Acórdão nº 056/17 de Tribunal dos Conflitos, 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito n.º 56/17.

Acordam no Tribunal dos Conflitos: A………… intentou no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra 1º B………., bancário; 2º BANCO ESPÍRITO SANTO S.A. NIPC 500 852 367, com sede social na rua Barata Salgueiro, nº 28 – 6º, 1250 - 044 Lisboa; 3º NOVO BANCO S.A., NIPC 513 204 016, com sede social na Avª da Liberdade, nº 195, 1250-142 Lisboa e 4º FUNDO DE RESOLUÇÃO, pessoa coletiva de direito público com sede na Avª da República, 57, 2º, 1050-189 Lisboa, formulando contra os mesmos os seguintes pedidos: «Termos em que deverá a presente ação vir a ser considerada procedente, por provada e em consequência, serem os R.R. condenados, em regime de solidariedade, a pagar à A. a quantia de 30.500,00 € (trinta mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde 27/09/2012 que nesta data - 20/11/2015 - se cifram em 3.840,49 €, assim como os juros vincendos, todos à taxa legal de 4% ao ano, até integral e efetivo pagamento, e condenados ainda no pagamento da quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais».

Os Réus contestaram a ação instaurada, suscitando o Fundo de Resolução, para além do mais, a incompetência material dos Tribunais Judiciais para conhecer da presente ação na parte que lhe diz respeito.

A ação prosseguiu seus termos e por despacho de 14 de dezembro de 2016, o Juiz da Comarca da Guarda conheceu da sua competência para os termos subsequentes do processo, declarando-se materialmente incompetente e julgando competentes os Tribunais, da Jurisdição Administrativa, nos termos e com os fundamentos seguintes: «2.) Da incompetência material dos tribunais cíveis De acordo com o artigo 211, nº1 da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

O artigo 64° do Código de Processo Civil determina que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".

O caráter residual da competência dos tribunais comuns resulta ainda do art.º 18°, nº 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (L.O.F.T.J), aprovada pela Lei n° 3/99, de 13 de janeiro, quando estabelece: "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional". Esta lei foi alterada pela Lei n° 52/2008 de 28/08 cujo art.º 26º, embora com redação algo distinta, diz o mesmo.

Atualmente, o art.° 80.º n° 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário - Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto - diz igualmente que "compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais".

De acordo com o art.º 212°, n° 3 da Lei Fundamental, que delimita o campo de intervenção jurisdicional dos tribunais administrativos, estes têm por objetivo a resolução de litígios de natureza administrativa e fiscal.

O art.° 1º n° 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de fevereiro, que "os tribunais da jurisdição administrativa são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".

A relação jurídico-administrativa pode ser definida, seguindo-se a doutrina, como aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido". Por regra, à jurisdição administrativa só interessam as relações administrativas públicas, as reguladas por normas de direito administrativo, aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, atue na veste de autoridade pública, munido de um poder de imperium, com vista à realização do interesse público legalmente definido.

No regime legislativo anterior à entrada em vigor do atual ETAF, aprovado pela Lei n° 13/2002, de 19 de fevereiro a qualificação dos atos praticados pelos titulares de órgãos ou agentes de uma pessoa coletiva pública, (de gestão pública ou de gestão privada) constituía o critério basilar para a delimitação do âmbito de atuação (competência) das duas ordens de jurisdição (tribunais administrativos/tribunais comuns). Enquanto que nos atos de gestão pública há normas que conferem poderes de autoridade para a prossecução de interesses públicos, disciplinam o seu exercício ou organizam os meios necessários para esse efeito, os atos de gestão privada surgem no âmbito da atividade desenvolvida pela Administração no exercício da sua capacidade de direito privado, procedendo como qualquer outra pessoa no uso das faculdades conferidas por esse direito, estando submetidos às regras de direito civil ou comercial. Nas atividades de gestão pública reflete-se o poder de soberania ou o ius imperium próprio da pessoa coletiva pública e em cujo regime jurídico transparece, consequentemente, o nexo de subordinação existente entre os sujeitos da relação, característico do direito público.

Mas sobretudo, o que define um ato de gestão pública é que a atividade levada a cabo pela entidade pública ou equiparada se destine a realizar um fim típico ou específico dele.

Ora, com a redação introduzida pela Lei nº 59/2008, de 11/09, alterou-se o entendimento acerca do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, delimitado no art.° 4º do ETAF, que dispõe: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos (dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por pessoas coletivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que diretamente resulte da invalidade do ato administrativo no qual se fundou a respetiva celebração; c) Fiscalização da legalidade de atos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos; e) Questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público; g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa; h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos; i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público; j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir; l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra ordenacional; m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal; n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal.

2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade." Não temos dúvida de que o legislador, com a supra referida alteração legislativa, quis alargar a competência dos tribunais administrativos, nomeadamente quando possa estar em causa a responsabilidade extracontratual das entidades públicas.

Ora, no caso dos autos, lendo e relendo os articulados, entendemos que a competência para a decidir caberá aos tribunais administrativos.

Não apenas pela qualidade de um dos Réus, mas, sobretudo, pela forma como é configurada a ação, definida pelo pedido e causa de pedir, isto é, com os objetivos prosseguidos pela ação.

É demandado, em solidariedade com os demais, o Fundo de Resolução, que é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia financeira que funciona junto do Banco de Portugal - art.º 153º do RGICSF.

Regendo-se por normas de direito administrativo, foi criado para possibilitar ao Governo Português aplicar medidas de resolução em instituições sujeitas ao Banco de Portugal...

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