Acórdão nº 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução13 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

Por sentença já transitada em julgado, foi declarada, em 21.11.2008, a Insolvência de AA, Lda.

Foram apreendidos para a Massa Insolvente apenas bens imóveis.

Foi instaurado o processo apenso de reclamação de créditos, tendo, no despacho saneador sido reconhecidos e verificados os créditos incluídos na lista apresentada pelo Exmo Administrador cuja titularidade, montantes e demais condições não foram objecto de impugnação.

Prosseguiu esse processo para audiência de julgamento, no que tange à impugnação dos créditos de: - BB; - Herança Aberta por óbito de CC - DD, para apurar dos pressupostos da existência da garantia de direito de retenção, dos créditos invocados, e dos créditos de: - EE; - FF; - GG; e - HH, para apurar os pressupostos da existência do privilégio imobiliário especial sobre determinados imóveis apreendidos para a massa insolvente.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu: - aqueles primeiros créditos gozam da garantia do direito de retenção, tendo sido graduados em primeiro lugar, à frente do crédito hipotecário do credor CII; - os demais créditos beneficiam do privilégio imobiliário especial estabelecido no art. 377º nº 1 b) do C. Trabalho quanto aos imóveis apreendidos para a massa insolvente que constam das verbas 1 a 14 e 28 a 35.

Discordando desta decisão, apelaram os credores CII e JJ, Lda, tendo a Relação, por acórdão unânime, decidido: "B - Em relação ao recurso interposto pela reclamante Caixa II: - Julga-se parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte em que nela se graduam em primeiro lugar os créditos reclamados relativos as verbas nºs 28, 29, 30, 31, 32 e 34, 33 e 35, créditos esses sob os números 2, 14, 22 e 30, titulados por HH, EE, FF e GG; C - Em relação ao recurso interposto por JJ, Lda: - Julga-se procedente o recurso em causa e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte em que nela se graduam em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores reclamados sob os números 2 (EE) 14 (FF); 22 (GG) e 30 (HH)".

Ainda inconformada, a CII pediu revista excepcional, com fundamento no art. 672º nº 1 c) do CPC (oposição de acórdãos quanto à questão do direito de retenção, por existir uma situação de dupla conformidade), defendendo que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que gradue o seu crédito hipotecário em 1º lugar, no que respeita às oito fracções hipotecadas.

Os credores EE, FF, GG e HH interpuseram revista normal, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pedindo que se lhes reconheça o privilégio imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos, mantendo-se o decidido na 1ª instância.

A Formação a que alude o art. 672º nº 3 do CPC não admitiu a revista excepcional pedida pela CII.

Assim, cumpre apreciar aqui apenas o recurso de revista interposto pelos credores EE, FF, GG e HH.

Nesse recurso, foram apresentadas estas conclusões: 1. Os créditos laborais reclamados pelos recorrentes beneficiam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 377.º, n.º 1, aI. b) do Código de Trabalho, aprovado pela lei 99/2003 de 27/08, em vigor à data da declaração de insolvência, sobre os imóveis apreendidos e identificados nos autos.

  1. A conclusão de que os créditos dos recorrentes gozam do aludido privilégio, não contende com a letra, nem o espírito da lei, antes se conformando com ambos, não carecendo que da mesma se faça uma interpretação extensiva, como se considerou no acórdão recorrido.

  2. Com efeito, in casu, no que tange à conexão legalmente exigida entre a actividade laboral dos recorrentes e os imóveis sobre os quais incide o privilégio imobiliário especial que se reclama, a mesma verifica-se de forma clara e inequívoca, quer em termos funcionais, quer em termos naturalísticos.

  3. Isto é, quer se entenda, como vem fazendo a maioria da jurisprudência, que o legislador teve em vista a ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva, sendo apenas necessário que o imóvel em questão esteja afecto à actividade empresarial do devedor/insolvente.

  4. Ou mesmo quando se entenda ser necessária uma ligação material ao imóvel onde o trabalhador prestou efectivamente a sua actividade, considerando que o legislador teve em vista um concreto e individualizado local de trabalho.

  5. Com efeito, ficou provado que os recorrentes exerceram a sua actividade, nos imóveis apreendidos, durante os últimos cinco anos anteriores à declaração de insolvência, de forma consecutiva e ininterrupta, sob as ordens, direcção e fiscalização da insolvente.

  6. Pelo que dúvidas não subsistem que o privilégio imobiliário especial que in casu se pretende ver reconhecido, incide sobre imóveis do empregador nos quais os trabalhadores prestaram a sua actividade, verificando-se a conexão legalmente exigida.

  7. Tendo de entender-se que com o referido preceito legal, o legislador terá pretendido abarcar, em sentido amplo, todos os imóveis da insolvente em que os trabalhadores tenham prestado a sua actividade.

  8. Pois se assim não fosse e o legislador tivesse querido excluir do âmbito de aplicação do privilégio em análise, os imóveis advenientes para as empresas do exercício da sua actividade, teria contemplado expressamente essa exclusão ou dado ao preceito em causa diferente redacção que apontasse claramente nesse sentido.

  9. Não podendo ignorar-se que os imóveis construídos para revenda, constituiriam a fonte de obtenção de novos capitais, de refinanciamento da empresa, e, por isso, o suporte da continuidade do seu ciclo de actividade de construção, sendo, por isso, parte integrante do património afecto à actividade empresarial da insolvente.

  10. A interpretação que sufragamos, é a mais consentânea com a letra e o espírito da lei e aquela que melhor se coaduna com a protecção do direito fundamental dos trabalhadores à sua remuneração e à sua sobrevivência condigna.

  11. Com efeito, interpretação diversa levaria inelutavelmente, na prática, a que a grande maioria dos trabalhadores da construção civil não beneficiasse do referido privilégio imobiliário, o que constituiria uma intolerável discriminação destes trabalhadores, não justificada por qualquer razão válida e legalmente sustentada.

  12. Ao decidir que o crédito dos recorrentes não beneficia do privilégio imobiliário especial contemplado na aI. b) do n.º 1 do art. 377.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27/08, violou o Tribunal recorrido, por deficiente interpretação e aplicação, o referido preceito legal.

  13. Devendo por isso ser revogado o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, subsistindo a sentença da 1ª instância, que reconheceu gozarem os créditos dos recorrentes do aludido privilégio.

  14. A sentença sob recurso é recorrível, atendendo a que a causa tem valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre e a decisão impugnada é totalmente desfavorável aos recorrentes (cfr. art. 629.º, n.º 1 do CPC).

    Termos em que deve ser revogado o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e substituído por outro que reconheça o privilégio creditório imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos e, em consequência, gradue em primeiro lugar os créditos dos aqui recorrentes.

    Contra-alegaram os recorridos JJ, Lda, DD, BB e Herança aberta por óbito de CC e a CII, tendo (com excepção desta) defendido que o recurso não é admissível, nos termos do art. 14º nº 1 do CIRE, por o regime restritivo aí previsto abranger os restantes apensos e incidentes (para além do processo de insolvência e dos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência referidos no preceito).

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    II.

    Questões a resolver: - Admissibilidade do recurso; - Se os créditos reclamados por EE (2), FF (14), GG (22) e HH (30), ex-trabalhadores da insolvente, beneficiam de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos (fracções autónomas de edifícios construídos pela insolvente – verbas 1 a 14 e 28 a 35).

    III.

    Vêm provados os seguintes factos: A) Para a Massa insolvente de “AA Lda”, foram aprendidos entre outros, os seguintes bens imóveis: A1) Fracções AT, AA; BC, J, chão do edifício “...”, sito na Rua .../ Dr. ..., EM …, concelho de ..., descrito na CRP de ..., actual e respectivamente sob as fichas n.º …./…-AT, …/…-AA, …/…-BC, …/…-J.

    A2) Fracção C do edifício “...”, sito na Rua .../ Dr. ..., Em ...,, concelho de ..., descrito na CRP de ..., actualmente sob a ficha n.º …/…- C.

    A3) Fracção E do edifício “...”, sito na Rua .../ Dr. ..., Em ...,, concelho de ..., descrito na CRP de ..., actualmente sob a ficha n.º …/…- E.

    A4) Fracção A espaço comercial para comercio e restauração, correspondente ao res do chão do edifício “...”, sito na Rua .../ Dr. ..., EM ..., concelho de ..., descrito na CRP de ..., actualmente sob a ficha n.º …/…- A, e inscrito na matriz predial sob o n.º … – A B) No, e para o exercício da sua actividade, a Insolvente, “AA Lda, representada por KK, celebrou com BB e BB, uma permuta, de uma parcela de terreno para construção urbana, com 3300 m2, sita no gaveto da Rua do ... com a Rua Dr. …, freguesia de ....

    1. Por aquele acordo, outorgado em 14.9.2000, por escritura publica outorgada no cartório notarial de ..., a insolvente propunha-se a...

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