Acórdão nº 13274/14.0T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução12 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 13274/14.0T8PRT.P1 5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): I. O tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo qualificar juridicamente de forma diferente as questões suscitadas pelas partes perante concretos factos alegados e ultrapassando a confusão entre os conceitos de resolução e caducidade, sem que daí resulte violação da vinculação à causa de pedir.

  1. A alteração da Lei n.º 79/2014 ao artigo 57.º do NRAU, relativamente a grau de incapacidade, não tem natureza interpretativa.

Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:I) Relatório 1.

B…, C… e D… intentaram a presente ação contra E…, todos melhor identificados nos autos.

1.1 Os autores alegam que são proprietários de um imóvel que, por contrato celebrado em 1 de Maio de 1973, arrendaram ao pai da ré, para fins habitacionais; por morte deste, em 2006, sucedeu-lhe na posição de arrendatária a sua mulher, a qual veio também a falecer no passado dia 22 de Janeiro de 2014, facto que foi transmitido pela ré ao primeiro autor, por missiva datada de 6 de Fevereiro de 2014, e na qual lhe transmitiu que pretendia que o contrato de arrendamento lhe fosse transmitido, invocando que sempre residiu no local arrendado com a sua mãe.

A tal transmissão opuseram-se os autores por a ré não ter demonstrado ser portadora de deficiência de grau superior a 60%, já que lhes enviou dois atestados médicos de teor contraditório, e porque é proprietária de vários imóveis na cidade do Porto.

Terminam pedindo a condenação da ré a ver declarada a resolução do contrato de arrendamento dos autos, a fazer entrega do locado livre de pessoas e coisas aos autores em bom estado de manutenção e limpeza e a pagar uma indemnização igual ao valor das rendas que se forem vencendo até entrega efetiva do locado.

1.2 A ré apresentou contestação.

No essencial, alegou que sempre viveu com os seus pais no locado, na casa de morada de família. Comunicou ao primeiro autor o óbito da sua mãe e manifestou interesse na manutenção do arrendamento, ao que este anuiu, com um pequeno acerto da renda mensal e que, posteriormente, veio o autor impor novas regras.

Tendo o primeiro autor reconhecido que o contrato não caducaria se a ré demonstrasse ser portadora de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, deu provas de tal facto junto do primeiro autor em 16 de abril de 2014.

Os imóveis a que aludem os autores são efetivamente de sua propriedade, por os ter herdado de seus pais, mas os mesmos encontram-se arrendados; face à antiguidade e prazo contratualizado em cada um dos contratos de arrendamento, não está em condições de ressarcir os arrendatários, porque os seus rendimentos advêm das respetivas rendas, estando impedida de poder residir nos ditos imóveis; de qualquer modo, à data do óbito de sua mãe não era titular de qualquer imóvel, por lhe terem os mesmos advindo por sucessão.

Termina afirmando que a ação deverá ser julgada improcedente, reconhecendo-se à ré o direito ao arrendamento.

1.3 Dispensada a realização de audiência prévia e concretizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decido condenar a Ré E…:

  1. A fazer a entrega aos Autores do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial, livre de pessoas e coisas e em bom estado de manutenção e limpeza; b) Pagar uma indemnização igual ao valor das rendas que se forem vencendo, até à efetiva entrega do locado; c) Absolver, no mais, a Ré do pedido; Custas (…).» 2.1 A ré, não se conformando com a sentença proferida, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral): «1ª – Os autos versam sobre a cessação do contrato de arrendamento ou a sua transmissão para a Ré por efeito do disposto no artº 57º/1/e) NRAU aqui aplicável. Sobre tal circunstância, constatou o Tribunal “a quo” que a Ré vivia há anos no locado com a mãe, primitiva arrendatária, e que a Ré, embora proprietária de outros prédios, não poderia a eles recorrer para sua habitação por todos eles se encontrarem arrendados.

    1. – Dos requisitos necessários, apenas questionou um: a existência de incapacidade / deficiência da Ré em grau superior a 60% (invocando o referido artº 57º/1/e) fine NRAU), tendo concluído que a Ré não alegou nem provou tal incapacidade, embora a Sentença “a quo” faça referência a 2 atestados de incapacidade da Ré.

    2. – Por último, a Sentença “a quo” apercebe-se do errado pedido n.º 1 dos Autores (resolução e não caducidade) e, por isso, apenas decide deferir a consequência de uma caducidade que os AA. deveriam ter pedido.

      O presente recurso debruça-se assim sobre 3 questões, cada uma abordada nos seguintes 3 pontos, A, B e C: A – De Direito – Da nulidade da Sentença por condenação em objeto diferente do peticionado 4ª – Os primeiros pedidos formulados pelos AA. são: que a Ré seja condenada: a) “A ver declarada a resolução do contrato de arrendamento dos autos; b) A fazer a entrega do locado livre de pessoas e coisas” (…) Tais pedidos estão naturalmente por ordem, encontrando-se o pedido b) (consequência) dependente do pedido a) (premissa), de tal modo que aquele pedido b) (de desocupação) é-o, apenas, em virtude da resolução requerida.

    3. – Ora, como o Tribunal “a quo” bem constatou, a questão colocada pelos AA. não é de resolução de contrato de arrendamento mas sim de caducidade. E embora tenha referido que a caducidade operaria de forma automática, parece-nos evidente que não o é, visto que o mesmo Tribunal “a quo” se debruçou quase exclusivamente sobre tal caducidade, analisando e confirmando/infirmando a sua existência e seus requisitos, assim demonstrando que, afinal, se exige que a caducidade seja analisada e confirmada judicialmente.

    4. – Ora, “I - O modo como se mostra formulado o pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é de grande importância, por o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor” (entre muitos, Ac. RL de 26-11-2009, proc. 996/05.6TCLRS.L1-6) 7ª – Constatado o erro de pedido dos AA. seria de esperar que o Tribunal “a quo” fizesse improceder o pedido a) e, consequentemente, todos os demais, porque dependentes do 1º. Porém, não o fez: tentando obviar as consequências do erro dos AA., “deu-lhes a mão” declarando improcedente o pedido a)… mas, surpreendentemente, declarou procedentes todos os demais, ignorando tal relação de dependência entre si.

    5. – Assim, ao absolver a Ré quanto ao pedido de resolução mas condenando nos demais, julgou o Tribunal “a quo” de forma diferente do que lhe havia sido pedido (causa de nulidade da Sentença – 615º/1/d)/e)), sendo certo que: a) não poderia apreciar uma caducidade quando os Autores pedem – embora erradamente - uma resolução; b) não poderia ter deferido o pedido n.º 2 (a entrega do locado) porque o pedido de entrega do locado formulado pelos Autores era-o na sequência de uma resolução (e não de uma caducidade, não pedida).

      B – De Direito – Errado afastamento do caráter interpretativo da alteração da Lei 79/2014 ao artº 57.º do NRAU.

    6. – O Tribunal “a quo” fez notar que a alteração que a Lei 79/2014 de 19.12. deu ao artigo 57º/1/e) do NRAU (que passou a abranger quem tivesse incapacidade igual ou superior a 60%) alteraria completamente o desfecho da ação caso a morte da primitiva arrendatária tivesse ocorrido após a entrada em vigor de tal Lei 79/2014 (e não antes). O Tribunal “a quo” apenas não quis aplicar tal nova redação ao caso concreto por entender que tal Lei não é interpretativa e, por isso, não retroage os seus efeitos.

      Mas será que é mesmo assim? Entendemos que não.

    7. – Na verdade, a dúvida sobre se o artº 57º/1/e) fine (entroutras disposições semelhantes do NRAU) pretendia abranger ou não quem tivesse incapacidade igual a 60% surge-nos direta ou indiretamente refletida em variada jurisprudência: quer aquela que se afirma de forma negativa (que a Lei não quis abranger tais pessoas) quer aquela que manifesta algumas dúvidas quanto a tal conclusão.

    8. – Destacamos (entre vários) o Ac. RL de 23.9.2014 ou ainda o Ac. RL de 15.12.2011, proc. 129/10.7TBFUN.L1-7, que afirma que “III – O NRAU (art.57º) alterou tal regime, já que, passou a não permitir, nos contratos que lhe são anteriores, a transmissão do arrendamento para os descendentes maiores de 26 anos que não sofram de qualquer incapacidade ou que tenham uma incapacidade inferior a 60%, assim lançando a dúvida de saber se abrange ou não quem tenha incapacidade igual a 60%.

    9. – E tal dúvida não é absurda já que, como se tem discutido na Doutrina e, de resto, perguntamos nós: quis o legislador de 2012 afastar a incapacidade igual a 60%? Porque é que o legislador de 2014 quis passar a abranger tal percentagem? Fê-lo apenas com efeitos apenas para o futuro? Porquê? Haverá alguma justificação? 13ª – A resposta é simples: não existe. Verdadeiramente não se explica. Na verdade, o espírito do legislador continuou o mesmo: apenas quis deixar clarificado ou então retificar que quem tenha 60,00% de incapacidade e não apenas 60,01% está de facto também abrangido por tais disposições (as do artº 57.º/1/e) e tb as dos artigos 28.º/5, 31º/4/b), 36.º/1, 57,1/e) do NRAU, entre muitos outros desta e de legislação conexa).

    10. – Salientando a extrema importância social de proteção das pessoas em situação económica e de saúde mais débil e a vital necessidade de olhar com sensibilidade para tais casos, especialmente os “casos de fronteira”, o próprio Governo assumiu numa publicação de 2013 que “As razões de mobilidade e o direito à tranquilidade associadas à idade ou à condição física justificaram a opção pela não cessação do contrato e pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT