Acórdão nº 366/12.OTVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 .

Nas Varas Cíveis de Lisboa, com distribuição à 1.ª, AA, Ldª., intentou contra: BB, S.A.; A presente ação declarativa.

Na parte que agora interessa, invocou detalhadamente factos integrantes de danos não patrimoniais que a ré lhe terá provocado, pedindo, a este título, a condenação dela a pagar-lhe a compensação de € 20.000.

Contestou a ré, negando a existência de tais danos.

2 .

A ação prosseguiu e, na altura própria, foi proferida sentença.

Condenou-se a ré a pagar à autora € 20.286,44, nela estando incluídos € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais.

3 .

Apelou esta e o Tribunal da Relação de Lisboa, depois de escrever: “No caso dos autos parece-nos dever concluir-se, perante os factos nºs 65 e 66, que do incumprimento contratual da ré resultou ofensa ao crédito da autora.

Todavia, sem a demonstração de que a mesma se tenha repercutido negativamente na potencialidade de lucro inerente ao exercício da atividade que desenvolve, não pode afirmar-se a existência de dano patrimonial indireto indemnizável.

E, sendo assim, a sentença não pode manter-se, impondo-se a absolvição da ré do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais”; Decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, alterando-se a sentença, vai a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 286,44, indo absolvida quanto ao mais que contra ela era pedido.” Tendo sido elaborado este sumário: “I – A essência do dano não patrimonial está na repercussão que a ofensa recebida tem no espírito do lesado, traduzindo-se no sofrimento, físico ou moral, nele infligido.

II – As pessoas coletivas gozam de direito a indemnização pelos danos sofridos com a afirmação ou difusão de facto que seja suscetível de prejudicar o seu crédito ou bom nome, bens de natureza imaterial – art. 484º do C. Civil; III – Importando distinguir entre o bem jurídico atingido e o dano que resulta dessa lesão, a afetação do crédito ou do bom nome de sociedade comercial é insuscetível de provocar nela, enquanto entidade destituída de personalidade física e moral, qualquer reflexo negativo de natureza psicológica; IV – Daí que a ofensa perpetrada só releve, para efeitos de indemnização, na medida em que cause um dano indireto, sendo assim qualificado aquele que, embora atingindo bens jurídicos imateriais, como o bom nome ou o crédito, se reflete negativamente no património do lesado.” 4 .

Pede revista a autora.

Conclui as alegações como segue: 1) O douto Tribunal da Relação de Lisboa entendeu revogar parcialmente a decisão proferida em sede de 1.ª instância por considerar que a ofensa a danos não patrimoniais de pessoa colectiva apenas releva em termos indemnizatórios na medida em que se repercute no lucro da mesma, o que não se verifica no caso em apreço.

Assim, entendeu-se julgar a apelação parcialmente procedente, absolvendo-se a "BB” do pagamento da quantia de 20.000,00€ a título de compensação por danos não patrimoniais e mantendo-se a condenação da mesma no pagamento da quantia de 286,44€ a título de danos patrimoniais.

2) Salvo melhor opinião, entende a ora Recorrida que o Acórdão sob apreciação efectuou uma errada aplicação do direito, no que se refere à ressarcibilidade do dano de natureza não patrimonial sofrido pela ora Recorrente, em violação do disposto nos artigos 160.°, nº 1, 70.° e 496.° do Código Civil e artigo 12, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, susceptível de revista no termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 674.° do Código de Processo Civil, assim se delimitando o objecto do presente recurso.

3) Tal como se refere no acórdão recorrido existem duas correntes jurisprudenciais sobre a protecção conferida aos danos não patrimoniais das pessoas colectivas: 1) uma corrente no sentido de reconhecer a ofensa ao bom nome e crédito da sociedade o qual apenas pode ser ressarcido por via da verificação de um dano patrimonial indirecto, na medida em que as sociedades comerciais têm como objectivo principal a obtenção de lucros; 2) outra corrente entende que a ofensa ao bom nome e crédito da sociedade configura um dano não patrimonial ressarcível de per si, ou seja, independentemente de se projectar ou não num dano patrimonial.

4) No Acórdão recorrido entende-se que uma pessoa colectiva não é susceptível de sofrer danos estritamente morais mas apenas um dano patrimonial indirecto.

5) Entende a Recorrente que a tutela do crédito e do bom nome de uma sociedade apenas é efectivamente garantida com o reconhecimento de um dano não patrimonial ressarcível sem mais.

6) No âmbito de aplicação dos artigos 160.°, nº 1 e 70.º do Código Civil e artigo 12, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, cabe o bom nome comercial, a imagem transmitida pela sociedade para o exterior e que varia de acordo com a forma como esta se organiza, funciona e presta serviços ou fornece bens.

7) Como se refere no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 08.03.2007, disponível www.dgsi.pt. “'o bom nome das pessoas colectivas, no quadro da actividade que desenvolvem, ou seja, na vertente da imagem, de honestidade na acção, de credibilidade e de prestígio está legalmente protegido”.

8) A sociedade tendo escopo lucrativo, tem por principal missão o fornecimento de bens ou serviços que constituem o objecto da sua actividade, mas também, paralelamente e não menos importante, a função de preservar (ou, até, de melhorar) a sua imagem, a qual configura a medida do seu prestígio junto dos seus parceiros comerciais, pelo que o abalo da mesma é susceptível de se traduzir num afastamento de clientela ou diminuição de vendas.

9) O abalo da imagem da sociedade pode não ter qualquer repercussão no lucro ou volume de negócios da sociedade, e ainda assim constituir um efeito disruptivo da organização interna e ter consequências nefastas junto dos parceiros comerciais.

10) A entender-se, como entendeu o acórdão recorrido que a ofensa ao bom nome e crédito de que venham a ser alvo as sociedades comerciais apenas são indemnizáveis na medida do prejuízo que daí advier, fica impune um facto que o legislador considera gerador de responsabilidade civil (cfr. artigo 484.° do Código Civil) e que considerou inclusivamente ser merecedor de tutela penal (artigo 187.º, n.º 1 do Código Penal).

11) Como se refere no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21.05.2009, proferido no âmbito do processo n.º 09A0643, disponível em www.dgsi.pt (sublinhado nosso): ''( . .) desde que compatíveis com a sua natureza e não inseparáveis da personalidade singular, serão de reconhecer às pessoas colectivas, designadamente às sociedades comerciais, apesar do seu escopo lucrativo, os direitos pessoais reconhecidos às pessoas singulares ( . .). Em princípio, as ofensas ao bom-nome comercial, abalando a boa fama da empresa, reflectem-se num dano patrimonial, a manifestar-se no afastamento da clientela e na consequente diminuição do giro comercial. O ressarcimento dos efeitos danosos caberá, assim, em regra, na esfera de protecção dos danos patrimoniais, do dano patrimonial indirecto. Mas, como já se deixou referido, pode não ser necessariamente assim, o que sucederá sempre que em causa esteia a proteccão de interesses imateriais, "como o prestígio social a identidade ou a esfera do sigilo, sem qualquer afectação concomitante da esfera patrimonial" (CDP A. e ob. cit, 41). - esta teoria tem vindo a ser sucessivamente afirmada pela nossa jurisprudência, nomeadamente, deste Supremo Tribunal, em diversos arestos (vejam-se por exemplo os doutos Acórdãos deste Supremo Tribunal, datados de 27.09.2007 (proferido no processo n.º 07B2528), 21.05.2009 (proferido no processo 09A0643), 12.02.2008 (proferido no processo n.º 07A4618) e de 05.10.2003 (proferido no processo n.º 03B1581), todos disponíveis em www.dgsi.pt).

12) Recentemente foi mais uma vez admitida a susceptibilidade de indemnizar o dano não patrimonial da pessoa colectiva, no âmbito do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.09.2013, proferido no âmbito do processo n.º 372/08.9TBBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário de pode ler (negrito e sublinhado nosso): ''(.) Em termos jurídico conceptuais, não se vê qualquer dificuldade em atribuir à sociedade alguns dos direitos estruturalmente idênticos aos direitos de personalidade atribuídos às pessoas singulares”; “Em princípio, qualquer ofensa a esses direitos acaba por se projetar num dano patrimonial, revelado, por exemplo, por dificuldade com os fornecedores, e afastamento de clientela, que se pode traduzir, evidentemente, numa diminuição ou frustração das vendas, com a consequente diminuição dos lucros”; "Mas pode acontecer que não ocorra essa projecção e nesse caso, não se vê por que razão não há-se a sociedade ser compensada pela ocorrência desse dano de natureza não patrimonial.” 13) A indemnização por danos não patrimoniais (n.º1 do artigo 496.º do Código Civil) é fixada equitativamente segundo o arbítrio do julgador norteado pelos critérios estabelecidos no artigo 494.° do Código Civil (cfr. n.º 3 do artigo 496.º do Código Civil), ou seja, de acordo com o grau de culpa do lesante, a situação económica do lesante e do lesado e demais circunstâncias que se afigurem relevantes.

14) Resultou provado o efeito disruptivo na organização e funcionamento da Recorrente provocado pelos sucessivos incumprimentos contratuais por parte da Recorrida traduzidos nas 15 vezes, no período de um ano e dois meses, que a Recorrida esteve impedida de utilizar os telemóveis (pontos 14, 17, 20, 24, 26, 28, 30, 23, 34, 37, 40, 42, 44, 46 e 56 da matéria de factos provada), que um dos instrumentos fundamentais da actividade da Recorrente é o telemóvel (pontos 60 e 64 da matéria de facto provada) e que a imagem da Recorrente junto dos clientes ficou notoriamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT