Acórdão nº 32/11.3TAVRS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 30.4.2014 do tribunal coletivo da extinta comarca de Vila Real de Santo António, nas seguintes penas: - pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, a), do Código Penal (CP), na pena de 1 ano e 7 meses de prisão [factos de 2010];[1] - pela prática de um crime de burla simples na forma continuada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1, e 30º, nº 2, e 79º do CP, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão [factos de 2011]; - pela prática de um crime de burla qualificada na forma continuada, p. e p. pelos arts. 218º, nº 2, b), 30º, nº 2, e 79º do CP, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão [factos de 2012]; - em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos de prisão.

Dessa decisão recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo: 1º O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 7 anos de prisão, resultante de 1 ano e 7 meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, 2 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de burla e 5 anos e 2 meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada.

2º Quanto aos fatos de 2010, verificamos uma manifesta contradição entre a qualificação jurídica efetuada pelo douto acórdão, pois a fls. 104 e107, na decorrência do ponto Aspetos Jurídicos (fls. 101), o douto acórdão concluiu por enquadrar a conduta do arguido sob a qualificação do crime de abuso de confiança (artigo 205º, n.º 1 e n.º 4, alínea a, do CP), referindo a fls. 104 o seguinte: “No caso do primeiro conjunto de fatos, a matéria de fato julgada provada não permite reconduzir o comportamento do arguido ao crime de burla. Com efeito, o arguido, não induziu a assistente (…) à prática de qualquer ato.” 3º No entanto, vem o Tribunal “a quo”, na decisão, condenar o arguido pelo crime de burla qualificada, tendo antes explanado toda uma argumentação no sentido de que o arguido deveria ser absolvido do mesmo, pois tal como expressamente refere a fls. 105 do douto acórdão, “ Não tendo induzido a assistente na prática de qualquer, é evidente que não se mostram preenchidos os demais requisitos do crime de burla.” 4º Nestas circunstâncias, o douto acórdão deveria ter absolvido o arguido da prática do crime de burla qualificada, quanto aos fatos de 2010, com todas as legais consequências, tendo efetuado exatamente o inverso, ou seja, condenou o arguido pela prática de um crime que expressamente fundamentou, do ponto de vista jurídico, como não se tendo verificado, pelo que deverá o arguido ser absolvido do crime de burla qualificada o que desde já reclama para todos os legais efeitos. 5º Nestes termos, a condenação em 1 ano e 7 meses de prisão, tal como decidida a fls. 113, deverá ser excluída do cúmulo jurídico a final efetuado, pois o douto acórdão incorre numa clara contradição (entre a fundamentação que efetua quanto ao enquadramento jurídico-penal e a condenação no crime de burla qualificada quanto aos fatos de 2010), a qual só poderá, salvo melhor opinião, levar à absolvição em relação aos fatos de 2010, pois não pode o arguido ser condenado por um crime cujo preenchimento do respetivo tipo o Tribunal “ a quo” entendeu não se verificar. 6º Por outro lado, e salvo o devido respeito, que é todo, e salvo mais apurada sensibilidade jurídica, o Tribunal “a quo” violou o Princípio da proporcionalidade da pena, tal como previsto no art. 40º, n.º 2 e n.º 3 do Código Penal, quando à condenação em 5 anos e 2 meses de prisão, referentes aos fatos de 2012.

7º Devendo a aplicação do preceito acima indicado conduzir a uma atenuação ainda mais especial da pena, o que aqui expressamente se requer, reduzindo a desproporcional medida concreta de 5 anos e 2 meses de prisão.

8º A idade do arguido, 47 anos, em conjunto com a ausência de antecedentes criminais, a colaboração com o Tribunal, confessando integralmente os fatos de 2012, a sua inserção familiar e social, deverão resultar na especial atenuação da pena a aplicar.

9º Ao verificarmos que a atenuação em causa poderia ter ido mais além, foram violados os preceitos constantes dos artigos. 70º, 71º e 72º do Código Penal.

10º A especial atenuação da pena que deverá conduzir a uma mais acentuada redução do tempo de prisão efectivamente a cumprir, encontra a sua base num juízo de prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a condenação como uma advertência e que não incorrerá, no futuro, na prática de novos crimes.

11º Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no juízo de prognose social favorável ao arguido, será de atender aos seguintes elementos: Personalidade do arguido.

- As suas condições de vida.

- Conduta anterior e posterior ao facto punível.

- As circunstâncias do facto punível.

12º Diz-nos a jurisprudência do mesmo Tribunal Superior que “devem atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial.

E sendo essa conclusão favorável, o Tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastam para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período da suspensão.” 13º No mesmo acórdão pode ler-se “O Supremo Tribunal de Justiça tem doutrinado que por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação ao arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer de que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica.” 14º Nos pontos 10º a 13º das presentes conclusões, citámos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 2792/02-5ª Secção, em que foi relator o Excelentíssimo Conselheiro Simas Santos.

15º Nestas circunstâncias, apelando ao elevadíssimo sentido de justiça de Vossas Excelências, veneranda e respeitosamente se requer se dignem conceder provimento ao presente recurso, absolvendo o arguido da prática do crime de burla qualificada, quantos aos fatos de 2010, uma vez que a fundamentação de direito explanada pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, conduz à conclusão que o arguido, na sua conduta, não preencheu o tipo de crime em causa, ou seja, o tipo do crime de burla qualificada.

Mais ainda, renovando o apelo ao já referido elevadíssimo sentido de justiça de Vossas Excelências, veneranda e respeitosamente se requer se dignem conceder provimento ao presente recurso, reduzindo a medida concreta da pena aplicada pelo Tribunal “a quo” em relação aos fatos de 2012, pois em nosso entender, face à ausência de antecedentes criminais, face à situação familiar e social do arguido, ao que acresceu a confissão integral e sem reservas, a referida medida concreta da pena pode e deve ser acrescidamente atenuada. Respondeu o Ministério Público, dizendo: 1. O arguido invoca no recurso uma contradição entre a fundamentação e a decisão do acórdão.

Contudo, a invocada contradição assenta num lapso manifesto do acórdão, lapso já corrigido; no ponto 2 da parte decisória do acórdão fez-se constar inicialmente que a condenação (nessa parte) era por crime de burla, quando – como é manifesto pelos termos do próprio acórdão - era por crime de abuso de confiança; mas, como se referiu, tal lapso já foi rectificado em 6/6/2014, “ao abrigo do disposto no art. 380, nº. 1, b) do CPP”, conforme mencionado na dita rectificação. 2. No mais, o recorrente só discorda da medida da pena do crime praticado por referência aos factos de 2012: 5 anos e 2 meses de prisão pela prática do crime de burla qualificada na forma continuada p. e p. no art. 218, nº 2, b) do CP. Alega em síntese que “era primário” e que estava “social e familiarmente inserido”.

3. Quanto à medida das penas aplicadas ao recorrente, refere o acórdão, nomeadamente, que “no que concerne às exigências de prevenção de futuros crimes, estas são prementes, tendo em conta o número de crimes destes tipos que são cometidos em Portugal (em particular no Algarve); a ausência de antecedentes criminais do arguido revela que não são elevadas as exigências de prevenção especial; a ilicitude do facto, em todos os casos, mostra-se muito acentuada; a culpa revela-se muito intensa …; … o Tribunal ponderará o valor dos prejuízos causados …; serão também ponderadas as repercussões que a conduta do arguido teve na vida das pessoas …; em todos os casos, o Tribunal não deixará de ponderar os factos atinentes ao modo de vida pessoal e familiar do arguido e que o mesmo prestou declarações relevantes para a descoberta da verdade”. 4. Ora, são exactamente estas as circunstâncias que relevam no caso e que levaram a uma correcta fixação da(s) pena(s) aplicada(s) ao arguido, conforme art. 71 do CP.

Em primeiro lugar, no que se refere á culpa, esta é muito intensa; as exigências de prevenção geral são prementes; a ilicitude é acentuada; os valores (económicos) envolvidos são consideráveis e a repercussão dos actos do arguido para os ofendidos foi significativa. Por outro lado, o Tribunal levou em linha de conta – entre o mais - a inexistência de antecedentes criminais do arguido e a sua inserção familiar. 5. São estes os elementos mais relevantes para a fixação da medida da(s) pena(s) e que justificam, em absoluto, as penas fixadas.

E as circunstâncias invocadas pelo recorrente, específica e devidamente consideradas pelo Tribunal, não justificam a aplicação de pena inferior quanto ao crime de burla qualificada pelos factos praticados em 2012.

6. Consequentemente, o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido.

Pelo exposto, em conclusão: a) não há qualquer contradição no acórdão, tendo já sido rectificado – nos termos do art. 380, nº. 1, b) do CPP - o lapso manifesto que continha; b) a medida da(s) pena(s) aplicada(s) ao arguido está devida e...

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