Acórdão nº 3220/07.3TBGDM-B.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução25 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

AA, por si e em representação dos seus filhos BB e CC, na qualidade de herdeiros habilitados de DD, intentou a presente oposição à execução que contra o falecido DD, EE e FF movia “Banco GG, S.A.”, ora “Investments 2234 Overseas Fund IV B.V.”, alegando, em suma: - que o executado mutuário faleceu; - que o incumprimento do crédito em causa na execução estava garantido por contrato de seguro em caso de morte; - que o exequente deveria peticionar a quantia exequenda à seguradora, pelo que são partes ilegítimas e que procedeu a pagamentos parciais.

Contestou o Banco exequente, impugnando a factualidade alegada, dizendo que desconhecia o óbito do executado e que de qualquer forma a existência do seguro não desonera os executados.

A decisão prolatada em primeira instância viria a julgar a: “(...) oposição à execução totalmente procedente, e em consequência, determino a extinção da execução.

” Apelada a decisão, o tribunal da Relação do Porto, em decisão, de 16 de Junho de 2014, decidiu (sic): “(…) julgar parcialmente procedente a oposição deduzida a fls. 2 a 5 e, consequentemente, determina-se o prosseguimento da execução a que estes autos estão apensos, tudo com vista ao pagamento da quantia de € 74.664,23 e respectivos juros, em conformidade com o ajustado no contrato de fls. 182 a 188.” Na revista que intenta prelevar, a recorrente, sumaria a sua fundamentação no sequente: I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.

“1 – É certo e inquestionável que o banco tem, a seu favor um último título executivo.

2 – Só que, sendo formalmente um título executivo, o mesmo, na sua actuação prática enferma de vícios que ultrapassam os mais elementares princípios da boa-fé e dos bons costumes.

3 – O banco alegou, e pôs como condição de concessão de empréstimo, a obrigação da constituição de um seguro para se garantir do pagamento, mesmo acompanhada da fiança.

4 – Perante a morte do devedor, segundo os termos do seguro, só o banco poderia, e poderá, accionar o seguro e receber o montante do débito eventualmente existente. 5 – O banco ignorou, e ocultou, a morte do devedor, negando que tal lhe foi comunicado, o que veio a demonstrar-se não corresponder à verdade; 6 - O banco, apesar da existência de seguro e da comunicação do óbito, não exigiu da seguradora o pagamento do seguro.

7. – O banco, ao executar os herdeiros do finado, agiu com má-fé e contra todos os princípios dos bons costumes. 8 – O banco actuou, assim, de má-fé, abusou do direito que lhe conferia o título executivo, com violação evidente, clara e suja do art. 334.º do C. Civil.” Em contra-alegações, a instituição de crédito, contraminou a fundamentação, substanciado no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito. “2.ª Em 18 de Agosto de 1997, o mutuário DD celebrou com o primitivo credor um contrato de mútuo com hipoteca, tendo-se constituído devedor da quantia de Esc. 18.000.000$00 (dezoito milhões de escudos), constando da mencionada escritura a necessidade de ser constituído a favor do Banco exequente um seguro de vida, através do qual, no caso do decesso do mutuário, a Seguradora procederia ao pagamento da quantia segurada que asseguraria a totalidade do capital em dívida, 3.ª Formalidade que integra a prática bancária comum, isto é, a instituição de crédito condicionar a concessão do crédito, à celebração, pelo mutuário, de um seguro de vida 4.ª O Banco credor originário não tinha qualquer registo relativo ao mencionado seguro de vida, porquanto, nem o credor originário, nem a aqui Apelada exigiram a apresentação do mencionado contrato de seguro, desconhecendo-se, pois, o respectivo teor.

  1. Nada impedia o mutuário de, no decurso do contrato de seguro de vida, celebrar novo contrato com qualquer outra seguradora.

  2. O mutuário não efectuou o pagamento de algumas prestações, nem nas datas dos seus vencimentos, nem posteriormente, tendo o Banco credor originário accionado judicialmente quer o mutuário/executado DD, quer os respectivos fiadores na acção executiva subjacente aos presentes autos.

    7.

    a O mutuário veio a falecer em 24 de Dezembro de 2000.

  3. O contrato de seguro é um contrato comercial, nos termos do qual, uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo seu segurado, a assumir um determinado risco (como seja a morte ou invalidez) e, caso o mencionado risco venha a verificar-se ou a ocorrer, ao pagamento ao segurado ou a terceiro de uma indemnização pelo prejuízo previamente convencionado, sendo beneficiário no caso sub judice, o credor originário - a agora aqui Apelada -, tratando-se, pois, de um contrato a favor de terceiro.

  4. O contrato de seguro é totalmente autónomo do contrato de crédito/mútuo, sendo a Seguradora uma entidade absolutamente distinta do Banco mutuante.

  5. O Banco mutuante seria apenas beneficiário desse mesmo contrato de seguro, destinado a assegurar o pagamento das quantias mutuadas e juros em dívida, montantes que o mutuário e os fiadores estavam obrigados a liquidar e actualmente, mercê do ocorrido óbito, os herdeiros habilitados do mutuário.

  6. O ónus de accionar o seguro recai e sempre recairia apenas sobre os herdeiros, únicos devidamente legitimados, para tanto, contrariamente ao Banco, que não é contraente no contrato de seguro, mas apenas seu beneficiário.

    12a Inexiste qualquer ónus que obrigue a Apelada - ou à data da instauração da acção executiva, o Banco originário credor -, de accionar o seguro de vida junto da Seguradora, por manifesta ilegitimidade, já que tratando-se o Banco e a Seguradora de entidades jurídica e economicamente distintas e não se tratando de um seguro de grupo - no qual o Banco é, em simultâneo, tomador e beneficiário -, apenas o mutuário é o tomador do seguro de vida.

    13a Nem de outra forma se compreenderia que, caso tivesse legitimidade, para tanto, o Banco mutuante não accionasse directamente a Seguradora vendo-se ressarcido dos montantes em dívida, bem como obviasse ao presente litígio.

    14a A executada habilitada - ora Apelante - accionou judicialmente a Seguradora a fim de que lhe fosse pago o prémio do seguro. Não obstante, tal acção veio a ser julgada improcedente não com fundamento na ilegitimidade da herdeira executada em accionar a Seguradora, mas sim com fundamento nos termos do pedido incorrectamente por aquela formulado, isto é, que o prémio do seguro de vida lhe fosse pago directamente a si e não ao beneficiário do seguro, isto é ao Banco mutuante.

    15a Apenas aos herdeiros habilitados competia accionar o seguro de vida, enquanto únicos devidamente legitimados, para esse efeito, já que vieram a assumir o lugar do mutuário falecido-tomador do seguro de vida.

    16a O Banco mutuante tinha toda a legitimidade para demandar judicialmente apenas o mutuário e os fiadores, face ao incumprimento do contrato de mútuo.

    17a O Banco dispunha de título executivo - escritura de contrato de mútuo com hipoteca - para demandar judicialmente o mutuário e os respectivos fiadores, não resultando do título executivo, de acordo com as regras da legitimidade passiva - a assumpção de qualquer obrigação por uma qualquer seguradora perante o credor originário.

    18.

    a O Banco mutuante moveu a acção executiva subjacente aos presentes autos, enquanto credor do mutuário e dos habilitados executados e enquanto terceiro no contrato de seguro de vida.

  7. Tratando-se de uma obrigação solidária, o Banco mutuante tem a faculdade de demandar apenas o mutuário e os fiadores ou até apenas o mutuário ou apenas os fiadores 20.ª O credor originário - actualmente, a Apelada -, continua a ser titular de um direito de crédito, não tendo sido ressarcida, até à presente data, dos valores peticionados e em dívida, com excepção do pagamento que o falecido mutuário veio a efectuar por conta da quantia mutuada. Tendo-se limitado, de forma absolutamente lícita, a exercer o seu direito de ressarcimento do crédito concedido pela via judicial atento o incumprimento.

  8. Carece de qualquer fundamento legal, atendendo a que estamos perante uma obrigação solidária, os Apelantes sustentarem que o Banco agiu em abuso de direito partindo do pressuposto que apenas após demandar judicialmente a Seguradora é que o Banco poderia exigir o pagamento da dívida pelo mutuário.

  9. O abuso de direito configura uma concretização do princípio da boa-fé, sendo necessário para verificar-se que o titular do direito exceda manifestamente determinados limites, limites esses que são delimitados pela boa-fé objectiva e pelos bons costumes, bem como ter em consideração o fim social ou económico que do direito que se exerce.

  10. O Banco dispunha de um título executivo válido, sendo a dívida certa, líquida e exigível, tendo demandado judicialmente quem, de acordo com as regras de aferição da legitimidade passiva, seriam os executados face àquele título executivo.

  11. Inexiste qualquer obrigação legal, ou ónus do Banco, em demandar previamente a Seguradora, uma vez que carecia de legitimidade para esse efeito, já que não é contraente no contrato de seguro de vida e apenas beneficiário do mesmo.

  12. O Banco limitou-se a exercer um direito, exigindo o pagamento da dívida exequenda nos termos previstos no contrato de mútuo celebrado entre as partes, 26.ª Inexiste qualquer má-fé do Banco, porquanto encontra-se desapossado (a) da quantia em dívida, tão pouco se verifica abuso de direito na actuação do Banco/Apelada.

  13. Verificado que está que competia aos herdeiros do falecido mutuário accionar o seguro e demandar judicialmente a Seguradora, bem como que o Banco mutuante apenas poderia demandar o mutuário (em sua substituição, os herdeiros habilitados), o Banco limitou-se a exercer um direito perante o incumprimento do contrato de mútuo.

  14. Inexiste qualquer abuso de direito na actuação do Banco mutuante/ Apelada.” I.B. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.

    A única questão que vem posta em tela de juízo para conhecimento – cfr. conclusões da recorrente – atina com a impugnação da parte da decisão em que julgou o comportamento contratual do exequente como contrário à...

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