Acórdão nº 6724/17.6T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA SOARES
Data da Resolução08 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º6724/17.6T8VNG.P1 Relatora: M. Fernanda Soares – 1515 Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais Dra. Paula Leal de CarvalhoAcordam no Tribunal da Relação do Porto IO Ministério Público instaurou, em 08.08.2017, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra B… S.A.

, pedindo a condenação da Ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a jornalista C… com início em 12.10.2015.

Alega que a Ré admitiu ao seu serviço, em 12.10.2015, aquela C…, mediante a celebração de contrato intitulado de prestação de serviços, tratando-se, no entanto, de uma falsa prestação de serviços. Com efeito, na sequência de acção inspectiva levada a cabo pela ACT, em 01.03.2017, foi entendido que a referida C… prestava as funções de jornalista por conta da Ré, sob as ordens, controlo e instruções dos seus directores e coordenadores, designadamente de D… e de E…, utilizando equipamentos propriedade da Ré, prestando as suas funções em instalações da Ré, e no exterior, cumprindo um horário de trabalho e auferindo um valor mensal fixo de €1.300,00.

A Ré veio contestar, excepcionando a nulidade da presente acção, com fundamento na proibição à constituição de relações de trabalho subordinado com entidades do sector público empresarial, como é o seu caso, na impossibilidade de a Ré reconhecer eventuais situações de trabalho dependente e na impossibilidade do Tribunal reconhecer eventuais situações de trabalho dependente celebradas pela B… Mais arguiu a invalidade e a extemporaneidade da participação da ACT, a inaplicabilidade da acção de reconhecimento de contrato de trabalho à Ré, a litispendência «especial» e o risco de casos julgados opostos, a suspensão da presente acção durante o PREVPAP, a violação do direito de defesa e a consequente invalidade da acção promovida pelo MP. Conclui pela procedência das excepções e a consequente absolvição da Ré da instância. Subsidiariamente pede a suspensão da instância até à decisão final a produzir no âmbito do PREVPAP. Em sede de impugnação defende a inexistência de qualquer contrato de trabalho celebrado com a jornalista C… com a consequente absolvição da Ré do pedido.

O MP veio responder concluindo pela improcedência das alegadas excepções.

O Mmº. Juiz a quo conheceu das excepções a) Das limitações (proibições) à constituição de relações de trabalho subordinado com entidades do sector público empresarial; b) Da impossibilidade do Tribunal reconhecer eventuais situações de trabalho dependente celebradas pela B…; c) Da invalidade da participação da ACT; d) Da inexistência de ilicitude; e) Da inaplicabilidade da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho à Ré. Julgou as indicadas excepções procedentes e absolveu a Ré da instância.

O MP, inconformado, veio recorrer pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por acórdão que julgue as invocadas excepções improcedentes e determine o prosseguimento dos autos, ou então, a suspensão da instância até à conclusão do PREVPAP concluindo do seguinte modo: 1.

De acordo com o disposto no artigo 40º dos Estatutos da Ré, aprovados e republicados pela Lei nº39/2014 de 09.07, é aplicável aos trabalhadores da Ré o regime jurídico do contrato individual de trabalho.

  1. Assim, a Ré tem de conformar a sua actuação com as regras do Código do Trabalho, designadamente, com o artigo 12º, que estabelece critérios presuntivos de laboralidade e sanciona a utilização de trabalho dissimulado.

  2. Não se vislumbrando fundamento legal para eximir a Ré da aplicação desse normativo e, consequentemente, do procedimento previsto no artigo 15º-A do DL nº107/2009, redacção da Lei nº63/2013 de 27.08. sempre que se verifiquem indícios de dissimulação do contrato de trabalho, como no caso dos autos.

  3. Assim, como não pode prejudicar tal reconhecimento o PREVPAP – Programa de Regularização Extraordinário de Precários na Administração e no Sector Empresarial do Estado.

  4. Efectivamente, a Lei nº63/2013, de 27.08, que veio substituir no ordenamento jurídico português um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinada não faz qualquer distinção entre empresas públicas ou do sector empresarial do Estado e empresas privadas.

  5. E onde a lei não distingue não compete ao intérprete fazê-lo, sendo certo que na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – artigo 9º, nº3 do CC.

  6. Logo, tal mecanismo, há-de aplicar-se, até por maioria de razão ao Estado ou seja à Ré.

  7. Se assim não fosse estava aberta a porta para que as empresas do sector empresarial do Estado, com os argumentos invocados pela Ré, só terem trabalhadores ao seu serviço, não importa quantos, quiçá todos, como prestadores de serviços, ou seja, a falsos recibos verdes.

  8. Dos normativos citados pela Ré – leis que aprovaram o Orçamento de Estado e de enquadramento orçamental – dirigem-se aos órgãos estatutários, máxime aos Conselhos de Administração de tais empresas e não aos trabalhadores.

  9. Apesar dessas leis, a Ré tem admitido pessoal, tendo-se verificado por consulta à Base de Dados da Segurança Social, que a mesma admitiu 72 trabalhadores no período compreendido entre 01.01.2016 a 07.07.2017, sendo que 19 deles iniciaram prestação da actividade depois do dia 01.03.2017, data em que a ACT deu início à acção inspectiva da Ré.

  10. A violação de tais leis é um assunto a dirimir entre a Administração da Ré e os órgãos que a tutelam.

  11. Por outra via, tais leis não podem impedir ou proibir que o Tribunal venha a reconhecer a existência de um contrato de trabalho no caso em apreço caso se venha a provar materialidade fáctica para tanto.

  12. Efectivamente, a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou a reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente – artigo 2º, nº2 do CPC.

  13. E os Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo – artigo 202º da CRP.

  14. E as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades – artigo 205º, nº2 da CRP e artigo 24º, nº2 da LOJTJ.

  15. Das leis orçamentais e de enquadramento orçamental não resulta que uma contratação laboral a tempo indeterminado ou a termo ainda que sob a aparência de um contrato de prestação de serviços, não possa ser judicialmente reconhecida como tal.

  16. Se se tratar efectivamente de um contrato de trabalho ele deve ser reconhecido como tal, sendo tal reconhecimento condição necessária para que, eventualmente, se possa afirmar a sua nulidade.

  17. O Tribunal a quo não pode deixar de conhecer da causa perante uma pretensa excepção dilatória inominada, uma vez que o eventual reconhecimento de um contrato de trabalho, cujos efeitos retroagem ao início da relação laboral, acarreta efeitos jurídicos – artigo 122º, nº1 do CT.

  18. Mostram-se violados o disposto nos artigos 15º-A da Lei nº107/2009 de 14.09, na redacção da Lei nº103/2013 de 27.08, o nº2 do artigo 186º-N do CPT, o artigo 12º e 122º nº1 do CT e artigo 2º, nº2 do CPC.

    A Ré veio responder defendendo a manutenção da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo: 1.

    No caso concreto não é legalmente admissível reconhecer a existência de um contrato de trabalho celebrado com a Ré nem fixar a data de início da produção dos respectivos efeitos. Assim o impede a Lei, que expressamente comina a nulidade, originária e insuprível, de contratos de trabalho celebrados pela Ré sem obtenção da prévia obtenção de autorização governamental, sendo que uma decisão judicial nunca seria suficiente para suprir tal nulidade.

  19. Trata-se, aliás, de solução, ainda que com enquadramentos distintos, que tem sido seguida na generalidade das sentenças que têm julgado pleitos em tudo idênticos ao presente, conforme cópias que se juntam.

  20. A posição sustentada pelo MP revela-se totalmente improcedente, na medida em que desconsidera o quadro legislativo orçamental aplicável à Ré, bem como as razões e motivos subjacentes à estipulação do regime específico relativo à contratação de trabalhadores.

  21. A legislação em vigor impede o que o MP pretende com a instauração da presente acção, a qual servindo apenas para declarar a existência de um contrato de trabalho e fixar a data da constituição da relação laboral por ela instituída, não pode a mesma ter como resultado declarar que existe um contrato que a lei expressamente estabelece ser nulo, que, como tal, conduziria à imediata cessação do vínculo contratual e não à regularização da respectiva situação.

  22. Improcede também o argumento do MP quando afirma que da declaração de existência de contrato de trabalho nulo acarretariam efeitos jurídicos, tratando-se de fundamento contrário à lei face ao desiderato da presente acção, que não visa o estabelecimento de quaisquer efeitos decorrentes do reconhecimento de um vínculo de natureza laboral, esgotando, ao invés, o seu efeito útil no tal reconhecimento, ou não, de uma relação de natureza laboral.

  23. A regularização das situações de errado enquadramento contratual de vínculos estabelecidos com empresas do sector empresarial do Estado, onde se inclui a Ré, só pode ser obtida através do PREVPAP, sendo precisamente para essas situações que tal programa foi estabelecido.

  24. Foi o próprio Estado que, tendo instituído limitações à admissão de trabalhadores por empresas do sector empresarial público, criou o PREVPAP, ou seja, um mecanismo destinado a regularizar as situações de errado enquadramento contratual existentes no seu próprio seio e, por essa via, assegurar a regularização dessas situações, a qual não pode ser obtida pelos meios comuns, dada a nulidade dos contratos de trabalho celebrados sem prévia autorização governamental.

  25. Em face de tudo o que...

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