Acórdão nº 79/12.2ZRPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução09 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

79/12.2ZRPRT-A.P1 Origem: Comarca do Porto, Matosinhos – Juízo Inst. Criminal – Juiz 1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I – Nos autos de inquérito de que o presente recurso foi extraído, requereu o Ministério Público – renovando, aliás, despachos/promoções que já anteriormente deduzira e invocando, para tanto, o teor da investigação do SEF apensa aos mesmos autos – a realização de buscas a dois escritórios de advocacia da Dr.ª B...

, situados, respetivamente, em Lisboa e em Cascais, “com busca, pesquisa e apreensão de dados informáticos nos computadores e demais aparelhos eletrónicos aí existentes para recolha de elementos e documentação relevante”, com vista a “apreender todos os documentos em arquivo físico ou digital associados às manifestações de interesse na regularização extraordinária que verte do nº 2 do artigo 88° [da Lei 23/2007, de 4 de julho] em nome de imigrantes ilegais não enquadráveis nesse mecanismo legal”.

Sobre tal promoção, incidiu o seguinte despacho do Ex.mo Juiz de Instrução Criminal (transcrição): «O Digno Magistrado do Ministério Público veio mais uma vez promover a realização de buscas a dois escritórios de advocacia, em Lisboa e em Cascais, “com busca, pesquisa e apreensão de dados informáticos nos computadores e demais aparelhos eletrónicos aí existentes para recolha de elementos e documentação relevante», com o intuito de «apreender todos os documentos em arquivo físico ou digital associados às manifestações de interesse na regularização extraordinária que verte do nº 2 do artigo 88° [da Lei 23/2007, de 4 de julho] em nome de imigrantes ilegais não enquadráveis nesse mecanismo legal”.

O requerente especifica, como documentos com interesse para a prova, “cópias de documentos de viagem, notas referentes às circunstâncias migratórias individuais, documentos comprovativos da entrada em território nacional e documentos decorrentes das subordinações laborais declaradas”.

Pretende o Ministério Público, com essas diligências, “dimensionar de forma concreta o número de cidadãos estrangeiros que usufruíram desta conduta ilícita, apurar o respetivo ‘modus operandi’ e acautelar a apreensão de demais provas relevantes”. Alegadamente, “estes documentos poderão estabelecer cabalmente nos autos que a advogada (...) tinha conhecimento das circunstâncias específicas reais de cada imigrante ilegal – a exata data de entrada em território português, o real país de origem e a existência ou inexistência, de prova da entrada legal – e que, por sua iniciativa, promoveu registos "criativos" que iludiram a plataforma informática e evitaram os pareceres negativos automáticos e as consequentes determinações para abandono de território português”.

Pretende ainda o Ministério Público apreender «anotações que permitam inferir um eventual agrupamento de imigrantes ilegais por entidade patronal e registos contabilísticos informais decorrentes dos serviços prestados. A existirem, estes documentos permitirão definir o papel da advogada no recrutamento destes trabalhadores estrangeiros e dimensionar as vantagens ilícitas auferidas”.

Segundo o requerente, “Renova assim o Ministério Público os despachos/promoções de fls. 116 a 118, 164, 200 e 235, quanto às aí promovidas buscas e pesquisas informáticas nos escritórios de advocacia da Drª B...”.

Invoca, para fundamentar o seu pedido de buscas aos dois escritórios, o teor da investigação do SEF apensa por linha aos presentes autos e constante de dois volumes com 629 páginas.

Cumpre-nos apreciar: Este é o terceiro pedido de buscas aos escritórios de advocacia identificados nos autos, subsequente aos nossos despachos, datados de 2/05/2017 e 2/06/2017, a fls. 230, 231 e 238, que indeferiram os dois primeiros pedidos de busca.

Com todo o respeito por diferente entendimento, o Ministério Público continua a não fundamentar, à luz de critérios de adequação e proporcionalidade, a necessidade das buscas aos dois escritórios de advocacia.

Nos termos do artigo 178º, nº 1, do Código de Processo Penal, “são apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova”.

O Ministério Público pretende apreender elementos de prova relativos aos crimes de “auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 183º da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, revista e republicada pela Lei nº 29/2012, de 9 de agosto, e de falsidade informática, previsto e punido no artigo 3º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro”.

De acordo com o disposto no artigo 174º, nº 2, do Código de Processo Penal, a busca só deve ser ordenada quando houver indícios de que os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontrem em local reservado ou não livremente acessível ao público.

O artigo 183° da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, tipifica o crime de auxílio à emigração ilegal do seguinte modo: “1 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegal de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até três anos.

2 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegal de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

3 - Se os factos forem praticados mediante transporte ou manutenção do cidadão estrangeiro em condições desumanas ou degradantes ou pondo em perigo a sua vida ou causando-lhe ofensa grave à integridade física ou a morte, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

4 - A tentativa é punível.” Manifestamente, não existem indícios da prática, pela advogada visada, dos factos aludidos supra nos nºs 1 ou 3, assim como não há indícios de que a mesma tenha favorecido a entrada ou o trânsito ilegal de cidadãos estrangeiros em Portugal.

O Ministério Público pretende perseguir criminalmente a advogada por favorecer ou facilitar a permanência daqueles estrangeiros com intenção lucrativa, sugerindo que a visada teria conseguido evitar “pareceres negativos automáticos” e as consequentes “determinações para abandono de território português”, ao apresentar no portal do SEF as manifestações de interesse nos termos do artigo 88°, nº 2, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho.

Em suporte a essa sua pretensão, o Ministério Público invoca o teor do auto informativo de fls. 500 a 505, que não tem valor normativo e não vincula o tribunal criminal se não se mostrar devida e legalmente fundamentado.

De facto, afigura-se-nos extremamente difícil a demonstração de que a simples apresentação, no portal do SEF, de uma "manifestação de interesse" em nome e representação de um estrangeiro, nos termos do artigo 88°, nº 2, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, possa constituir o seu apresentante em responsabilidade penal pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, considerando nomeadamente o direito de petição consagrado no artigo 52°, nº 1, da Constituição da República.

Representativo daquela dificuldade é um entendimento possível, relativamente aos efeitos jurídicos do registo daquela manifestação de interesse, expresso no parecer apresentado pelo Ministério Público no processo 242/12.6BEBRG e reproduzido a fls. 12 a 16 do Apenso A: “O requerimento apresentado (…) face ao regime legal plasmado no nº 2 [do artigo 88°] da Lei 23/07, de 4 de julho, só pode ser entendido como uma simples manifestação de interesse e não como um requerimento que tem a virtualidade de dar início ao procedimento, que é oficioso, e, portanto, não depende da iniciativa de quem não tem legitimidade para o iniciar no âmbito do citado artigo 88°, nº 2.

(…) Assim, os atos praticados e aqui em causa, não configuram uma verdadeira decisão de indeferimento, que tivesse sido proferida no âmbito de um qualquer procedimento administrativo, o qual, reforça-se, nem sequer teve início. Antes configurando-se, tão-somente, como uma mera informação ao interessado, prestada na sequência da exposição por ele apresentada, de natureza e em âmbito pré procedimental, a dar-lhe conta de que, após análise da sua exposição, a situação nela relatada não pode ser submetida naquele regime excecional, não sendo objeto de apreciação, de acordo com o previsto no nº 2 do artigo 88° da Lei 23/07, de 4 de julho. Assim, o ato impugnado pelo Recorrente não pode ser qualificado como ato administrativo, enquanto ato decisório, para efeitos do artigo 120° do C.P.T.A, e, concomitantemente, do nº 1 do artigo 51° do C.P.T.A., não sendo assim judicialmente sindicável. Com efeito, a informação prestada não consubstancia um verdadeiro ato administrativo, enquanto ato decisório proferido ao abrigo de normas de direito público e juridicamente conformador de uma situação individual e concreta suscetível de ter eficácia externa e de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos e de ser suscetível de impugnação.

O mesmo se diga relativamente à notificação para abandono voluntário de território nacional, efetuada por referência ao disposto no artigo 138° da Lei 23/2007, de 4 de julho, que não constitui igualmente ato administrativo. Com efeito, a notificação proferida nos termos do artigo 138° da Lei 23/2007, de 4 de julho, constitui um mero convite para abandonar voluntariamente o país e, assim, se evitar a instauração de um processo de expulsão administrativa, sendo, nestes casos, tal notificação (...) autónoma e independentemente de qualquer processo. E o incumprimento (não abandono voluntário) pelo notificado não é suscetível de determinar qualquer forma de execução, precisamente porque não consubstancia uma decisão/estatuição autoritária com eficácia externa. Trata-se de um ato pré-procedimental que poderá conduzir, ou não, à instauração de um procedimento para eventual expulsão.” Tendo o Ministério Público esta...

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