 194/95 de 24/5, de defender a integridade do bem e o seu gozo.

Conclui pela improcedência da invocada excepção de legitimidade.

Aquando do saneamento da causa o Tribunal recorrido conheceu da invocada excepção de ilegitimidade activa da Autora/B…, Lda., tendo concluído nos termos que passamos a consignar: “Decisão.

Pelo exposto, julgo procedente a exceção de ilegitimidade deduzida e, consequentemente, absolvo a ré da instância, a qual declaro extinta - arts. 277.º, al. a), 278.º, n.º1, al. d) e 577.º, al. e), todos do Código de Processo Civil).

Custas pela autora (art.º 527.º do CPC).

Notifique e registe.” É contra esta decisão que a Autora/B…, Lda., se insurge, formulando as seguintes conclusões: 1.º Sobe o presente recurso da sentença proferida no âmbito da acção declarativa intentada pela demandante contra a demandada “C…” - pedindo a condenação desta no pagamento àquela da quantia global de Euros 5839,02 acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento - que julgou procedente a excepção de ilegitimidade processual activa da demandante, e em consequência absolveu a demandada da instância, a qual declarou extinta.

  1. Na contestação apresentada pela demandada, veio a mesma, entre outros argumentos, invocar a excepção de ilegitimidade processual activa da demandante, com o fundamento de que esta não era proprietária da viatura sinistrada, cujo valor da reparação dos danos causados pelo segurado daquela seguradora na viatura LX melhor identificada nos autos e integralmente suportados por esta (demandante) reclamava.

  2. Notificada para se pronunciar sobre a alegada excepção de ilegitimidade processual a demandante fê-lo nos termos constantes do requerimento de fls… apresentado em juízo em 12/05/2016. E que aqui mais uma vez se dá por integralmente reproduzido.

  3. Sendo que a demandante invocou o já previamente por si alegado em 1.º, 31.º, 32.º e 33.º da p.i.

  4. Tendo assim invocado factos de onde resulta que à data do sinistro, era a mesma legitima possuidora do bem em causa, e que agia sobre o aludido bem com animus possidendi, e como proprietária do mesmo se tratasse.

  5. Tendo invocado ainda o constante do art.º 10.º n.º 2 alíneas a) e b) do DL 194/95 de 24/05, no sentido de que o locatário tem o direito de usar e fruir o bem locado, bem como tem o direito a defender a integridade do bem e o seu gozo nos termos do seu direito.

  6. Igualmente invocou que, nos termos previstos no art.º 7.º, 8.º e 9.º do contrato celebrado com a “D…” (cfr doc 1 da p.i., tendo naquele requerimento de 12/05/2016 requerido a junção aos autos do mesmo documento mas com melhor qualidade de digitalização, por forma a permitir mais facilmente a sua análise), resulta a responsabilidade da A. pela manutenção, conservação, deterioração, imobilização, e defesa da integridade do LX.

  7. E tendo concluído pelo interesse que a demandante tem em demandar pelos factos constantes da p.i. (cfr art. 33.º da p.i.). Verificando-se a sua legitimidade processual activa nos termos do previsto no art. 30.º do CPC.

  8. Não obstante tudo o invocado pela demandante, tanto de facto como de direito, a sentença proferida veio a julgar esta parte ilegítima para a demanda, com o fundamento de que nos termos da clausula 10.º n.º 4 do contrato de locação financeira celebrado entre a demandante e a locadora da viatura, “… patente de torna que no âmbito do contrato de locação financeira firmado entre as partes, o locador e locatário acordaram reservar para a locadora o direito de exigir a indemnização em caso de perda parcial do bem, ou seja, foi acordado entre as partes, excluir à locatária a possibilidade de exigir tal reparação.” (cfr pág 5 da sentença).

  9. É dentro das complexas relações entre locadore locatário que a locação financeira verdadeiramente se define nos seus elementos essenciais, assumindo-se como um contrato sinalagmático, e como um acto de comércio objectivo, dada a sua analogia com o aluguer mercantil (cfr., art. 481º, CCom.) e a venda comercial (nesta linha, Vasco da Gama Lobo Xavier, Direito Comercial - Sumários das Lições ao 3º Ano, Coimbra, 1977/78, pags. 67-68).

  10. Importa, ainda, chamar à colação o regime legal previsto no art. 15º do DL n.º 149/95, de 24/06, segundo o qual, salvo disposição em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário.

  11. O que igualmente sucede no contrato de locação financeira junto aos autos.

  12. Conforme nos diz Gravato Morais, in Manual da Locação Financeira, p. 163 e 164, a razão de ser desta solução legal consiste, na perspectiva do locatário, na circunstância de este ser o proprietário económico do bem, gozando-o na vigência do contrato, suportando concomitantemente os custos com a sua manutenção e com a sua conservação, assim como todos os encargos a ela relativos, daí que, como princípio geral, os riscos relativos ao gozo do bem fiquem a seu cargo, na perspectiva do locador, no facto de a propriedade jurídica da coisa servir apenas para tutelar os seus específicos interesses, designadamente o assegurar o risco do inadimplemento do locatário, limitando-o ao financiamento concedido.

  13. E note-se que a referida disposição legal não restringe o risco do locatário a factos que lhe sejam imputáveis, pelo que, mesmo que os factos não lhe sejam atribuíveis, o risco da perda da coisa corre sempre por sua conta.

  14. Daí que o art. 10º, n.º 1, al. j), do citado DL n.º 149/95, imponha a obrigação do locatário efectuar seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados.

  15. No caso dos autos, afigura-se que a Julgadora não interpretou correctamente nem o conteúdo do contrato, nem tão pouco a clausula e alínea que invocou na fundamentação da sua decisão, ou sequer considerou a factualidade alegada pela demandante em 31.º e 32.º da p.i.. e novamente invocada por esta no requerimento em que se pronunciou sobre a ilegitimidade invocada pela demandada.

  16. Conforme resulta evidente do mero cotejo da cláusula 10.º do aludido contrato de locação financeira, com a epígrafe “Seguros”, tal cláusula dispõe sobre os contratos de seguro que deverão existir relativamente ao bem locado. Ou...

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