Acórdão nº 038/15 de Tribunal dos Conflitos, 03 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | MELO LIMA |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Tribunal dos Conflitos |
Conflito Negativo de Jurisdição Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos: I RELATÓRIO 1. MASSA INSOLVENTE DE A……………., LDA instaurou, na Instância Local Secção Cível da Guarda, e por apenso ao Processo nº 919/12.6TBGRD, do 2º Juízo do Tribunal da Guarda, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o MUNICIPIO DA GUARDA, pedindo: a) Se declare resolvido o contrato de arrendamento e promessa de compra e venda, outorgado em 23 de dezembro de 2010, entre o Município da Guarda e a Sociedade ora Insolvente, A……………, Lda.; b) A condenação do Município da Guarda a pagar à A., a título de rendas vencidas e não pagas, a quantia de € 946.000,00; c) A condenação do Município da Guarda a pagar à A. os valores de rendas que se vierem a vencer até trânsito em julgado da presente cisão; d) A condenação do R. em custas, procuradoria e demais encargos legais.
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Alegou, em síntese: 2.1 Em 28.08.2009, celebrou com o R. um contrato de arrendamento dos 2º e 3º Pisos do prédio urbano, sito na Rua ………….., conhecido por “Edifício ……….”, inscrito na matriz predial da freguesia da …… (Guarda) sob o artigo 839 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº 1012 da mesma freguesia, no qual as partes acordaram que no primeiro ano de contrato a renda seria de € 2.000 e a partir da vigência do primeiro ano de contrato, caso o R. não exercesse o direito de opção de compra, a renda seria de € 25.000; 2.2 Em 23.12.2010, celebrou com o R. um contrato de arrendamento e promessa de compra e venda do referido prédio urbano; 2.3 No contrato celebrado em 2010, as partes acordaram que: · A A. dava de arrendamento ao R. o 2º e o 3º pisos, pagando o R. a renda de € 25.000/mês, no primeiro ano do contrato; · O R. ficava com o direito de optar pela compra do imóvel até 31.12.2010 e · O preço da venda prometida seria de € 1.500.000,00, a pagar até à outorga da escritura pública, ficando tal pagamento dependente do recebimento por parte do R. do preço relativo à venda do edifício do Hotel Turismo da Guarda ao Turismo de Portugal, IP.; 2.4 Em janeiro de 2013, o R. comunicou ao Administrador da Insolvência a sua intenção de efetuar a aquisição do imóvel pelo preço de € 1.400.000,00, o que obteve a anuência da comissão de credores; 2.5 O R. obrigou-se a outorgar a escritura de compra e venda até final do mês de outubro de 2013, o que contou com a concordância da massa insolvente; 2.6 Por carta datada de 30.12.2013, o administrador da insolvência comunicou ao R. que aguardava até 31.01.2014 que fosse comunicada à comissão de credores o dia e hora da outorga da escritura de compra e venda do imóvel ou, em alternativa, que fosse entregue o montante devido a título de rendas.
2.7 O R. não respondeu à carta de 30.12.2013, permanecendo as instalações ocupadas; 2.8 O R. não pagou as rendas desde Maio de 2010, pelo que na data da declaração de insolvência da A., encontravam-se em dívida rendas no valor de € 491.000,00 e 2.9 Em 27.06.2013, o R., através de cheque, pagou € 70.000,00, a título de rendas, ficando em dívida rendas no valor de € 421,000, a que acresce o valor de € 525.000 relativo às rendas não pagas desde julho de 2012 até à data da apresentação da petição inicial.
Ainda no seu articulado inicial, logo a impetrante MASSA INSOLVENTE se pronunciou sobre a determinação da competência jurisdicional, atribuindo-a ao Tribunal Comum, invocando para tanto dois argumentos: i. Aferindo-se, conforme jurisprudência pacífica, o problema da determinação da competência jurisdicional entre duas ordens jurídicas distintas pelo quid disputatum, então a competência é determinada pelo pedido expresso pelo autor, conjugado com os fundamentos fácticos pelo mesmo invocados como elementos constitutivos da formulação do mesmo (causa de pedir); ii. Nos termos do artigo 85º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE] («1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo»), a ação intentada pelo Senhorio/massa insolvente com vista à resolução do contrato e à cobrança das rendas em dívida, deverá correr por apenso ao processo de insolvência.
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O R.
contestou ora impugnando, ora excecionando a incompetência absoluta em razão da matéria dos tribunais judiciais, argumentando, neste particular, que dizendo a ação respeito à responsabilização de pessoa coletiva de direito público por alegada ação lesiva levada a cabo por alegado incumprimento de contrato, a competência para decidir a ação cabe ao foro administrativo, por força do disposto nas alíneas f) e i do artigo 4º do ETAF.
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Na réplica, o A. pronunciou-se pela improcedência da exceção, alegando que a questão sub iudicio nada tem a ver com a interpretação de contratos e de normas de direito administrativo, estando apenas em causa uma ação que o senhorio intentou com vista a resolver o contrato de arrendamento e obter o pagamento das rendas em dívida, pelo que competentes para o seu conhecimento são os tribunais judiciais.
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Em 17.02.2015, a Instância Local, Secção Cível, da Guarda declarou-se materialmente incompetente para a apreciação do litígio e absolveu o R da instância, «sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 99º do CPC», e 6.
Por despacho de 17.03.2015, na apreciação conjugada do pedido de remessa dos autos para o TAF de Castelo Branco, formulado pelo A, e da ausência de oposição por parte do R., aquela Instância Local, Secção Cível, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.
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Aqui, por decisão de 14 de maio de 2015, transitada em julgado, foi declarado que o Tribunal Administrativo era «materialmente incompetente para conhecer das ações intentadas».
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Ao abrigo do disposto nos Artigos 115º, 116º e 117º, todos do Código de Processo Civil (CPC), o Exmo. Procurador-Geral Adjunto requereu, em 11 de setembro de 2015, neste Tribunal dos Conflitos, a resolução do conflito negativo de jurisdição entre O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA — INSTÂNCIA LOCAL — SECÇÃO CÍVEL — J2 (TJCG) e o TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE CASTELO BRANCO (TAFCB).
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Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.
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O thema decidendum reconduz-se a saber e definir qual das jurisdições em confronto — administrativa ou civil comum — é a competente.
II Conhecendo.
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Suscitada uma questão de conflito (in casu, negativo) de competência entre tribunais, impõe-se ter presente, em primeira linha, o ordenamento judiciário que fundamentará o âmbito da discussão e, a final, o sentido da decisão.
1.1 Consabidamente, a lei fundamental consagrou o princípio da pluralidade de jurisdições, ou dizer a existência de diferentes categorias de tribunais sob um critério de repartição de competências de modo que as funções judiciais são atribuídas a vários órgãos enquadrados em jurisdições diferenciadas e independentes entre si.
Dizer, então, que a Constituição da República se, por um lado, dispõe no art. 211º nº 1 que «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais», acrescentando no nº 2 do mesmo dispositivo, que «Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas», dispõe, por outro, no art. 212.°, n.º 3, que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações administrativas e fiscais».
1.2 Já no âmbito da lei ordinária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF] aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 29 de fevereiro, se, num primeiro momento, define numa fórmula ampla que «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (Art. 1º/1), enumera, depois, por mera indicação do objeto (sic, “nomeadamente”), os litígios cuja apreciação lhes compete. [Art. 4º nº1 als. a) a n)] Pari passu, na assunção daquele papel residual dos Tribunais Judiciais decorrente da antedita norma constitucional, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro) [LOFTJ] ora dispõe que «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas...
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