Acórdão nº 271/16.0T8ETR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 271/16.0T8ETR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Estarreja – Juízo de Competência Genérica, Juiz 2 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade*Sumário ......................................................

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*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO B... intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra C... e D..., pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre os quatro veículos automóveis que identifica na petição inicial e bem assim seja anulado o negócio celebrado entre os réus que teve por objeto esses veículos.

Peticiona ainda a condenação do réu D... a devolver-lhe tais veículos.

Para tanto, e em síntese, alega: - Estar casada com o réu C..., desde 2002, no regime da comunhão de adquiridos; - Está a correr ação de divórcio intentada por si na sequência da degradação da relação conjugal; - Na constância do matrimónio, o casal adquiriu, com dinheiro comum, quatro viaturas automóveis de coleção; - Em agosto de 2015 os réus celebraram entre si negócio intitulado confissão de dívida e contrato de dação em pagamento, mediante o qual o réu C... entregou ao réu D... aquelas quatro viaturas automóveis para pagamento de uma dívida inexistente de €45.000,00; - Este contrato foi celebrado sem conhecimento e contra a vontade da autora; - Só teve conhecimento da disposição dos veículos em 10 de Novembro de 2015.

Devidamente citado, o réu C... deduziu contestação, alegando, em síntese, que: - Decorreu o prazo de seis meses desde o conhecimento do ato anulável para que a autora o pudesse requerer; - Os veículos foram adquiridos com dinheiro próprio do réu C...; - Contraiu junto do corréu D... uma dívida de €45.000,00, entendendo que a forma menos gravosa para o seu agregado familiar de pagar essa dívida seria mediante a dação das viaturas.

Por seu turno, o réu D... deduziu contestação, alegando, essencialmente, que: - O réu C..., num contexto de dificuldades em obter crédito na Venezuela, pediu-lhe dinheiro emprestado que se comprometeu a pagar em Portugal.

- Acordaram que a dívida se deveria quantificar em €45.000,00.

- Nessa medida, e por falta de liquidez, o réu C... comprometeu-se a pagar-lhe mediante a dação das viaturas, que disse serem suas.

- O negócio foi efetuado no notário, estando o réu D... convencido da licitude do mesmo, tendo atuado sempre de boa-fé.

- Os veículos estão registados em seu nome, sendo que apenas em agosto de 2016 foi a presente ação registada, pelo que tendo a autora conhecimento, pelo menos desde 10 de Novembro de 2015 da celebração do negócio, decorreu já o prazo para que a mesma pudesse invocar e requerer a sua anulabilidade.

A autora respondeu à matéria da invocada exceção de caducidade do direito de ação, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença que julgou “a ação procedente por provada e, em consequência: A. Declar[ou] a anulabilidade do contrato de dação em pagamento celebrado entre os RR. C... e D..., mediante o qual o primeiro transferiu para o segundo a propriedade sobre os veículos automóveis a. Fiat de matrícula HI-..-...

  1. MG de matrícula RO-..-...

  2. Riley de matrícula PT-..-...

  3. Mercedes-Benz de matrícula BC-..-...

    1. Conden[ou] o R. D... a restituir os mesmos veículos à autora e R. C....

    2. Declar[ou] reconhecido o direito de propriedade da autora e do R. C... sobre os mesmos veículos automóveis.

    3. Ordenou o cancelamento dos registos de aquisição de propriedade dos referidos veículos em nome de D..., sendo a. Quanto ao Fiat de matrícula HI-..-.., o registo de propriedade nº ....., efetuado em 24.8.2015.

  4. Quanto ao MG de matrícula RO-..-.., o registo de propriedade nº ....., efetuado em 24.8.2015.

  5. Quanto ao Riley de matrícula PT-..-.., o registo de propriedade nº ....., efetuado em 24.8.2015.

  6. Quanto ao Mercedes-Benz de matrícula BC-..-.., o registo de propriedade nº ....., efetuado em 24.8.2015”.

    Não se conformando com o assim decidido, veio o réu C... interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: 1ª – O apelante considera incorretamente julgado o ponto 12 dos factos provados: «12º - A autora teve conhecimento do contrato referido em 11 em 10.11.2015».

    1. – Esse facto foi considerado provado com base nas declarações de parte da autora e identificados na parte expositiva das alegações que se considera reproduzida.

    2. – As declarações de parte devem sempre ser valoradas enquanto declarações de parte, isto é, como alguém interessado no resultado da ação e que não pode constituir confissão.

    3. – Mesmo das declarações de parte da autora resulta que a mesma podia ter tomado conhecimento da dação em pagamento dos veículos na primeira quinzena do mês de Setembro de 2015, como resulta das suas declarações gravadas no sistema integrado de gravação digital em 05.04.2017 ao minuto 12.

    4. – A testemunha F..., no seu depoimento, (gravação de 05.04.2017 minuto 04:12) referiu que, no início de Setembro de 2015 a autora teve conhecimento da retirada dos veículos da casa de morada de família, conforme transcrição na parte expositiva para onde remete.

    5. – A testemunha E..., no seu depoimento (gravação de 05.04.2017 ao minuto 06:00) referiu que a autora teve conhecimento no princípio de Setembro, de que os veículos tinham saído de casa, conforme transcrição na parte expositiva para onde se remete.

    6. – Consta do ponto 15º dos factos provados que os veículos referidos foram registados na Conservatória do Registo Automóvel a favor do réu D... em 24.08.2015.

    7. – Face ao referido nas conclusões 1ª a 6ª, conclui-se que a autora teve possibilidades de ter conhecimento na primeira quinzena de Setembro de 2015 que os veículos se encontravam registados a favor do 2º réu por lhe terem sido dados em pagamento. Para tal, face à ausência dos veículos da casa de morada de família, bastava-lhe ir à Conservatória e pedir a informação. Aliás, como provado (facto nº 9) as relações entre o casal foram-se degradando nos últimos anos.

    8. – A autora invoca a data de 10.11.2015 apenas com base no facto de, nessa data, lhe terem sido entregues certidões do registo dos veículos com a propriedade registada a favor do 2º réu.

    9. – Quando a lei fala no prazo a contar da data do conhecimento de um facto, quer abranger os casos em que a pessoa podia ter tido conhecimento desse facto e, se não teve, tal só a ela pode ser imputado. A autora, face às relações já conflituosas existentes entre o casal, ao facto de, em 20.08.2015, todos os veículos terem sido retirados da garagem da casa onde sempre estiveram e ainda ao facto de, a partir de 24.08.2015 os veículos estarem registados a favor do 2º réu, permitem concluir que a autora, mesmo que não soubesse (o que só se admite por hipótese de raciocínio) teve possibilidades de saber da cessão na primeira quinzena de Setembro de 2015.

    10. – Assim, o facto constante do ponto 12º devia ter sido provado nos seguintes termos: A autora teve conhecimento do contrato referido em 11 na primeira quinzena do mês de Setembro de 2015.

    11. – Tendo a ação dado entrada em 09.05.2016, já havia decorrido o período de seis meses. E não foi imputado ao contrato outro fundamento de invalidade.

    12. – A exceção de caducidade devia ter sido julgada procedente.

    13. – Sem conceder, entende o apelante que a douta sentença recorrida deve ser alterada.

    14. – Nos termos do nº 3 do artº 1678º do C.C. cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de atos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal.

    15. – O apelante tinha contraído uma dívida que era uma dívida comum do casal.

    16. – A dação em pagamento foi feita para pagar essa dívida comum, tendo a mesma deixado de constar do passivo do casal.

    17. – Esse ato deve ser considerado um ato de gestão normal da economia familiar.

    18. – Não foi provado que o valor dos veículos era superior ao da dívida, nem foi imputado ao ato qualquer outro vício que afetasse a sua validade.

    19. – Mesmo que a douta sentença tivesse considerado que a dação em pagamento necessitava do consentimento da autora, devia ter mantido a cessão e ordenar que o valor dos veículos entrasse na partilha dos bens comuns do casal.

    20. – O património comum dos cônjuges é uma comunhão de direitos, em que o contitular tem uma quota ideal sobre esse património como um todo unitário. Nesse sentido, entrando o valor dos veículos na partilha dos bens comuns, esse “todo” não é afetado.

    21. – A douta sentença recorrida não fez correta aplicação e interpretação do disposto nos artºs 1678º, nº 3 e 1687º do Código Civil.

    *Notificada a autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

    *Após os vistos legais cumpre decidir.

    ***II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

    Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões solvendas: . determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto; . da caducidade do direito de ação; . determinar se o ato de alienação dos veículos automóveis que faziam parte do património comum do casal constituído pela autora e 1º réu, que foi levado a cabo por este...

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