Acórdão nº 023/17 de Tribunal dos Conflitos, 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorTribunal dos Conflitos

ACORDAM NO TRIBUNAL DOS CONFLITOS I. Relatório 1.

A……………., S.A., Sucursal em Portugal, intentou ação declarativa de condenação contra a Região Autónoma da Madeira, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 32.397.527,67, sendo € 30.000.000,00 a título de capital, € 301.368,67 a título de juros vencidos e € 2.096.159,00 de lucros cessantes, calculados nos termos da cláusula 12a do contrato de mútuo junto aos autos, acrescidos de despesas e custos com honorários de advogados.

Para o efeito, alegou em síntese: Entre as partes foi celebrado um contrato de financiamento pelo valor de € 30.000.000,00, pelo prazo de 6 anos, a contar da data de disponibilização, que teve lugar em 5 de agosto de 2010, tendo sido estabelecida na cláusula 16a as condições de exigibilidade antecipada da quantia mutuada.

Na sequência da celebração do contrato verificou-se um agravamento considerável da situação económica da mutuária que determinou o vencimento dum empréstimo obrigacionista garantido pela ré e desencadeou uma situação de "cross default" (No artigo 154.° da petição inicial esclarece-se: "Conforme explica Soares Veiga, nas cláusulas de «cross default» "estabelecem-se obrigações que o devedor assume perante o banco quanto à operação concreta pactuada. Mas, para além dessas obrigações, diretamente relacionadas com a operação contratada, as partes (banco e cliente) pactuam que o incumprimento de obrigações assumidas pelo cliente em relação a outras operações, pactuadas ou não com o mesmo banco, implicarão o vencimento antecipado das obrigações contratadas com o banco na operação em causa. No fundo, o banco concede um crédito a um seu cliente envolvido em outras operações, na persuasão de que o cliente irá pontualmente honrar tais compromissos, o que, a não se verificar, poderá criar uma situação de incumprimento generalizado, que pode conduzir até a uma situação falimentar" Cfr. Vasco Soares da Veiga, Direito Bancário, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Livraria AImedina, Coimbra, 1997, p.377." ) prevista na cláusula 16.1.4 do contrato de financiamento celebrado com a autora.

Por outro lado, o agravamento do endividamento da ré também é causa de vencimento antecipado, nos termos da cláusula 16.1.6, havendo um risco efetivo da autora não ver satisfeito o seu crédito.

Em consequência, a autora decidiu acionar a cláusula de vencimento do empréstimo e exigir o pagamento antecipado da quantia mutuada, a que acrescem juros e despesas.

  1. A ré contestou sem se pronunciar sobre a competência do tribunal para julgar a presente ação, pugnando pela improcedência da mesma.

  2. Na audiência prévia as partes foram convidadas a pronunciar-se sobre a questão da competência em razão da matéria do tribunal cível para julgar a presente ação.

  3. Ambas as partes apresentaram alegações por escrito, concluindo pela competência do Tribunal Cível.

  4. Foi proferido despacho, com o seguinte teor na sua parte decisória: «Por todo o exposto, julgamos o Tribunal Cível incompetente em razão da matéria para julgar a presente ação, absolvendo a ré da instância (art.s 96.° al. a), 99.°, 278.° n.º 1 al. a), 577° al. a) do Código de Processo Civil)».

  5. Inconformada, a autora recorreu para o Tribunal da Relação que decidiu julgar improcedente a apelação mantendo o despacho recorrido.

  6. Novamente inconformada com a decisão do tribunal de segunda instância a autora interpôs recurso de fixação definitiva do tribunal competente para o Tribunal de Conflitos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 101.°, n.º 2, do Código de Processo Civil, tendo apresentado as seguintes conclusões, que se sintetizam: A. O Tribunal da Relação de Lisboa não teve em conta o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10, que entrou em vigor em 1/12/2015 e que eliminou a antiga alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF; B. Na sequência desta alteração legislativa deixou de existir norma habilitadora no ETAF que permita atribuir competência aos tribunais administrativos para dirimir o presente litígio, passando a competência a ser dos tribunais judiciais, que têm competência residual; C. Mesmo que se entenda ser aplicável a anterior redação da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF a competência dos tribunais administrativos não deixaria de ser de excluir em virtude da natureza da relação jurídica em causa; D. A presente ação tem como causa de pedir o vencimento antecipado e consequente incumprimento da obrigação de reembolso do empréstimo concedido pela recorrente à recorrida, ao abrigo de um contrato de mútuo, cujo regime substantivo não é diferente de outros contratos de mútuo celebrados entre dois entes privados; E. No caso concreto, as questões controvertidas dizem respeito à aplicação ou não aplicação de três cláusulas do contrato relativas a (i) vencimento antecipado do empréstimo concedido à recorrida em resultado do reembolso antecipado de um outro empréstimo avalizado pela recorrida (cláusula 16.1.4 do contrato), (ii) vencimento antecipado em resultado da degradação acentuada da situação económico-financeira da recorrida (cláusula 16.1.6 do contrato) e (iii) vencimento em resultado do incumprimento da obrigação de informar a recorrente das situações anteriores, em particular a referida em (i); F. Nenhuma destas disposições contratuais nem outras com elas correlacionados, que corporizam a causa de pedir invocada pela recorrente, têm qualquer conexão com aspetos substantivos de direito administrativo; G. A relação material controvertida, tal como delimitada na presente ação, constitui uma relação jurídico-privada, que não é regulada por normas de direito administrativo que relevem para a resolução das questões controvertidas acima mencionadas e que são fundamento do pedido da recorrente; H. O facto de os montantes disponibilizados pelo contrato se destinarem a fazer face às necessidades de financiamento do orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010 e de a recorrida se encontrar sujeita a limites específicos de endividamento ao abrigo das leis das finanças locais não determina a sujeição do contrato ao regime do direito administrativo.

  7. Não foram apresentadas contra-alegações.

  8. O recurso foi admitido e o processo foi remetido ao Tribunal de Conflitos.

  9. Neste Tribunal, o Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido, por caber aos tribunais judiciais a competência material para conhecer da ação.

  10. Nas suas conclusões, a recorrente pugna pela competência dos tribunais judiciais, em detrimento do foro administrativo, invocando fundamentalmente duas razões: - A eliminação da antiga alínea f) do n.º 1 do artigo 4.° do ETAF pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10, que entrou em vigor em 1/12/2015, determinou que a competência para a presente ação seja dos tribunais judiciais que têm competência residual; - A relação material controvertida, tal como...

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