Acórdão nº 020/15 de Tribunal dos Conflitos, 17 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução17 de Setembro de 2015
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito nº. 20/15 I. - Relatório.

Por despacho lavrado no processo nº 4073/09.2TILSB, que havia sido distribuído na 1.ª secção, do 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (actual Comarca de Lisboa - Instância Central - 1.ª Secção do Trabalho), foi decidido que (sic) “A competência dos tribunais, em razão da matéria, é um pressuposto processual que se determina pela “forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos” - cfr. Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág.91.

Assim, a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento de determinada pretensão é aferida a partir da pretensão e dos fundamentos em que a mesma se apoia.

Com a presente acção o autor pretende que o tribunal declare a ilicitude do seu alegado despedimento, argumentando que estava unido ao réu por um verdadeiro contrato de trabalho, pese embora tenha outorgado com este um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, nos termos dos artigos 31.º e 32.º do Dec. Lei n.º 55/95 de 29 de Março (na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 80/96 de 21 de Junho), que entende nulo quanto à estipulação do termo e nulo a partir de 7 de Maio de 2007, com a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 169/2007.

Ora, o réu é, como aliás o autor começa por afirmar, um instituto público, e rege-se por normas jurídicas de direito administrativo.

Assim sendo, tem de se concluir que a apreciação das matérias referentes à interpretação, validade e execução de um contrato submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público (como resulta da alegação do próprio autor) deve ser dirimido pelos Tribunais Administrativos, nos termos dos artigos 1.º n.º 1 e 4,º n.º 3, al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Pelo exposto, entende-se que o Tribunal de Trabalho não é o competente para apreciar a questão em discussão na presente acção.

Nestes termos, e sem necessidade de mais considerandos, julga-se este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção e, em consequência, absolve-se o réu da instância - cfr. artigos 101.º, 102.º e 105. n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil.” Remetido o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, veio a ser prolatada decisão em - cfr. fls. - decisão em que foi julgada a incompetência em razão da matéria com a sequente fundamentação (sic): “Nos termos do disposto no art. 13.º do CPTA, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

Por sua vez o art. 4.º n.º 3 al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais determina que fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.

A questão que aqui se põe é se o contrato que o Autor assinou com o “Complexo de Apoio às Actividades Desportivas”, este posteriormente substituído pelo “Instituto do Desporto de Portugal, IP.” se pode considerar um contrato de trabalho em funções públicas, o que não parece.

Aliás, acerca de uma questão semelhante já se pronunciou o Tribunal de Conflitos, no Acórdão de 3/3/2011, Processo 014/10, Relator Santos Botelho, tendo concluído pela competência dos tribunais de Trabalho, nos termos seguintes: Acordam no Tribunal de Conflitos: “A Autora A... apresentou um procedimento cautelar de impugnação de despedimento/ilícito, junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa, contra a Autoridade da Concorrência, peticionando que fosse declarado ilícito o seu despedimento, com a consequente reintegração no seu posto de trabalho e no pagamento das retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, bem como o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais (cfr. fls. 64/68).

Por decisão, de 4-12-09, o Juiz do 3.º Juízo da 1ª Secção do Tribunal de Trabalho de Lisboa concluiu pela incompetência, em razão da matéria, dos Tribunais de Trabalho, considerando incumbir à jurisdição administrativa a apreciação do litigo em causa, por a relação jurídica a ela subjacente configurar um contrato de trabalho em funções públicas, decisão essa já transitada em julgado (cfr. fls. 7/10).

  1. Por sua vez, o TAC de Lisboa, por decisão de 29-03-10, também já transitada em julgado, julgou-se incompetente em razão da matéria, entendendo ser de competência dos Tribunais de Trabalho a apreciação do respectivo litígio (cfr. fls. 33/49).

  2. Já neste Tribunal de Conflitos o Magistrado do M. Público pronunciou-se no sentido de ser atribuída a competência aos Tribunais de Trabalho, pelas razões que explicita no seu Parecer de fls. 55/56.

  3. Notificada de tal Parecer, a Autora vem pugnar pela competência dos Tribunais Administrativos (cfr. fls. 163/175).

  4. Colhidos os vistos, cumpre decidir, por estarem verificados os necessários pressupostos. Como é uniformemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, a competência material dos tribunais determina-se segundo os termos em que foi proposta a acção, ou, por outras palavras, de acordo com o pedido e a causa de pedir da acção, aferindo-se, assim, pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial.

    Cfr., a título meramente exemplificativo, na doutrina, A. dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 1, p. 147 e Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 90-91, e, na jurisprudência, o Acórdão deste Tribunal de Conflitos nº 21/10, de 25-11-10.

    Ora, como resulta da factualidade fixada na decisão do TAC de Lisboa, a Autora celebrou um contrato de trabalho com a Autoridade da Concorrência, estatuindo-se na 13ª cláusula do dito contrato que o mesmo está sujeito à legislação geral de trabalho, nomeadamente ao Código de Trabalho e aos Regulamentos em vigor na dita Autoridade (vide, fls.36-39 e 115-119).

    Por outro lado, tendo a Autora sido admitida ao serviço em 4-5-09, a Autoridade da Concorrência viria a denunciar tal contrato, por deliberação de 7-10-09, sendo que, de acordo com o ponto 1. da cláusula 5ª do aludido contrato, o período experimental era de 180 dias.

    Temos, assim, que o contrato em que radica a relação jurídica controvertida é regulado por normas de direito privado, designadamente, o Código de Trabalho, estando a Autora vinculada à Ré através do regime de contrato individual de trabalho, sendo esse contrato o fundamento da pretensão formulada pela Autora de ver reconhecidas as posições subjectivas que invoca, destarte se tornando evidente que não estamos perante uma relação jurídica administrativa, não estando, aqui, em questão, um litígio emergente de um contrato de trabalho em funções públicas, e, isto, pelas razões que se explicitam na decisão do TAC de Lisboa de 29-03-10, já que, em suma, no que toca ao período experimental (artigos 73º da Lei 59/2008, de 11-09 e 12.º da Lei 12-A/2008, de 27-2), e, no concernente à matéria da cessação do contrato de trabalho, inexistia para a Ré no ano de 2009 qualquer obrigação legal de convergência com o regime instituído na dita Lei nº 12-A/2008, de 27-2 (cfr. o artigo 23º da Lei nº 64-A/2008), daí que o reconhecimento dos direitos emergentes de tal contrato, que a Autora pretende fazer valer em juízo, incumba aos tribunais judiciais, mais propriamente aos tribunais de trabalho, nos termos do artigo 85º, alínea b), da L.O.F.T.J. e alínea d), do nº 3, do artigo 4º do ETAF, como, de resto, se decidiu no TAC de Lisboa.

    Nestes termos, decide-se declarar que incumbe aos Tribunais de Trabalho a competência para apreciar a pretensão formulada pela autora.” - Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 3 de Março de 2011, relatado pelo Conselheiro Santos Botelho.

    No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27/02/2014, proferido no Processo n.-º 055/13, Relator Souto de Moura, atribuindo ao Tribunal de Trabalho do Porto, da jurisdição comum, competência para o conhecimento da questão controvertida nesse processo, tendo sido pedida a declaração de nulidade dos contratos de utilização celebrados entre as várias empresas de trabalho temporário e o demandado “Instituto Português de Sangue, IP.”, e ainda que todos os M fossem reconhecidos como trabalhadores do Instituto demandado em regime de contrato de trabalho sem termo e que fosse declarada a ilicitude dos seus despedimentos, com todas as consequências (...).

    Também no caso dos autos, considerando que as normas que regulam a relação contratual entre o Autor e a Entidade Demandada são privatísticas e reguladas pelo Direito Privado, e na esteira dos Doutos citados Acórdãos, deve o litígio ser apreciado pelos tribunais comuns e não pelos administrativos.

    Nos termos do art. 14.º n.º 2 CPTA “quando a petição seja dirigida ao tribunal competente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo”.

    Não obsta a que seja proferida decisão de incompetência absoluta do tribunal administrativo a decisão de fls. 129 a 131, atento o disposto no art. 100.º do CPC (redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).” Interposto recurso desta decisão, veio o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 15 de Janeiro de 2015, a negar provimento ao recurso.

    Suscitado o conflito de competência - cfr. despacho de fls. 225 e remetido o processo a este Tribunal de Conflitos, o Digno Magistrado do Ministério Público, em douto parecer pugna pela atribuição de competência para conhecimento do litígio o tribunal de Trabalho de Lisboa. [Queda transcrito o parecer elaborado pelo Ministério Público.

    “Em acção administrativa comum sob a forma...

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