Acórdão nº 1556/14.6TAMTS.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DION
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO PENAL n.º 1556/14.6TAMTS.P2 2ª Secção Criminal CONFERÊNCIA Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No âmbito do processo comum singular n.º 1556/14.6TAMTS, da Comarca do Porto, Matosinhos – Instância Local – Secção Criminal-J3, por sentença proferida a 18 de Junho de 2015, foi a arguida B…, com os demais sinais dos autos, condenada pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, previsto e punível pelo art. 360º n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros).

Discordando, a arguida, interpôs recurso que veio a ser apreciado nesta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, por decisão sumária proferida a 9 de Dezembro de 2015 e, por via da qual, julgando-se verificada a insuficiência de fundamentação da sentença impugnada, nos segmentos relativos à indicação e exame crítico da prova, e a consideração de factos diversos dos constantes na acusação fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359, do Cód. Proc. Penal, se decretou a respectiva anulação e obrigação de reformulação pelo mesmo julgador.

Dando cumprimento ao ordenado, foi reaberta a audiência e, oportunamente, publicitada a nova sentença, a 4 de Maio de 2016, mantendo-se a condenação da arguida nos precisos termos já supra enunciados.

Mais uma vez inconformada, a arguida B…, interpôs recurso rematando a motivação com as conclusões que se transcrevem: 1) Ainda que o Tribunal não tenha logrado determinar qual dos depoimentos prestados pela arguida - em inquérito perante a PJ ou em sede de audiência de julgamento perante o Tribunal Coletivo - correspondia à verdade, concluiu, apesar disso e porque um deles não poderia ser verdadeiro, que a arguida teria necessariamente conhecimento dessa falta de veracidade.

2) Se em termos de normalidade esse juízo presuntivo é aceitável e consistente, o caso sub judice apresenta, todavia, especificidades que justificavam que o tribunal considerasse não provado que a arguida - no momento em que prestou cada um desses depoimentos contraditórios - tivesse conhecimento e admitisse que faltava à verdade e, apesar disso, mantivesse tal depoimento.

3) Estava em causa um pormenor absolutamente irrelevante para a decisão da causa em que foram proferidos os depoimentos e à luz das regras comuns da experiência, ninguém falta voluntariamente à verdade sobre um facto que é indiferente, inócuo, qualquer que fosse a perspetiva por que pudesse ser analisado! 4) A arguida sustentou, em audiência, que a verdade (tal qual, naturalmente, a conhece) corresponde à versão que adiantou em julgamento ou seja que fora o marido quem, pela primeira vez, dera pela falta da chave e não ela; simplesmente, quando prestou depoimento na PJ e adiantou versão diferente - a de que fora ela quem dera pela falta da chave - encontrava-se num estado de grande tensão e perturbação face à proximidade do facto traumático (roubo) de que ela - e o marido tinham sido vítimas e essa circunstância, a par da indicação pelos inspetores da PJ de quê o marido afirmava que tinha sido ela ora arguida quem dera pela falta da mesma chave, induziu-a nessa confusão.

5) Os depoimentos das inspetoras da PJ, ouvidas em audiência e sumariados na douta decisão, não infirmam nem põem em causa aquela explicação, antes dão conta de contradições que iam sendo detetadas no depoimento da arguida e da preocupação de a mesma ajustar o seu depoimento ao que alegadamente fora prestado pelo marido.

6) O teor dos depoimentos prestados pela arguida e pelo marido no inquérito e reduzidos a escrito confirmam ou, pelo menos, ajudam a explicar a confusão que possa ter sido criada na sua mente e sobretudo o - ainda que involuntário - condicionamento do depoimento da arguida pela inspetora da PJ.

7) Para além do tempo de duração da diligência - 4h - e ocorrida no dia a seguir a um episódio altamente traumático, aquele pormenor - repete-se irrelevante sob qualquer perspetiva - foi também condicionado pela inspetora da PJ ao afirmar que o marido tinha deposto no sentido de ter sido eia depoente quem dera pela falta da chave! 8) Perante isso e perante a irrelevância desse facto, é simultaneamente lógico e razoável que a arguida se convencesse, então, que estava equivocada e que afinal quem primeiro dera pela falta da chave fora ela e não o marido.

9) Só que ... a inspetora da PJ induziu em erro a arguida ou, no mínimo, não a esclareceu convenientemente pelo menos quanto a dúvidas e hesitações do próprio marido! 10) Com efeito, do primeiro depoimento prestado com início às 15 h e sem indicação do términus, concluiu-se que o marido da arguida afirmara que fora ele quem verificara a falta da chave.

11) Já no segundo depoimento, prestado a partir das 20 h desse dia (e sem indicação do términos) referiu que fora a ora arguida sua esposa quem dera pela falta da chave.

12) Exigia-se, numa atuação leal por parte do órgão da polícia criminal, que se desse conta à arguida das dúvidas do marido quanto a este pormenor, informando-a que, de início, o mesmo referira que fora ele mesmo quem dera pela falta da chave e depois mudando e afirmando que fora ela ora arguida.

13) Ou que o mesmo órgão da polícia criminal - para não condicionar esse depoimento - se limitasse a perguntar quem dera pela falta da chave.

14) Seguramente que assim conduzida a inquirição, a arguida "não teria ido na onda" e caído no "ardil" (ainda que involuntariamente criado - não é isso que está aqui em causa) e, ou manteria que fora o seu marido quem dera pela falta da chave ou que também ela não estava certa de quem teria disso.

15) Ou seja, numa longa e extenuante diligência, a inspetora condicionou o depoimento da arguida convencendo-a de que o marido não tivera dúvidas e afirmara sem hesitações que tinha sido a arguida quem dera pela falta da chave, levando-a "naturalmente", em face: • Do estado em que se encontrava por acabar de viver um episódio altamente traumático e com multiplicidade de pormenores que era necessário reter e cuja descrição lhe era exigida.

• Da irrelevância desse pormenor em concreto e que por isso mesmo não justificava que fosse retido na memória da então testemunha • Da duração da diligência em que participava e em que lhe foram suscitadas dezenas de questões relativas a pormenores que envolveram o roubo.

• Da "certeza" com que o marido relatara esse pormenor a se "autoconvencer" de que, se o marido assim o referira, é porque era essa a verdade desse pormenor que...

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