Acórdão nº 686/05.0TBPNI.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA e marido, BB, por si e em representação da filha menor de ambos, CC, intentaram acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil, contra “Companhia de Seguros DD, S.A.”, alegando que no dia 29 de Julho de 2004, pelas 2 horas, na Avenida …, em …, Peniche, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula …SZ, seguro na Ré, conduzido por EE, o qual perdeu o controlo do veículo quando este descrevia uma curva apertada, o que provocou o seu despiste e consequente embate numa residência e num poste da EDP.

No momento do acidente, seguia no SZ a terceira Autora, CC, menor, de 16 anos, que sofreu graves lesões corporais, em consequência das quais ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 80%, o que a limitará, ou até mesmo impedirá, de exercer muitas actividades profissionais e a fará necessitar, para sempre, da assistência de uma terceira pessoa para a auxiliar em todas as tarefas do seu dia-a-dia, pelo que a capacidade futura de angariar meios de subsistência está definitivamente afectada.

Mais alegam que, uma vez que a A. CC passou a movimentar-se numa cadeira de rodas, torna-se necessária a realização de obras de adaptação da casa dos AA., de forma a possibilitar a sua circulação, por cujo custo (35.331,62€) a Ré deverá igualmente ser responsabilizada.

Reclamam ainda os AA. o pagamento de diversas despesas, entre as quais deslocações ao hospital.

Os Autores concluem pedindo seja a condenação da Ré a pagar: - a) aos 1º e 2ª AA. a quantia de 37.460,42€, a título de danos patrimoniais; - b) à 3ª A., a quantia de 1 041 434€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais [sendo 991.434,50€, a título de danos patrimoniais, e 50.000,00€, a título de danos não patrimoniais], acrescidas, ambas, do pagamento dos juros legais, vencidos e vincendos, bem como a suportar todas as despesas com o internamento hospitalar e intervenções cirúrgicas que a 3ª A. efectuou, ou que venha a efectuar, e que lhe sejam reclamadas.

A Ré contestou.

Arguiu a nulidade do contrato do seguro e, em qualquer caso, a exclusão da respectiva cobertura por a A. ser transportada no compartimento de carga do veículo, impugnando, por desconhecimento, a demais factualidade articulada pelos AA. Concluiu pedindo a declaração de nulidade do contrato de seguro ou, se assim de não entender, a sua cobertura limitada e restringida nos termos do art. 7º-al. f) do DL 522/85, de 31/12, devendo a Ré ser absolvida do pedido.

A requerimento da Ré, foi admitida a intervenção acessória da sociedade “FF, Lda.”, que não contestou.

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a excepção peremptória invocada pela Ré, no sentido de que seja declarado nulo, à data de 29 de Julho de 2004, o contrato de seguro titulado pela apólice nº .., pelo qual foi para si transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel com a matrícula -SZ; julgou improcedente a excepção peremptória consistente na exclusão da garantia do seguro identificado em 51, a que alude o art. 7°, nº 2, al. f), do Dec. Lei nº 522185, de 31.12, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 130/94, de 19.05, ou seja, dos danos sofridos pela 3ª Autora, decorrentes de lesões materiais por si sofridas em consequência do acidente a que se reportam os autos em virtude de, na data da sua ocorrência, viajar na parte traseira no veículo automóvel com a matrícula -SZ, no compartimento destinado ao transporte de carga, sem qualquer assento, cinto, ou dispositivo de segurança; absolveu a Ré da totalidade do pedido que contra si é formulado pela lª e pelo 2º Autores; condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 425.000,00€ (quatrocentos e vinte e cinco mil euros), sendo 275.000,00€ (duzentos e setenta e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais) e 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais; condenou a Ré pagar à 3ª Autora juros de mora civis sobre a quantia referida em 5.4 contados desde a citação daquela, à taxa de 4% ou à que entretanto vier a vigorar, até efectivo e integral pagamento; condenou a Ré a pagar à 3ª Autora o montante correspondente às despesas futuras que esta venha efectuar com internamentos hospitalares e/ou intervenções cirúrgicas que venham a ser determinados pela sua evolução clínica e que se revelem necessárias para curar as lesões que sofreu em consequência do acidente.

Apelaram ambas as Partes.

O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso da Seguradora, mas julgou parcialmente procedente o interposto pelos AA., elevando a “indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes das lesões sofridas no acidente, respectivamente, em 350.000,00€ e 200.000,00€.” Os Autores pedem ainda revista insistindo na pretensão de serem ressarcidos do valor do custo das obras destinadas à adaptação da casa à deficiência da A. CC e respectivos juros desde a data da citação (35.331,62€ e juros) e na alteração da indemnização atribuída a esta, a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade, da necessidade de assistência de terceira pessoa e não patrimoniais para, respectivamente, 300.000,00€, 270.266,87€ e 250.000,00€.

Para tanto, argumentam, no que se permitem designar “conclusões” da alegação – mas que, efectivamente, corresponde à repetição do texto da motivação do recurso, em termos tais que se pode dizer que há dois corpos de alegação ou duas partes de “conclusões -, em síntese útil, que: 1. a) “tal como provado, todas as obras foram destinadas à adaptação da casa à deficiência da A. CC, a qual, sendo menor, não tinha dinheiro para as mandar efectuar, nem, sendo a casa dos pais, o poderia exigir; 1. b) não se trata de ressarcir terceiros a título de danos reflexos ou indirectos, de danos não patrimoniais, mas sim de os indemnizar dos gastos que os mesmos tiveram com a assistência da sua filha; 1. c) o n.º 2 do art. 495º refere que têm direito a indemnização aquelas pessoas que tenham contribuído para a assistência da vítima”.

  1. Ponderando que à data do acidente a lesada tinha 16 anos, que ficou paraplégica com uma IPP geral de 70%, que poderia obter uma formação profissional média e, a partir dos 20 anos, até aos 67, um salário de 1.425,27€, em França, onde reside, a perda da capacidade de ganho deve valorar-se em trezentos mil euros.

  2. Considerando que uma empregada doméstica, em França, aufere o mínimo de 900,00€/mês, as despesas que a A. terá de suportar com a assistência de terceira pessoa nas tarefas que ela mesma desempenharia, a indemnização, tendo em conta os referidos elementos de cálculo, deve ser fixada em 270.266,87€; 3. Considerando que a A. ficou tetraplégica, sem sensibilidade abaixo da zona da lesão vertebral com uma paraplegia flácida sensitivo-motriz e esfincteriana, fazendo infecções urinárias; ficou internada vários meses; foi submetida a intervenções cirúrgicas; padece de um quantum doloris de grau 6, numa escala de 7, e dano estético; padece de ausência de controlo de esfíncteres; ficou na dependência de cadeira de rodas, ajudas médicas fisiátricas e medicamentosas, bem como do apoio de terceira pessoa; e, necessita de fisioterapia e hidroterapia para não agravar o seu estado, deve ser-lha atribuída, em sede de danos não patrimoniais, a compensação de 250.00,00 euros. A Recorrida apresentou resposta defendendo a manutenção do julgado quanto aos montantes indemnizatórios.

2. - As questões cuja reapreciação vem proposta consistem novamente em saber: - se os Autores pais da sinistrada gozam do direito a serem ressarcidos das despesas com a adaptação da casa de habitação comum às condições de deficiência de que ficou a padecer a filha; - se o montante indemnizatório atribuído à vítima do acidente a título de danos patrimoniais, nas vertentes de perda de capacidade de ganho e de necessidade de assistência de terceira pessoa, peca por defeito; e, - se é também exígua a compensação arbitrada pelos danos não patrimoniais.

3. - Ao conhecimento do objecto do recurso interessam apenas, de entre o acervo factual disponível, os elementos de facto que seguem: 1 - No dia …/0…/20…, pelas 2 horas...

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