Acórdão nº 114/13.7JAPDL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado por acórdão do tribunal coletivo do 2º Juízo da Ribeira Grande de 27.2.2014, como autor material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, b), do Código Penal (CP), na pena de 16 anos e 6 meses de prisão.

Desse acórdão recorreu o Ministério Público para este Supremo Tribunal, concluindo assim as alegações: 1º Vem o presente recurso do acórdão condenatório do arguido AA, como autor material de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artºs 131º e 132º nºs 1 e 2 al. b), ambos do C.P., na pena de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão e circunscreve-se à medida concreta dessa pena.

2º Para graduar concretamente a pena importa compreender que a gravidade que vem espelhada na moldura abstracta do crime corresponde – conforme doutamente refere esse Supremo Tribunal de Justiça no recente Ac. de 29.03.2012, proc. 213/10.7GCVIS.C1.S1, relatado pelo V. Conselheiro Henriques Gaspar, disponível in www.dgsi.pt – à medida da prevenção (porque nela assenta o modelo consagrado pelo nosso Código Penal) - balizada entre um máximo que corresponde à protecção óptima e um limite inferior que corresponde à protecção mínima - dentro da qual o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades detectadas, deverá fixar o quantum concretamente adequado de protecção, “conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa”.

3º Essa medida concreta de prevenção geral positiva, terá de corresponder ao grau de violação das expectativas da comunidade na manutenção e, até, no reforço, da validade da norma jurídica violada e que tutela o bem jurídico especificamente protegido.

4º No caso vertente, as necessidades de prevenção geral, sejam as positivas sejam as negativas, aferidas pelo maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores vigentes, são enormes.

  1. Na verdade, não só estamos perante bem jurídico afectado de máxima grandeza - a vida humana -, como nos situamos num país onde, no ano transacto, a vida de, pelo menos, 33 mulheres foi ceifada pelos maridos/companheiros/namorados, num quadro global, persistente e intolerável, de violência doméstica.

  2. Na ilha de S. Miguel, num período de cerca de 4 anos, pelo menos três mulheres foram barbaramente assassinadas pelos companheiros, em todos os casos com múltiplos golpes no crânio, desferidos com objectos contundentes.

    7º Só neste caso o tribunal colectivo no círculo de Ponta Delgada optou por pena tão (injustificadamente) branda, sendo que, nos outros dois, as penas aplicadas foram de 22 e de 18 anos de prisão.

  3. Um crime de homicídio com estas características e circunstâncias marca profundamente uma comunidade (especialmente quando se trata duma comunidade insular com esta dimensão), causando generalizado espanto, enorme indignação e espalhando considerável insegurança.

    9º À luz deste enquadramento dogmático e factual e de harmonia com o previsto no artº 71º do CP, o tribunal a quo deveria ter atendido para fixar concretamente a pena: A) Que o presente crime de homicídio qualificado comporta uma ilicitude particularmente agravada; B) Que o modo de execução do crime é, também, especialmente gravoso: o arguido procura e mune-se de instrumento com um potencial ofensivo muito grande; Persegue a ofendida quando esta, para se afastar dele e temendo pela vida, foge para o jardim da moradia; Servindo-se da sua superioridade física, consegue agarrá-la e agride-a sucessivamente na cabeça com o martelo, atingindo-a em vários locais do crânio, na face e nas mãos; Denotando incompreensível frieza de ânimo, o arguido abandona a mulher no relvado da casa - convicto que ela ainda estava viva - vai dentro de casa mudar de roupa, regressa ao exterior da moradia, tapa o corpo da mulher com uma manta e ausenta-se do local; C) Que, no que respeita à intensidade do dolo, ela é correspondente à máxima, i.e., ao dolo directo e que a resolução criminosa é impressivamente persistente. Isso revela-se cristalinamente no número (pelo menos 16) de golpes de martelo desferidos e na zona do corpo escolhida (o crânio); D) Que, no que concerne aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, importa atender que aquilo que os factos permitem percepcionar é o rancor e a crueldade; que o arguido evidenciou total desrespeito pela companheira, que ele próprio escolheu, e pelo facto de ser ela quem lhe fornecia casa, cama e sustento; que manifestou total indiferença pelo sofrimento causado (esta revelada na continuação da agressão não obstante os esforços da vítima para se proteger com os braços e mãos).

    10º Ao invés, não podia o tribunal a quo ter atendido – e fê-lo – a factos não provados.

  4. Quando valorou, como circunstâncias atenuantes, a “integração do arguido”, o “arrependimento”, a interiorização “do desvalor da sua conduta” e a sua “confissão” o tribunal afastou-se inaceitavelmente da factualidade provada, já que nenhum desses factos ali vem expressamente elencado ou dali se infere de acordo com as regras da experiência comum.

  5. O tribunal a quo, ao quantificar a pena concreta como o fez, violou a previsão dos artºs 40º nºs 1 e 2 e 71º nºs 1 e 2 do Código Penal.

  6. A ponderação, ainda que parcimoniosa (o que não é sinónimo de...

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