Acórdão nº 03/16 de Tribunal dos Conflitos, 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito nº: 03/16 I. Relatório 1.

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ……..

[SCM/…….] demandou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF/S] A…….

e B……….

, identificados nos autos, mediante acção administrativa comum [AAC] sob a forma sumária, pedindo o seguinte: a) Sejam declarados extintos todos os efeitos emergentes da credencial concedida ao primeiro réu; b) Sejam os réus desalojados do fogo concedido, em virtude da falta de pagamento de rendas vencidas; c) Sejam os réus condenados a entregar à autora o fogo totalmente livre e devoluto de pessoas e bens, e em bom estado de conservação; d) Sejam os réus condenados a pagar à autora a quantia total de 1.360,30€, bem como o valor mensal de 22,30€ desde a data da entrega da petição inicial até à data em que seja proferida a sentença, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, a contar da citação; e) Sejam os réus condenados a pagar à autora o montante devido a título de indemnização pela ocupação de pessoas e bens após a declaração de extinção dos efeitos da credencial provisória concedida até entrega do fogo; f) Sejam os réus condenados a pagar as custas e a procuradoria.

  1. A SCM/…..

    , segundo decorre da sua petição inicial, necessita, na sequência de um «Protocolo de Parceria» celebrado com o Município de Cascais [MC] – destinado à regeneração urbana no âmbito do programa integrado de requalificação e inserção de bairros críticos do quadro de referência estratégica nacional - de ver livre e desocupado um andar que havia sido atribuído em meados de 1982 ao réu A……e seu agregado familiar.

    Esse andar, pertencente à autora desde Setembro de 1982, devido a «Protocolo de Cedência» por ela celebrado com a Cruz Vermelha Portuguesa [CVP], faz parte de um conjunto de 60 fogos construídos e destinados a realojar pessoas pobres que então ainda residissem no Vale do Jamor, «segundo o regime constante do DL nº797/76 de 06.11».

    No âmbito desse processo de atribuição de habitações sociais, o andar aqui em causa foi atribuído ao réu A……… e seu agregado familiar, mediante credencial provisória emitida ainda pela CVP e o pagamento da renda mensal de 4.470$00 pelo ocupante, e com a informação de que iria ser celebrado, posteriormente, um contrato de arrendamento, o que, no caso, nunca aconteceu.

    É com base na natureza precária, diz, do referido título de ocupação, e na falta de pagamento da prestação devida pelo réu desde Janeiro de 2008, que a ora autora deduz os pedidos já elencados, por entender que os efeitos da referida credencial provisória se extinguiram por se ter deixado de verificar a «condição essencial» da manutenção dessa licença de ocupação, ou seja, o pagamento da renda.

  2. Por decisão datada de 20.03.2014, o TAF/S julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecimento da lide, por entender que a mesma pertenceria à jurisdição comum [folhas 82 a 90 dos autos].

  3. Remetidos que lhe foram os autos, o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais – Instância Local – Secção Cível, J1 - declarou-se, também, materialmente incompetente, por entender que o são os tribunais da jurisdição administrativa [folhas 101 a 110 dos autos].

  4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido deste conflito de jurisdição ser resolvido com a atribuição da competência material para o litígio «aos tribunais da jurisdição administrativa» [folhas 101 a 104 destes autos].

  5. Colhidos que foram os «vistos» legais, importa apreciar, e decidir, o conflito negativo de jurisdição.

    1. Apreciação 1. A questão colocada a este Tribunal de Conflitos reconduz-se apenas a definir se a «competência em razão da matéria» para a apreciação do litígio vertido na acção declarativa de condenação aqui em causa cabe aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa.

    O tribunal da jurisdição administrativa que sobre essa questão se pronunciou, o TAF/S, arredou de si tal competência por entender, e fundamentalmente, que «não existe nos autos sinal de qualquer relação jurídica administrativa, em que a autora se mostre no exercício de prerrogativas de autoridade ou jus imperii».

    O tribunal da jurisdição comum entendeu, por sua vez, que estamos no quadro da «habitação social, sujeita a regime único de atribuição, independentemente da entidade proprietária ou administradora dos fogos [DL nº797/76, de 06.11]», e que o «fundamento da obrigação cujo reconhecimento vem peticionado se reconduz à existência de um acto administrativo de atribuição de um fogo e à subsequente obrigação de pagamento de renda, no âmbito de uma relação contratual com a administração». E enquadrou a «competência da jurisdição administrativa» na hipótese legal do artigo 4º, nº1 alínea f), do ETAF.

  6. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo [artigo 202º da CRP], sendo que cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211º, nº1, da CRP; 64º do CPC; e actual 40º, nº1, da Lei nº62/2013, de 26.08], e aos tribunais administrativos a competência para julgar as causas «emergentes de relações jurídicas administrativas» [artigos 212, nº3...

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