Acórdão nº 05/16 de Tribunal dos Conflitos, 11 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelARMINDO MONTEIRO
Data da Resolução11 de Maio de 2016
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos: Conflito n° 5 /16 A…………, intentou acção declarativa, de condenação, com processo comum, na forma ordinária, no Tribunal Judicial de Matosinhos – Procº 1196/12.4TBMTS, contra o Estado Português, em 23/2/2012, alegando, e no que interessa, que: Desempenhou funções profissionais de bancário, desde 1967, ao longo de 28 anos, sendo admitido no então B…………, e promovido, precedendo prestação de provas, em 1987, à categoria profissional de Sub-gerente e colocado na agência de Vila Nova de Gaia, da então C………….

Em Janeiro de 1989, foi o Autor exonerado das suas funções e alvo de dois processos disciplinares com vista o seu despedimento.

A partir daí, o Autor foi compelido a exercer funções inferiores à sua categoria profissional, tais como transporte de valores, motorista e/ou ajudante de motorista, bem como executou trabalhos de dactilografia, como foi dado como provado pelo Tribunal de Trabalho do Porto, em acção oportunamente intentada pelo Autor (1992) contra a sua entidade patronal.

Desde Janeiro de 1989 até 1995, portanto, cerca de 6 (seis) anos, o Autor esteve completamente desligado das funções de gerência, conforme supra referido.

Em Janeiro de 1995, o Autor foi transferido para a Agência de Matosinhos do então D…………, onde foi colocado, numa cave, sem luz natural, isolado, sem nada para fazer, sem qualquer função definida.

Ao longo daquele período de tempo, a entidade patronal agrediu psicologicamente o Autor (processo de Mobbing), retendo-o na “prateleira”.

Com esse assédio moral reiterado e continuado no tempo – durou anos –, foi ferida a dignidade moral do Autor, Actuação essa da entidade patronal, que culmina com terceiro processo disciplinar (já em 1995), pretendia cortar, como cortou, uma relação laboral que se tinha iniciado em 1967.

O Autor veio a ser despedido pela sua entidade patronal por deliberação de Setembro de 1995., falsamente, por desobediência a ordem de superior hierárquico para que em 8 dias elaborasse “... plano de acção comercial para desenvolvimento das potencialidades identificadas”, e todo o concelho de Matosinhos, ter dado uma entrevista ao programa Praça Pública, da SIC e ter-se envolvido em cena de pancadaria no passeio junto à supra referida agência da C………… em Matosinhos (Av. da ………).

O Autor intentou em 1992 contra a sua entidade patronal e em 1996 acção no Tribunal de Trabalho do Porto para ver declarado ilícito o despedimento de que foi alvo pela sua entidade patronal.

A acção foi julgada procedente, por provada e, em consequência, condenado o Banco Réu a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, bem como a REINTEGRAR O AUTOR NO SEU POSTO E TRABALHO, SEM PREJUÍZO DA SUA CATEGORIA E ANTIGUIDADE O Banco Réu interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto e o A. Recurso subordinado, pelo facto de julgar a sentença nula por omissão de pronúncia quanto à caracterização do despedimento de abusivo (além de ilícito).

O autor já oportunamente interpusera recurso, interlocutório, de agravo pelo facto de considerar de que já caducara a possibilidade de procedimento disciplinar quanto a alguns factos – aqueles ocorridos antes de 26 de Março de 1995, ou seja, com mais de 60 dias da nota de culpa (26 de Maio de 1995).

O Tribunal da Relação do Porto, decidiu dar provimento parcial ao recurso de agravo, na questão da caducidade do exercício da acção disciplinar.

Quanto ao carácter abusivo de despedimento o mesmo Acórdão nada disse, arguindo-o de nulidade, desatendida, com o que ficou claramente definida a matéria de facto dada como provada e a não provada no âmbito do processo judicial em questão.

O Acórdão da Relação do Porto foi objecto de recurso de revista interposto pelo Banco Réu para o STJ.

A lei processual é bem clara ao prescrever que está vedado no recurso de revista ao STJ alterar a matéria de facto provada nas Instâncias.

O Acórdão proferido pelo STJ, alterou a matéria de facto fixada pelas Instâncias, sendo que a referida alteração da matéria de facto conduziu a uma solução diversa da que se obteria caso a alteração da matéria de facto não se tivesse verificado.

O STJ arredou o conceito de justa causa de despedimento, subsistindo a alegada recusa a ordem de superior hierárquico e a entrevista à Sic.

Quanto à caducidade do procedimento disciplinar relativa à alegada recusa de cumprimento de ordem da superiora hierárquica, que o Tribunal da Relação do Porto havia considerado, o STJ “descaducou” o que havia caducado.

E dessa forma conduziu o Acórdão do STJ a uma decisão diferente da que teria sido proferida não fosse essa conduta.

Com esse “equívoco” do STJ, o mesmo analisou uma alegada infracção disciplinar que o Tribunal da Relação do Porto tinha arredado, e levou a uma decisão oposta das Instâncias.

Sem prejuízo dessa questão da caducidade, em que o STJ alega que o Autor não provou (quando o ónus não lhe competia) o que tinha nos autos sido confessado pela entidade patronal, não sendo, portanto, matéria controvertida que carecesse de ser provada, muitíssimo mais grave do que isso, foi a alteração da matéria de facto operada pelo STJ quanto a essa alegada infracção disciplinar.

A fls. 27 do mesmo pode ler-se “Na verdade, foi dado como provado (cfr. alínea U) da matéria de facto) que, contrariamente ao sustentado pelo autor, “não existia qualquer impeditivo para que desenvolvesse o trabalho que lhe foi pedido, uma vez que as tarefas que lhe foram solicitadas se enquadravam no âmbito das funções de subgerente e não implicavam qualquer prévia formação específica, pois só exigiam um «conhecimento genérico dos produtos referenciados, designadamente as suas características e tipo de cliente a que se destinavam», informações que constavam do Manual de Produtos e Serviços existente no Balcão e acessível ao autor» – sic.

O que de facto se provou nas Instâncias é que aquilo que o Acórdão do STJ transcreve e se lê na sua página 27, é o que consta na carta a que se faz alusão, Coisa muito diferente de dizer-se que o que aí se mostra afirmado, se tenha realmente provado.

O que vale por dizer que o STJ alterou, também neste aspecto, a matéria de facto que as Instâncias tinham estabelecido, aspecto que se mostra fortemente influente para se poder concluir, ou não, pela injustificação da recusa com que se houve o autor: afirma ter-se provado matéria que não é coincidente com aquela que as Instâncias tinham dito que se provara.

Com essa alteração da factualidade provada, o STJ conclui pela injustificação e, portanto, dá como verificada a prática de uma infracção disciplinar que as Instâncias tinham arredado, prejudicando gravemente o Autor.

No que se refere à entrevista à SIC também o STJ alterou a matéria de facto fixada nas Instâncias, a saber: No Acórdão proferido pela STJ vem referido que “num meio de comunicação social com a repercussão pública de uma televisão, cuja potencialidade danosa da imagem do Banco réu é incomparavelmente superior à de um jornal diário”, mais vindo referido que “à aludida entrevista televisiva e às consequências danosas que desta última não podiam deixar de resultar para a imagem e prestígio do Banco réu” (o que é bem diferente de estar provado em Juízo terem efectivamente resultado consequências para o prestígio do banco – o que não ficou provado nas Instâncias).

O que significa que o STJ em 2001 considerou as consequências danosas que “não podiam deixar de resultar”, mas por suposição do STJ, ficcionando danos para a imagem e prestígio do Banco., mas não consta da matéria de facto dada como provada (que é aquela que o STJ se devia ter cingido), que tenha havido danos para o prestígio do Banco.

Uma coisa é ter havido a intenção por parte do Recorrente de denegrir a imagem do Banco (tratou-se sim do direito à indignação do Recorrente), outra coisa bem diferente é ter sido provado em Juízo que a entrevista comprovadamente tenha tido consequências para o prestígio do Banco (o que não se provou).

Mais alterou o STJ a matéria de facto quando no Acórdão que proferiu refere “não consta da matéria de facto apurada que o autor tenha sido «emprateleirado», numa cave, com uma secretária sem gavetas e uma cadeira, junto aos quartos de banho da Agência (de Perafita), a partir de 23 de Janeiro de 1995, como se refere no acórdão recorrido, para acentuar a situação de vexame que justificaria o desabafo do autor na aludida entrevista.” Isto é, o STJ insurgindo-se quanto ao que a Relação do Porto considerou provado, considera que isso não ficou provado, ou seja, dá como falso o conteúdo da entrevista que se refere nomeadamente a esse aspecto, pelo que neste ponto o STJ também alterou matéria de facto fixada nas Instâncias.

Um outro aspecto em que o STJ alterou a matéria de facto foi quando considerou o Autor ter efectuado “a revelação pública da identidade de um cliente do Banco”, quando o que ficou provado nas Instâncias é que a identidade do cliente foi revelada pela Jornalista – alínea BB) da especificação.

Também neste ponto o STJ em alterou, como a simples leitura o evidencia, matéria de facto com a consequência de ter imputado ao Autor a violação do sigilo profissional e consequente agravamento do seu comportamento.

A propósito da entrevista, o único quesito que foi considerado provado pelas Instâncias foi o quesito 19° (provado) “o Autor mais não fez do que prestar esclarecimentos que pelo jornalista lhe foram solicitados”, facto que foi absolutamente desvalorizado pelo STJ.

Os factos relatados na entrevista, foram factos que já tinham sido dados como provados em Tribunal, ou seja na primeira acção judicial que o Autor intentara em Tribunal (1992).

Ficou provado – alínea N) da Especificação – que “Naquelas secções o Autor executou transporte de valores, agindo como motorista e/ou ajudante de motorista, bem como também executou trabalhos de dactilografia”.

Na aludida entrevista, e considerado provado na alínea N) da Especificação — cfr. alínea Z) da Especificação quanto ao...

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