Acórdão nº 177/10.7TTBJA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução19 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. Nos Autos epigrafados, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e responsáveis as co-RR. «BB, S.A.

    » e «CC, Ld.ª», entidades seguradora e patronal, respectivamente, todos devidamente identificados, frustrada a tentativa de conciliação, apresentou-se P.I. em que se pediu a condenação destas no pagamento, além do mais, da pensão anual e vitalícia no valor de € 10.785,14, acrescida de 10% da retribuição auferida por cada pessoa a cargo do A., de todas as despesas efectuadas por causa do acidente e de uma indemnização por danos não patrimoniais, tudo nos valores discriminados.

    O A. alegou para o efeito, em síntese útil, que: - Foi vítima de um acidente de trabalho a 6 de Agosto de 2010, quando trabalhava para a 2.ª R. como condutor-manobrador, durante o tempo e no local de trabalho; - O acidente consistiu em ter sido atropelado ao efectuar o atravessamento da via intermunicipal L3, na …, por ter ido comprar uma garrafa de água fresca, uma vez que estava com sede devido a trabalhar debaixo de sol intenso; - Usou todas as cautelas no atravessamento da via, mas ainda assim foi atropelado por um veículo ligeiro de passageiros, num local onde era proibido conduzir a mais de 50 kms./hora e onde se encontrava um agente da GNR para orientar o transito, tendo este dado ordem de paragem para que o A. atravessasse; - O acidente ocorreu assim por excesso de velocidade e imperícia da condutora e também porque a R. patronal não procedeu a qualquer instalação de sistema de água potável, nem assegurou o seu fornecimento aos trabalhadores da obra, pelo que não havia outra alternativa que não fosse a de se deslocar à bomba de gasolina para adquiri-‑la; - Aduz ainda que a R. patronal não colocou qualquer tipo de gradeamento na obra que impedisse o atravessamento da via, o que só aconteceu depois do acidente sofrido pelo A.

    As co-RR. contestaram.

    Condensada, instruída e julgada a causa, proferiu-se sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal julga como parcialmente improcedente a presente acção, por apenas parcialmente provada, e condena: A- Ambas as rés a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho.

    B- Absolve as rés dos demais pedidos formulados pelo autor porque o acidente se encontra descaracterizado e é insusceptível de ser reparado como acidente de trabalho.

    C- Absolve a ré seguradora do pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social IP de Beja, por se tratar de acidente não reparável.

    D- Determinar a cessação imediata do pagamento da pensão provisória determinada nos autos, uma vez que se encontram infirmados os pressupostos da sua atribuição – artigo 122.º, n.º 1, ‘in fine’, do Código do Processo do Trabalho.

    Sem custas, uma vez que as mesmas correm pelo autor, que beneficia do pedido de apoio judiciário e o pedido de reembolso do IPSS é obrigatório e dependente do pedido efectuado pelo autor – artigo 446.º e seguintes do Código do Processo Civil.

    Os encargos serão suportados pelo Instituto, tendo em conta o estabelecido no Regulamento das Custas Processuais.

    Valor da acção: o previsto no artigo 120.º do Código do Processo do Trabalho.

    Notifique e registe, devendo ser notificado também o FAT.» 2.

    Reagiram o A. e a co-Ré Seguradora. Também o F.A.T. Pelo Acórdão prolatado a fls. 934-955, deliberou-se: A- Julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos, quer pelo autor, AA, quer pelo Fundo de Acidentes de Trabalho.

    B- Julgar procedente o recurso interposto pela ré BB S.A., revogando-se a alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, a parte em que aí se decide condenar «ambas as rés a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho»; C- Alterar a redacção da alínea B) do dispositivo da sentença recorrida retirando-se a expressão “demais” que dela consta; D- Manter, no mais, a sentença recorrida.

    Custas a cargo dos apelantes AA, sem prejuízo, no entanto, do apoio judiciário de que beneficia, bem como do Fundo de Acidentes de Trabalho.

  2. É o A., ainda irresignado, que, vem interpor recurso de revista, alegando e concluindo assim: 1 - Vem interpor o presente recurso limitado às decisões, cita-se: (…) «A - Julgar improcedente o/s recurso/s de apelação interposto/s pelo Autor AA (...); B - Julgar procedente o recurso interposto pela ré BB SA, revogando-se a alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, a parte em que aí se decide condenar «ambas as rés a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho»; 2 - O douto acórdão, no nosso entender, cometeu um erro na interpretação e aplicação do Direito.

    Senão vejamos.

    3 - Não podemos aceitar que o acidente em causa tenha sido gerador de uma situação que levasse à descaracterização de acidente de trabalho.

    4 - No caso do acórdão ora sob recurso ocorreu a descaracterização do acidente de trabalho em resultado de se ter entendido ter o sinistrado agido com negligência grosseira e por violação das regras de segurança impostas pela entidade patronal, o que, em síntese, é posto em causa pelo Recorrente.

    5 - Entende-se que tais factos não são suficientes para concluir pela descaracterização do acidente, por não provar a negligência grosseira e/ou violação das regras de segurança.

    6 - Ficaram provados os factos G), L), H), J), S), T), V), X), BB), CC), JJ), OO) e PP), constantes da sentença e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

    7 - E, salvo sempre melhor opinião, tais factos não confirmam que o acidente em causa, que é simultaneamente de viação e de trabalho, tenha sido causado exclusivamente por negligência grosseira do sinistrado.

    8 - Não se concorda que o acidente/viação/trabalho tenha, efectivamente, ocorrido exclusivamente por culpa do sinistrado, quando, salvo melhor entendimento, não há factos provados suficientes para tal.

    9 - Na verdade, desde logo, não se nos afigura legítimo que o Mm.º Juiz deste processo tenha procedido ao julgamento sumário do próprio acidente/viação! 10 - Dos factos dados por provados no processo não resulta a velocidade certa a que circulava o veículo atropelante; quem/o quê deu causa ao acidente; responsabilidade objectiva.

    11 - Não estando na posse de todos os elementos probatórios para poder julgar o acidente de viação.

    12 - E, por outro lado, entende-se igualmente que não são legítimas as suas conclusões: desde logo porque afastou a possibilidade de a condutora do veículo atropelante ter (como tudo indica) co-responsabilidade na ocorrência do acidente, pois que… 13 - …O excesso de velocidade não se afere, apenas, relativamente aos limites da velocidade permitida: também incorre em excesso de velocidade, de um modo geral, quem não consegue imobilizar o veículo no espaço visível à sua frente! 14 - E, acresce que, salvo melhor entendimento, o critério que utilizou para concluir que a condutora do veículo atropelante não circulava em excesso de velocidade é muito falível, sendo certo que tal velocidade não pode ser controlada no local do acidente.

    15 - Diz o acórdão recorrido, a fls. 38, que "também se provou que no local esta via de trânsito tem uma limitação de velocidade a 50 Km por hora, que entre o local de atropelamento do autor e o local de imobilização do referido veículo mediou uma distância de 8,70 metros, sendo que o tempo estava bom e o piso encontrava-se seco (cfr. as alíneas JJ, LL e OO).

    16 - Concluindo-se no acórdão recorrido que o Autor/Apelante efectuou o atravessamento da via de trânsito de uma forma perfeitamente inopinada para a condutora do veículo atropelante, já que não obstante pela distância percorrida pelo veículo entre o local de atropelamento e o local da sua imobilização se poder concluir que aquele circulava dentro do limite de velocidade permitida para o local – entre os 40 a 50 Km/hora, de acordo com o site simulador de prevenção rodoviária.

    17 - Salvo sempre o devido respeito, o critério supra utilizado para concluir que a condutora do veículo atropelante não circulava em excesso de velocidade é muito falível, relativo, baseando-se na probabilidade que pode dar um simulador de prevenção rodoviária.

    18 - …Prova que teria de ser realizada em sede de audiência de julgamento, que nada diz a respeito.

    19 - Certo é que a velocidade permitida para o local era de 50 Km/hora, circulando em excesso o veículo atropelante.

    20 – Aliás, no testemunho do próprio gerente da Ré ‘C...’ admite-‑se em sede de audiência de julgamento que o veículo atropelante circulava em excesso de velocidade, a cerca de 90 Km/hora… 21 - …Comum na via de trânsito em causa, linha recta e com bom piso, potenciadora de excessos de velocidade pós (!) 50 Km/hora.

    22 - Muito se poderia especular sobre o que terá efectiva e realmente desencadeado o acidente em causa.

    23 - E mesmo que se tenha de entender que o sinistrado agiu negligentemente, certo é que, por um lado, é discutível se o fez com negligência grosseira e, essencialmente, se foi essa conduta que, em exclusivo, determinou o acidente.

    24 - Pelo que, na dúvida, se entende que a Ré seguradora não fez, como era sua obrigação legal, a prova de tal exclusividade.

    25 - O mesmo se diga da infracção às regras de segurança.

    26 - É que se entende que se teria de demonstrar que as infracções às regras de segurança, infringidas pelo sinistrado, são as que lhe foram fixadas pela sua entidade empregadora ou pelo dono da obra.

    27 - Ora, face ao entendimento que ficou fixado na sentença quanto à verificação do verdadeiro acidente de trabalho, entende-se, salvo melhor opinião, que a infracção às regras de segurança impostas no local de trabalho do sinistrado (designadamente, ter pulado as barreiras e ido adquirir água fora da obra), ainda assim, não foi causal do acidente em causa: O QUE CAUSOU O ACIDENTE FOI...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT