Acórdão nº 1150/14.1GAMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução21 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1150/14.1GAMAI.P1 1ª Secção Relatora: Eduarda Lobo Adjunto: Des. Castela Rio Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos na Secção Criminal – J3 da Instância Local da Maia, Comarca do Porto, com o nº 1150/14.1GAMAI, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 19.05.2016, que condenou o arguido: - pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no artº 152º nº 1 al. a) e nº 2 do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de pagar, no período da suspensão, a quantia de €500,00 à APAV e a quantia de €250,00 à AL-ANON; - pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. nos artºs. 153º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do Cód. Penal, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de €8,00; - pela prática de um crime de injúria p. e p. no artº 181º nº 1 do Cód. Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €8,00; - efetuado o cúmulo jurídico das referidas penas de multa foi o arguido condenado na pena única de 140 dias de multa à taxa diária de €8,00.

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos vem o arguido acusado pela prática, em autoria material e em concurso real de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º nº 1 al. a) e nº 2 do C.P. e de um crime de ameaça p. e p. pelo artº 153º nº 1 al. a) do C.P. e ainda de um crime de injúria p. e p. pelo artº 181º do C.P.; 2. Tendo a ofendida/assistente C… formulado dois pedidos de indemnização civil, um pelo crime de ameaça e pelos factos constantes em 13 da acusação pública, pelos quais peticiona, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 2.000,00 e outro pelos factos constantes da acusação particular pelo crime de injúria, em que peticiona, também a título de danos não patrimoniais, a quantia de 1.000,00; 3. O arguido apresentou contestação escrita, juntando documentos e arrolando testemunhas e, na audiência de julgamento, optou por não prestar declarações sobre a factualidade imputada; tendo então sido inquiridas as ofendidas e assistentes, a saber, a acima citada C… e D…, respetivamente filha e ex-mulher do arguido; as testemunhas arroladas pela acusação e as testemunhas arroladas pela defesa, à exceção de E…, a qual foi prescindida.

4. Encerrada a produção de prova, foi proferida decisão em que a Ma Juiz a quo julgou a acusação pública e particular procedentes, por provadas, e os pedidos de indemnização civil formulados parcialmente procedentes e, consequentemente, condenou o arguido: - pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no art.152°, n°1 al.a) e n°2 do C.P., na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, com a condição de o arguido pagar, no período da suspensão, à APAV a quantia de €500,00 e aos AL-ANON a quantia de €250,00; - pela prática de um crime de ameaça agravada p.e p. no art.153°, n°1, al.a) do CP na pena de 110 dias de multa à taxa diária de €8,00; - pela prática de um crime de injúria p.e p. no art.181°, n°1 do Código Penal na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €8,00; penas estas que em cúmulo jurídico o tribunal entendeu resultarem na pena única de 140 dias de multa à referida taxa diária de €8,00, perfazendo assim os €1.120,00; - a pagar à demandante/assistente C… a quantia de €500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de injúria e a quantia de €750,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de ameaça; 5. Ora, o arguido não se conforma com a decisão a quo, desde logo por entender que a mesma se encontra ferida de nulidade, por falta de fundamentação, designadamente quanto à factualidade ínsita em d), e), f), g), j) e k) que aqui se dá por reproduzida e constantes dos FACTOS PROVADOS.

6. Efetivamente, já a acusação pública não se encontrava devidamente circunstanciada quanto aos factos imputados ao arguido; 7. O que representa clara violação do disposto no art.283°, n°3 do C.P.P., o qual, por sua vez é corolário das garantias de defesa e de contraditório plasmados na Constituição da República Portuguesa, no seu art.32°; 8. Implicando grave dificuldade para o arguido na organização da sua defesa, levando a que apresentasse contestação escrita em que se limitou, também de forma genérica, a negar a veracidade das imputações que lhe eram feitas.

9. Na verdade, a sentença proferida limitou-se a transcrever para a factualidade provada o enunciado na acusação pública, dando assim como provados factos genéricos e vagos, não devidamente circunstanciados quanto ao tempo, lugar, modo de cometimento ou motivação, fazendo constar da matéria de facto acima referida as seguintes expressões: em d) passou a adotar comportamentos agressivos...; e) ...pelo menos uma vez por semana..., sendo que em várias destas vezes o arguido ainda lhe desferiu vários pontapés, puxou, cabelos, desferiu murros e estalos, partiu os seus óculos, ...; f) Durante tal período o arguido ainda se dirigiu ao salão de cabeleireiro da ofendida e onde esta trabalhava e sem o seu consentimento retirou-lhe o dinheiro que ganhou e que ali se encontrava"; g) ...em datas não concretamente apuradas ... e por várias vezes ...; j) Sempre que ocorriam tais discussões... e k) ...o arguido passou a ser ainda mais agressivo .... dos factos provados; 10. Não passando, assim, tal enunciado de formulações genéricas, com conteúdos valorativos que nada têm a ver com as exigências da fundamentação de facto, o que torna nula a decisão em crise, tudo de acordo com o estipulado no art.374°, n°2 e 379°, n°1 alínea a) do Código de Processo Penal.

11. Acresce ainda que, não pode o arguido aceitar a sentença em crise, já que a mesma resulta de incorreta apreciação da prova produzida em julgamento, 12. Designadamente quanto à factualidade ínsita em f), h), i), e k) dos FACTOS PROVADOS, a saber: f) Durante tal período (após o primeiro ano de casamento e até 1987) o arguido ainda se dirigiu ao salão de cabeleireiro da ofendida e onde esta trabalhava e sem o seu consentimento retirou-lhe o dinheiro que ganhou e que ali se encontrava"; h) Por tais motivos e por já não aguentar esta situação a ofendida D… mudou-se para outro quarto, passando a dormir em quarto separado do arguido, mas vivendo ambos na mesma residência, o que se manteve até à data em que se separaram".

  1. Durante este período a ofendida D… sempre realizou as tarefas domésticas e suportou todas as despesas do casal, pois que o arguido apenas acedia suportar metade das despesas de eletricidade... "; k) Em julho de 2014 e porque a ofendida D… ficou na posse de uma quantia de IRS, que o arguido não aceitou, o arguido passou a ser ainda mais agressivo para com a ofendida D…, dizendo-lhe que era uma "puta" e não pagou a factura de eletricidade levando ao corte do seu abastecimento no dia 01.08.2014, ficando a moradia privada de tal serviço.

    E dos FACTOS NÃO PROVADOS ( da contestação), que: O casal costumava sair ao Domingo para almoçar ou apenas passear.

    13. Factualidade esta que, de acordo com a motivação apresentada supra deverá ser alterada em conformidade, devendo, assim: - a factualidade ínsita em f) ser dada como não provada; - a factualidade ínsita em h) ser alterada dando-se como provado apenas que " A ofendida D… mudou-se para outro quarto, passando a dormir em quarto separado do arguido, mas vivendo ambos na mesma residência, o que se manteve até à data em que se separaram"; - a factualidade ínsita em i) ser alterada, da mesma passando a constar que "Durante este período a ofendida D… sempre realizou as tarefas domésticas e suportou as despesas do casal à exceção das despesas de telefone, televisão, metade de IMI e, ultimamente, da despesa de eletricidade"; - e quanto à factualidade ínsita em k) constar apenas que "Em Julho de 2014 e porque a ofendida D… ficou na posse de uma quantia de IRS que o arguido não aceitou, arguido e ofendida discutiram, manifestando o arguido a intenção de não mais pagar a factura da eletricidade, e, uma sexta-feira à noite, desligou a luz da moradia no quadro geral"; - devendo ser incluída na factualidade PROVADA que "Apesar de ele (arguido) e a ofendida D… não partilharem o mesmo quarto, viviam na mesma casa, saindo ao Domingo para almoçar".

    14. Ainda e sempre sem prescindir, não poderá manter-se a decisão em crise, desde logo quanto ao crime de violência doméstica, já que a matéria de facto se mostra insuficiente para a decisão proferida.

    15. Na verdade, como já acima referido, para além de a factualidade dada como provada conter factos genéricos, não devidamente circunstanciados quanto ao tempo, local e modo de cometimento; 16. Configura a mesma factos que não podem ser valorados, por, não configurarem crime à data da sua ocorrência ou se mostrarem prescritos, como é o caso da factualidade elencada em c) a j) dos FACTOS PROVADOS.

    17. Na verdade, até 17.09.2014, data da denúncia que deu início aos presentes autos, nunca a ofendida D… (ou alguém por ela) apresentou qualquer queixa; 18. Pelo que, a factualidade constante da acusação e dada como provada pelo Tribunal a quo, situada entre a data de casamento da ofendida D… com o arguido - 20.03.1966 - e 2003, data mais recente do período considerado na factualidade ínsita em c) a j) dos factos provados, não poderá merecer relevância penal; 19. Sendo, assim, manifesta a insuficiência da restante matéria de facto para a verificação do crime de violência doméstica, p.e.p. no art.152° do Código Penal.

    20. Na verdade, a demais factualidade dada como provada em k), l) e m) não tem a virtualidade de satisfazer o elemento objetivo e subjetivo de tal ilícito, o qual, para se verificar, exige que "... os factos em que se desdobra (ou o facto em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT