Acórdão nº 7815/15.3T9PRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | EDUARDA LOBO |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 7815/15.3T9PRT.P2 1ª secção Relatora: Eduarda Lobo Adjunto: Des. Castela Rio Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIONo âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que corre termos no Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 1 da Comarca do Porto, com o nº 7815/15.3T9PRT, na sequência da audiência a que alude o artº 472º do C.P.P., foi proferido acórdão, depositado em 22.11.2017, que condenou o arguido B… na pena única de 3 anos e 7 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova e subordinada à entrega às Finanças, no decurso do prazo de suspensão, da quantia de €261.415,45, bem como à entrega da quantia de €4.260,00 a “C…, Unipessoal, Lda.”, pela prática de um crime de fraude fiscal p. e p. nos artºs. 6º e 103º nºs 1 al. a) e 2 do RGIT e um crime de abuso de confiança agravado p. e p. no artº. 205º nº 1 e 4 al. b) do Cód. Penal.
Inconformado com o acórdão condenatório, dele veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. Entende o arguido, ora recorrente, que a condição da suspensão da pena de prisão subordinada à entrega às Finanças, no decurso do prazo da suspensão, da quantia de €261.415,45 assenta num erro ou, pelo menos, numa especulação pouco razoável.
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Como resulta do Acórdão da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação proferido no âmbito dos presentes autos “O dever imposto ao arguido com a suspensão da execução da pena de prisão, embora destinado a reparar o mal do crime, que se acentua sobremaneira neste ilícito – abuso de confiança – tem que se pautar pelo princípio da razoabilidade e não pode representar uma obrigação inexigível (artº 51º nºs 1 alínea a) e 2 do CP). Os deveres condicionados da suspensão da execução da pena de prisão devem ser norteados pela normal possibilidade de serem cumpridos, designadamente pelas concretas possibilidades económicas financeiras provadas no processo. Isto leva-nos a concluir que a obrigação (dever) de indemnizar, decorrente da sanção penal, tem por fundamento não apenas o valor do prejuízo causado mas também as finalidades da pena (reparação do mal do crime), não resultando a obrigação de indemnizar como um efeito automático da condenação”.
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As condições do arguido mantêm-se as mesmas, pelo que não se compreende o que levou o Tribunal a quo a equacionar como possível a hipótese do arguido vir a ter capacidade financeira para proceder ao pagamento da quantia de €261.415,45 no prazo de três anos e sete meses, quando já antes, pelo Tribunal da Relação do Porto, foi considerado que o arguido não tinha capacidade financeira para proceder ao pagamento da quantia de € 56.315,82 no prazo de dois anos e nove meses.
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Conforme decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2016 disponível em www.dgsi.pt “(...) III – No que tange aos crimes tributários (a todos referidos no RGIT), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento, como condição para a suspensão de uma pena de prisão, quando o juízo de prognose realizado existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa, ou só com pena de prisão, impondo-se nestes casos fazer uma interpretação conjugada do disposto nos artigos 14º nº 1 do RGIT e o artigo 51º nº 2 do Código Penal; IV – Outra solução que se encontrasse, iria colidir de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade”.
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Segundo o artº 51º nº 2 do Código Penal só pode ser imposto o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão quando do juízo de prognose realizado resultar que existem condições para que esta obrigação possa ser cumprida.
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Não há qualquer razoabilidade ao afirmar pretender-se que um homem que aufere um rendimento cujo valor mensal médio ascende a €420,00, que foi declarado insolvente, que necessita do apoio dos progenitores para fazer face às despesas tida e que tem um filho menor, consiga no espaço de três anos e sete meses, melhorar tanto que possa ser razoável efetuar a entrega às Finanças da quantia de €261.415,45.
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Da formulação de um juízo de prognose resulta a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter meios financeiros que o permitam a imposição de um tal dever representaria uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir e contrariaria o disposto no art. 51º nº 2 do Código Penal.
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Angariar €261.415,45 em 43 meses traduzirá a obrigatoriedade de uma poupança mensal de €6.079,43, sendo que a situação económica do arguido não aponta para que tal alguma vez venha a ser possível.
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Ora, dado que o arguido aufere um rendimento cujo valor mensal médio ascende a €420,00, forçoso será dizer que é uma condição impossível de cumprir.
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É que sendo certo que não se pode negar que as motivações essencialmente económicas que estão por detrás da prática destas infrações, aliadas ao tipo de agentes que as praticam e à natureza das próprias sanções e do sacrifício que visam impor não pode significar um violar dos interesses de defesa de direitos fundamentais, sob pena de o Estado se revelar totalmente desrespeitador do princípio da proporcionalidade, violando assim o disposto no artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e máxime artº 25º nº 1 do mesmo diploma legal.
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Posição contrária consubstanciaria uma distinção restritiva dos direitos liberdades e garantias, entre quem tem capacidade económica, que pode ver a sua pena suspensa, e quem não tem, que é obrigado a cumprir pena de prisão efetiva.
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Nestes termos, a suspensão da execução da pena não deve ficar condicionada ao pagamento da quantia de €261.415,45.
*Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que deve ser mantido o decidido.
*Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
*Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
* II – FUNDAMENTAÇÃO O acórdão sob recurso considerou provados os seguintes factos: transcrição 1) No âmbito do Processo Comum Singular nº 25/14.9IDSTB, do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Setúbal, provou-se, em suma, que: » A sociedade D…, Ld.ª, portadora do NIPC ………, foi constituída por registo datado de 17-05-2002 pelos arguidos B… e E…, os quais exerceram, efetivamente, a gerência da empresa até que a mesma foi declarada insolvente em 12-04-2011.
» O objeto comercial da empresa consistia no comércio a retalho de artigos de ourivesaria, pratas, joalharia, relojoaria, artigos de decoração, comércio de marroquinaria, sapataria, pronto-a-vestir de vestuário de senhora, homem e criança, lingerie e acessórios de praia e comércio de restauração e bebidas, estando inserida na CAE n.º ……, à qual corresponde a designação «comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia», estando sujeita a I.V.A. e a I.R.C..
» Durante o ano de 2010, a atividade da empresa consistiu na venda a retalho de peças de ourivesaria (artigos em ouro, prata, relógios e joalharia), a qual era realizada por duas vias: a) Em três lojas situadas, respetivamente, na Rua …, …, na Rua …, …, Barreiro e na rua …, n.º…, Loja …, …; e b) Através de uma rede informal de vendedores/comissionistas de venda direta de ouro e outros artigos de ourivesaria.
» O controlo desta rede de vendedores/comissionista era diretamente efetuado pela arguida E… que entregava inicialmente as peças em ouro e outros artigos de ourivesaria aos vendedores/comissionistas, juntamente com uma guia de consignação manuscrita e, por sua vez, estes passavam-lhe um cheque-caução por cada entrega de ouro que recebiam.
» Após, era emitida uma guia de devolução (relativamente às peças não vendidas) ou era emitido o recibo verde relativo à comissão pelas peças vendidas.
» Ora, e se para efeitos fiscais todas as vendas realizadas em loja eram devidamente registadas e faturadas, o mesmo já não acontecia com as vendas efetuadas pelos vendedores/comissionistas, cuja faturação não era realizada e os valores obtidos não eram integralmente contabilizados para aqueles efeitos.
» Realizada ação inspetiva à sociedade D…, Ld.ª, apurou-se que, pese embora, durante o ano de 2010, a sociedade arguida D…, Ld.ª, tivesse declarado em sede de IRC um prejuízo fiscal no valor de €2.398.895,19, obteve rendimentos, resultantes das vendas, designadamente através dos seus vendedores/comissionistas, no valor de €2.464.974,74, vendas essas que não foram alvo de faturação, pelo que não foram declaradas em sede de IRC.
» Acresce que, e em consonância, não faturando as referidas vendas e encontrando-se as mesmas sujeitas e não isentas de IVA, foram os correspondentes valores omitidos nas declarações periódicas dos períodos de 2010-03T, 2010-06T, 2010-09T e 2010-12T, porque não liquidados e, assim, não entregues aos cofres do Estado, apropriando-se os arguidos indevidamente desses valores.
» Do montante global de €3.974.256,34 apurado, e subtraídos os valores correspondentes a fluxos inter-contas, salários dos arguidos e levantamentos de cheques (€416.325, €21.508 e €65.000, respetivamente), fica assente que a atividade da empresa ascendeu, em 2010, a € 3.471.423,34, dos quais foram faturados, registados e declarados pela empresa apenas €1.006.448,60, verificando-se a omissão de vendas no valor de €2.464.974,74.
» Os arguidos sabiam que, ao não emitirem as faturas que titulavam as...
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