Acórdão nº 1298/13.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução25 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

1.

AA, portadora do Cartão do Cidadão com o n.º de identificação civil …, emitido pela República Portuguesa, propôs contra República Islâmica do Irão a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, alegando, em síntese, ter sido admitida em 14.06.2004 por contrato de trabalho a termo de um ano, sem indicação do motivo, para trabalhar como tradutora e desempenhar outros trabalhos que lhe fossem confiados na Embaixada da República Islâmica do Irão em Portugal, contrato que foi sendo renovado e se converteu em contrato sem termo, o qual a R. fez cessar unilateralmente.

Pede: i) que seja declarado que a A. foi submetida a despedimento ilícito; ii) a condenação da R. a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou, vindo esta a optar pela indemnização substitutiva, no respetivo pagamento; iii) a condenação da R. no pagamento dos salários intercalares ou de tramitação, diferenças salariais em dívida (referentes a pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal) e indemnização por danos morais sofridos, tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

2.

A R. contestou, excecionando a sua imunidade jurisdicional – para tanto, alega que as funções desempenhadas pela A. (tradução de documentos e informação confidencial) estavam estreitamente relacionadas com o exercício da autoridade, bem como ter sido acordado entre as partes que o contrato se regia pela lei da República Islâmica do Irão –, bem como por impugnação.

A autora respondeu à exceção.

3.

Foi proferido despacho saneador, reconhecendo que a R. goza a imunidade de jurisdição e, assim, a julgar o Tribunal do Trabalho absolutamente incompetente para apreciar a ação.

4.

A autora apelou, tendo a R. interposto recurso subordinado.

5.

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando parcialmente procedentes os dois recursos, decidiu: - “Revogar a decisão recorrida na parte em que se refere aos pedidos de condenação da R. no pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal (não fundados no alegado despedimento ilícito), relativamente aos quais improcede a imunidade jurisdicional, sendo pois o tribunal internacionalmente competente para deles conhecer, ordenando‑se consequentemente o prosseguimento dos autos quanto a esses pedidos”; - “Confirmar, com outro fundamento, a incompetência internacional do tribunal para apreciar os pedidos fundados no alegado despedimento, dada a procedência da imunidade jurisdicional do tribunal quanto a essa matéria, atento o motivo invocado para a cessação do contrato”.

6.

A R. interpôs recurso de revista, alegando, em síntese, nas conclusões das suas alegações: - O acórdão recorrido errou na parte em que considerou que relativamente aos pedidos de condenação da R. no pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal não se verifica a invocada imunidade jurisdicional considerando os tribunais portugueses internacionalmente competentes para conhecer destes pedidos.

- A recorrente goza de imunidade jurisdicional, já reconhecida quanto aos pedidos que têm como causa de pedir o alegado despedimento ilícito, devendo ser reconhecida igual imunidade quanto aos demais pedidos da Autora, uma vez que a restruturação que foi feita na Embaixada do Irão em Portugal incluiu tão só os agentes da missão diplomáticos onde se incluía a Autora.

- A Autora era a tradutora do corpo diplomático da Embaixada do Irão em Portugal.

- A Autora tinha os privilégios, o estatuto e o alcance das imunidades diplomáticas e da imunidade de jurisdição do Estado, pelo que a sua relação laboral, cumprimento ou incumprimento, é da exclusiva competência da Republica Islâmica do Irão.

- Encontrando-se este contrato excluído à jurisdição portuguesa, é inaceitável que as decisões da República Islâmica do Irão, relativamente aos membros da sua missão diplomática, sejam julgadas por outro Estado, neste caso o Estado Português.

- A Autora exercia funções no interesse do serviço público do Irão e em benefício do seu Estado e dos seus nacionais.

- As partes expressamente convencionaram no contrato que este era celebrado ao abrigo da Lei da Republica Islâmica do Irão, conforme se verifica pelo documento 1 da petição inicial.

- O Subsídio de Natal nunca foi pago à autora, porquanto o contrato sempre foi regulado pela Lei da Republica Islâmica do Irão, na qual não existe Natal.

- A decisão da República Islâmica do Irão não pagar o subsídio de Natal é um ato de jure imperii que não pode ser julgado pelos tribunais portugueses.

- O acordo consagrado no contrato de trabalho de trabalho, quanto à lei reguladora do mesmo, constitui um pacto atributivo de jurisdição válido nos termos do art. 94.º do CPC.

- As funções da Autora impõem que seja reconhecida a imunidade de jurisdição da ora Recorrente, quanto a todos os pedidos formulados pela Autora, nos termos do art.º 41.º do C. Civil, do n.º 1 do art. da 8.º da CRP, das aIs. a) e f) do n.º 2 do art. 11.º da Convenção Internacional das Nações Unidas, sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens e do principio de Direito Internacional Consuetudinário segundo o qual os Estados Estrangeiros que gozam de imunidade de jurisdição, com fundamento no princípio da sua igualdade "par in parem non habet imperium".

7.

A autora contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.

8.

O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas respondeu a R., na linha do antes sustentado nos autos.

9.

Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das suas alegações, a única questão a decidir[2] consiste em saber se os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer do pedido de condenação da R. no pagamento de férias e subsídios de férias e de Natal, por esta beneficiar de imunidade jurisdicional.

Cumpre decidir.

II.

10.

Com interesse para a decisão da revista, consta dos autos tradução certificada do contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R. (fls. 27 – 28), do qual consta, designadamente: “(…) 2. A senhora (…) terá a função de tradutora e outros trabalhos confiados a ela.

(…) 6. As férias anuais remuneradas, de acordo com o número dos meses de serviço efetuado, serão de 24 dias por ano (máximo).

Nota: Os horários de trabalho, as férias oficiais e fins de semana serão de acordo com os regulamentos existentes na embaixada.

7. De acordo com os regulamentos da Embaixada (…) e com a aprovação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (…) a contratada terá seguro desde o início.

(…) 10. Para os casos não previstos neste contrato, os regulamentos organizacionais, contratuais, financeiros e disciplinares do Ministério dos Negócios Estrangeiros e estatuto dos funcionários locais aprovados a 03/12/1384 (22/02/2006) serão válidos.

(…)” III.

  1. A fundamentação do acórdão recorrido: 11.

    O acórdão recorrido, embora reconhecendo a incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciar os pedidos fundados no alegado despedimento (segmento decisório que transitou em julgado), considerou que relativamente ao pedido de condenação da R. no pagamento de férias e subsídios de férias e de Natal não se verifica a invocada imunidade jurisdicional, com a seguinte argumentação: “(…) O Conselho da Europa, em 16/5/72, em Basileia, abriu à assinatura dos Estados membros e à adesão dos Estados não membros a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, que adota o critério de enunciar de modo específico (nos art. 1.º a 14.º) as situações e relações jurídicas relativamente às quais é aplicável a exceção ao princípio da imunidade dos Estados estrangeiros. Assinada por Portugal em 10/5/79, mas ainda não ratificada, esta Convenção foi ratificada por oito Estados (Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Luxemburgo, Holanda, Reino Unido e Suíça).

    No seu artigo 5.º dispõe “1- Um Estado contratante não pode invocar imunidade de jurisdição perante um tribunal de um outro Estado contratante se o processo se relacionar com um contrato de trabalho celebrado entre o Estado e uma pessoa singular, se o trabalho dever ser realizado no território do Estado do foro.

    2 – O parágrafo 1 não se aplica: a) se a pessoa física tiver a nacionalidade do Estado empregador na altura em que o processo foi instaurado; b) se na altura da celebração do contrato a pessoa singular não tinha a nacionalidade do Estado do foro nem residia habitualmente nesse Estado; ou c) se as partes do contrato acordaram em sentido contrário, por escrito, a menos que, de acordo com a lei do Estado do foro, os tribunais desse Estado tivessem jurisdição exclusiva em virtude do objeto do processo 3...”.

    A nível mundial, no âmbito das Nações Unidas, a Comissão de Direito Internacional (CDI) iniciou em 1978 os trabalhos de codificação sobre imunidades jurisdicionais dos Estados de que resultou a elaboração de um projeto sobre imunidades jurisdicionais dos Estados e da sua propriedade [-]. Concluídos os trabalhos, foi aberta à assinatura em Nova Iorque em 17/1/2005, a “Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens”, que foi aprovada em Portugal pela Resolução da A.R. n.º 46/2006, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/2006, ambos publicados no DR. Iª série de 20/6/2006, tendo o instrumento de ratificação sido depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas em 14/9/2006. A referida Convenção não se encontra ainda em vigor (por não terem sido depositados instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão em número suficiente, conforme estabelecido no respetivo art. 30.º, tendo-o sido apenas, até à data, por dezasseis Estados).

    O respectivo art. 5.º define como regra a imunidade dos Estados, mas os art. 10.º a 16.º enunciam os actos sujeitos a restrição à imunidade.

    O art. 11.º, sob a epígrafe “contratos de trabalho”, é do...

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