Acórdão nº 5822/15.5T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução27 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 5822/15.5T8MTS.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B…, residente na Rua …, n.º …, …, em Matosinhos, intentou procedimento cautelar não especificado contra C…, com domicílio profissional na Avenida …, n.º …, em Matosinhos e D…, residente na rua …, n.º …., …, na Maia, pedindo que seja ordenada a anulação da venda efectuada pelo primeiro requerido ao segundo e, em consequência, que seja determinado o cancelamento do registo de aquisição de propriedade a favor do segundo requerido, na Conservatória do Registo Automóvel de Matosinhos.

Alegou para tanto, e em síntese, que contraiu casamento com o requerido C… em 16 de Agosto de 1997, no regime da comunhão de adquiridos, encontrando-se separada de facto desde Abril de 2015, data em que o requerido abandonou a casa de morada da família.

Na casa de morada de família ficou o veículo automóvel da marca Peugeot, matrícula ..-ML-.., adquirido em 2011, o qual, não obstante ter sido adquirido com dinheiros próprios da requerente, dados por sua mãe, foi registado em nome do requerido C…. Verificada a separação de facto do casal, o veículo manteve-se na posse da requerente, que sempre o utilizou., até ao Verão de 2015, altura em que ficou totalmente imobilizado por padecer de problemas técnicos e mecânicos que comprometem a segurança da sua circulação.

No dia 1 de Dezembro de 2015, a requerente foi alertada telefonicamente pela sua mãe de que estava à porta de casa desta uma pessoa que disse chamar-se D…, e que tinha sido lá mandado pelo requerido C…, a reclamar a propriedade do veículo, alegando que o tinha comprado àquele. Quando a requerente chegou ao local, este voltou a reclamar a propriedade do veículo, agora à requerente, referindo que o tinha adquirido ao requerido C…, no dia 29 de Novembro, pela quantia de € 11.500,00 e exibindo um documento da Conservatória do Registo Predial de Matosinhos de onde consta como "Facto registado: Transferência da propriedade".

A alegada venda deu-se sem que o alegado comprador tenha visto e inspeccionado o veículo, sem saber exactamente o seu paradeiro ou se mesmo efectivamente existia.

Quando confrontado, quer com o facto de o veículo ser da requerente e esta desconhecer a intenção de tal venda e, em todo o caso, nunca a ter autorizado ou querido, quer com o absurdo de alegadamente comprar um veículo que não sabe se existe, em que condições está, sem experimentá-lo ou inspeccioná-lo, justificou-se o requerido D… com o facto de conhecer o veículo por já o "ter visto a circular", pois já conhece o requerido C… há bastante tempo.

O requerido D… ainda ameaçou a requerente de que se não lhe fosse entregue o veículo de imediato teria de participar à Policia o "roubo" do mesmo, dizendo-lhe ainda que este veículo até já estava prometido vender a uma outra pessoa que já o tinha prometido adquirir.

A requerente recusou a entrega do veículo, mas teme seriamente que as ameaças do mesmo sejam postas em prática e se veja desapossada do veículo em consequência da alegada venda que foi concretizada do mesmo sem a sua autorização ou sequer conhecimento.

Os requeridos deduziram oposição.

Alegou o requerido C… que a pedido da requerente concordou em "dar um tempo", de forma a repensarem o seu matrimónio, passando o requerido a dormir num imóvel pertencente à mãe da requerente, deixando na casa de morada de família todos os seus pertences, porquanto continuou a frequentá-la com regularidade. O veículo ficou na garagem da casa de morada de família, já que o requerido entendeu que a requerente poderia necessitar do mesmo para ir levar e buscar os filhos à escola, embora, até início de Setembro de 2015, o veículo tenha sido utilizado tanto pelo requerido como pela requerente.

A requerente começou a criar obstáculos no sentido de evitar que o requerido tivesse acesso à casa de morada de família e ao veículo. E, unilateralmente, a requerente procedeu ao cancelamento do seguro do veículo, cancelando o débito directo da conta conjunta através da qual todos os pagamentos referentes ao veículo eram feitos, embora o pagamento do IUC referente ao ano de 2014 tenha sido efectuado pelo requerido em numerário, com dinheiro comum do casal.

No dia 12 de Setembro de 2015, o requerido disse à requerente que iria buscar o veículo, pois necessitava dele, respondendo a requerente que o carro iria ficar guardado, impedindo-o de ter acesso ao mesmo, tendo sido obrigado a chamar a PSP.

Apesar de ter sido impedido de usar o veículo a partir de 12 de Setembro de 2015, o requerido sempre se comportou como dono do mesmo e sempre se preocupou com a sua manutenção.

Ora, uma vez que o veículo apresentava problemas técnicos e mecânicos, ficando imobilizado na garagem da habitação do casal, também a requerente passou a não o usar, alegando risco para a segurança dos passageiros.

Por causa dos problemas existentes no veículo, ambos entenderam que a melhor solução seria a sua venda, sabendo a requerente que o requerido iria tomar providências nesse sentido. A discordância era quanto ao destino a dar ao dinheiro proveniente da venda. A requerente só aceitava a venda se fosse para abater à dívida existente no "Banco E…", já o requerido entendia que o dinheiro da venda deveria ser dividido em partes iguais.

A venda do veículo foi a medida mais razoável e justa que poderia ser tomada, salvaguardando exclusivamente o património comum do casal, sendo que em momento algum o requerido pretendeu ficar com o valor total do mesmo, pois sabe que a requerente tem direito a metade, desde já se dispondo a fazer a entrega de € 6.250,00.

A mesma foi efectuada pelo valor de € 12.500,00, de acordo com as avaliações de mercado e as condições técnicas e mecânicas que o veículo apresenta e a sua negociação ocorreu em condições normais. Os requeridos conhecem-se desde há muito, e em conversa, o requerido D… mostrou-se interessado na compra do mesmo, pois viu uma boa oportunidade de negócio. Quando nas férias de Verão andou com o veículo, o requerido C… teve oportunidade de o mostrar ao requerido D…, pelo que este conhecia o veículo em questão, sendo que nos dias que correm é normal comprar veículos à distância, mesmo sem os inspeccionar.

Por seu lado, o requerido D… alega ser o legítimo proprietário do veículo e que a aquisição se encontra registada a seu favor na competente conservatória do registo automóvel. Refere que conhecia perfeitamente o veículo, o qual adquiriu pelo valor de € 12.500,00 pagos em numerário.

Foi proferida decisão julgando procedente o procedimento, declarando anulada a venda do veículo de matrícula ..-ML-.. efectuada pelo requerido C… ao requerido D… e determinando o cancelamento do registo de aquisição de propriedade a favor do requerido D… na Conservatória do Registo Automóvel de Matosinhos.

Mais se dispensou a requerente do ónus de propositura da acção principal.

Inconformado, apelou o requerido C…, apresentando as seguintes conclusões: «1 - O presente recurso pretende dar a conhecer aos Venerandos Juízes Desembargadores os motivos pelos quais o Recorrente discorda da douta sentença proferida no processo 5822/15.5T8MTS, que corre os seus termos na Comarca do Porto, Instância Local, Secção Cível - J3 de Matosinhos, tendo como fundamento arguição de nulidades, impugnação da matéria de facto e da matéria de direito.

2 - A douta sentença é nula, quer pela omissão de pronúncia, quer pelo excesso de pronúncia.

3 - Quanto à omissão de pronúncia: Foi requerido pelo ora Recorrente na sua oposição a fls.... o depoimento de parte da Requerente, ora Recorrida; o depoimento de parte foi admitido por despacho a fls ....; e na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 16 de maio de 2016, a ora Recorrida prestou depoimento de parte, com duração de 1 hora, um minuto e dezassete segundos.

3.1 - Ora, no final das declarações de parte da Requerente, com gravação com início ao minuto 1:00:46 e fim 1:01:13, a Meritíssima Juiz a quo referiu o seguinte: "Sras. Oras., eu penso que a Sra. realmente confirmou muita matéria, mas confirmou enquadrando, ou seja, não temos uma confissão tout court, acho que não faz muito sentido estar aqui a lavrar uma assentada, até porque teríamos de estar a explicar e enquadrar isso, se as Sras. Dras. confiarem em mim, depois ... Acho que tudo tem de ser enquadrado!. .. ".

Posto isto, ficou diferido para um momento posterior, designadamente o momento da redacção da sentença para a Meritíssima Juiz a quo se pronunciar em relação aos factos sobre os quais houve ou não confissão.

3.2 - Sucede que, a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou sobre os factos confessados pela Requerente, ora Recorrida e, salvo melhor opinião, existe neste caso, a omissão de pronúncia, nos termos do disposto na primeira parte do n.º 2 do art.° 605.º do CPC, o que consubstancia a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve e que influi na decisão da causa (art. 195°, n.º 1 do CPC).

3.3 - Assim, nos termos do disposto no artigo 615°, nº1, al. d), 1a parte a douta sentença é nula.

4 - Quanto ao excesso de pronúncia: Na douta sentença a Meritíssima Juiz a quo decretou a inversão do contencioso, partindo do pressuposto de que a Requerente, ora Recorrida requereu ao abrigo do disposto no artigo 369° do CPC a inversão do contencioso.

4.1 - Sucede que, a ora Recorrida, não requereu em nenhum momento processual admissível a inversão do contencioso. Pelo que, não tendo sido requerido a inversão do contencioso, o mesmo não poderia ter sido decretado.

4.2 - Dispõe o artigo 369°, nº1 do CPC que "Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal....". Com efeito, este mecanismo processual permite ao Requerente da providência ficar dispensado do ónus de propor a acção principal, mas para que isso aconteça o mesmo tem o ónus de requerer ao tribunal a inversão do contencioso.

4.3 - Como refere o Conselheiro Lopes do Rego "é o requerente que deve valorar o...

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