Acórdão nº 2390/06.2TAFAR.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução26 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, em processo comum, com tribunal singular, foi proferida sentença, em 26.11.2010, na qual se decidiu, para além do mais que para aqui carece de relevo, i) em matéria criminal, absolver AA da prática dos crimes de condução perigosa de meio de transporte por água, previsto e punido pelo artigo 289º, números 1 e 3 do Código Penal e de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, número 1 do Código Penal; ii) em matéria cível: absolver a Companhia de Seguros ..., S.A e AA dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo Hospital Central ...

    e BB.

  2. Desta sentença foi interposto recurso pelo demandante BB, tendo a demandada Companhia de Seguros ..., S.A, na resposta que ao mesmo apresentou, requerido a ampliação do âmbito do recurso.

    Por acórdão de 28.02.2012, o Tribunal da Relação de Évora decidiu anular a referida sentença e fazer regressar os autos à 1ª Instância a fim de o mesmo tribunal proferir nova decisão em que, ao invés do que sucedera, conhecesse da questão que, reportada à eventual culpabilidade do demandante na ocorrência do embate, se revestia de cabal importância, atenta uma das possíveis soluções jurídicas, no que respeita à parte cível.

    Efectivamente, o Tribunal da Relação de Évora, naquele acórdão de 28.02.2012, fundamentou esta sua decisão nos seguintes moldes: «Portanto, ao que ficou apurado e consta da matéria de facto, a arguida actuou como vem descrito, mas fê-lo sem culpa, portanto, involuntariamente, sendo que também não se apurou que soubesse que tais condutas eram proibidas por lei.

    E assim sendo, não se pode considerar a existência de uma contradição insanável entre a matéria apurada e não apurada.

    Porem, o Tribunal a quo decidiu da forma por que fez, absolvendo a arguida, não por se ter convencido da sua inocência, mas por não ter conseguido ultrapassar as dúvidas quanto à sua culpabilidade.

    Por outro lado, do texto da decisão recorrida, também não se vislumbra com clareza qual a eventual culpabilidade do demandante na ocorrência do embate, isto é, se o mesmo mergulhou em local não permitido, sem qualquer advertência visível, e surgiu a superfície de forma inopinada perante a arguida, ou não.

    Ora, esta matéria é de cabal importância, atenta uma das possíveis decisões de direito no que respeita à questão cível, sendo certo que a mesma não vem claramente exposta, como poderia e devia, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento.

    Assim, tratando.se de questão de que o Tribunal deveria conhecer, e suscitada pelo recorrente e, tal configura uma nulidade, que não podemos sanar nesta sede, pelo que, nos termos das disposições combinadas dos artigos 379º (e não 397º, como, por lapso manifesto, se refere), n° 1, al. c) e 410º, n° 3, ambos do Código de Processo Penai, se entende que os autos devem regressar à 1ª- Instância, a fim de mesmo Tribunal, proferir nova sentença que esclareça esta mesma questão.

    Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em ordenar que os autos baixem à 1ª Instância, para os fins acima aludidos».

    3.

    Tendo os autos baixado à 1ª Instância, por sentença de 11.07.2012 (e, não 11.07.2011, como por manifesto lapso consta de folhas 912), o 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro decidiu, para além do mais, i) em matéria criminal, absolver AA da prática dos crimes de condução perigosa de meio de transporte por água, previsto e punido pelo artigo 289º, números 1 e 3 do Código Penal e de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, número 1 do Código Penal; ii) em matéria cível: 1) julgar parcialmente procedente o pedido deduzido pelo demandante BB e, em conformidade, absolver a demandada AA da totalidade do pedido e condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A a pagar ao referido demandante, a título de indemnização, a quantia de € 72.955,60, acrescida de juros à taxa anual de 4% desde a notificação do pedido cível relativamente aos danos patrimoniais, e desde a prolação da decisão, no que concerne aos danos não patrimoniais, e ainda a pagar ao também demandante Hospital Central ...

    a quantia de € 2.516,21, acrescida de juros à taxa anual de 4%, desde a notificação do pedido cível e absolver a demandada Companhia de Seguros ..., S.A da restante parte do pedido; 2) julgar parcialmente procedente o pedido do demandante Hospital Central ...

    e, em conformidade, absolver a demandada AA da totalidade do mesmo pedido e condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A a pagar ao referido demandante a quantia de € 2.516,21, acrescida de juros à taxa anual de 4%, desde a notificação do pedido cível.

  3. Desta decisão recorreram o demandante BB e a demandada Companhia de Seguros ..., S.A para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 19.03.2013, decidiu, sem voto de vencido, manter integralmente a sentença recorrida.

    Do referido acórdão de 19.03.2013 da Relação de Évora, a demandada Companhia de Seguros ..., S.A interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

  4. Neste Supremo Tribunal, a relatora proferiu decisão sumária, que rejeitou o recurso, por inadmissibilidade, com a seguinte fundamentação: «Consagrando o princípio de adesão da acção cível ao processo penal, o artigo 71º do Código de Processo Penal estatui que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

    E, conquanto, sob o ponto de vista substantivo, a indemnização por perdas e danos emergentes da prática de um crime tenha o seu fundamento na lei civil, a tramitação do pedido é regulada pela lei penal.

    Daí que, em matéria de recursos, no regime anterior às alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei nº 48/2007, de 29.08, o Supremo Tribunal de Justiça tivesse, através do seu Assento nº 1/2002, de 14 de Março, fixado jurisprudência no sentido de que «No regime do Código de Processo Penal vigente – nº2 do artigo 400º, na versão da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto − , não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».

    Nesta conformidade, tal jurisprudência considerava que o critério de admissibilidade do recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, no que concerne à acção cível de indemnização instaurada no processo penal, não era o mesmo que existia no processo civil, designadamente ser o valor do pedido superior à alçada da Relação e o da sucumbência superior a metade dessa alçada.

    Diversamente ao sentido desta jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, na reforma a que foi sujeito o Código de Processo Penal pela citada Lei nº 48/2007, de 29.08, aditou-se ao citado artigo 400º do referido diploma um novo número, o número 3, que veio estabelecer «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização cível».

    Recurso que, em termos de admissibilidade, era condicionado, nos termos do número 2 do mesmo normativo (o do artigo 400º do Código de Processo Penal), pela circunstância do valor do pedido ser superior à alçada da Relação e o da sucumbência ser superior a metade dessa alçada.

    Alteração legislativa justificada, como bem decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, pela necessidade de garantir o respeito pela igualdade, assim se admitindo a interposição de recurso da parte da sentença atinente à indemnização cível ainda que nas situações em que não caiba recurso da matéria penal.

    Contudo, para entrar em vigor em 01.01.2008, mas sendo aplicável aos processos iniciados após essa data, aquando da revisão operada ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, veio estabelecer-se no número 3 do seu artigo 721º que não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida em 1ª instância.

    Estava, assim, consagrado o sistema da dupla conforme, que inviabiliza o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos em que, como visto, a Relação confirme, por unanimidade, ainda que com fundamento diverso, a decisão da 1ª instância.

    Norma que não pode deixar de se aplicar ao processo penal no que concerne aos recursos que tenham por objecto a parte cível.

    E isto na medida em que, se o legislador do Código de Processo Penal, com o aditamento do citado número 3 ao artigo 400º, introduzindo, de facto, uma quebra ao princípio de adesão por razões ditadas pela necessidade de garantir a igualdade entre todos os recorrentes em matéria cível, dentro e fora do processo penal[1], quis consagrar idênticas possibilidades de recurso quanto à indemnização civil, no processo penal e no processo civil e, nada se dizendo de diferente no Código de Processo Penal, tal norma (a do número 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil) não pode deixar de aplicar-se ao processo penal, sob pena de se criar uma situação de desigualdade, consoante o pedido de indemnização for deduzido na instância cível ou na penal.

    Nesta perspectiva, a fim de se acatar a vontade do legislador que aditou o dito número 3 ao artigo 400º do Código de Processo Penal, tem-se entendido maioritariamente na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça[2] que, a partir de 1 de Janeiro de 2008, quando o pedido cível tiver sido formulado no processo penal, cabe proceder a uma interpretação correctiva do número 2 do mesmo normativo no sentido de reconhecer que, sendo o mesmo omisso quanto à questão da dupla conforme, há que aplicar-se, nos termos do artigo 4º do Código de Processo Penal, o preceito do número 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil.

    E isto porque, como bem se observa na decisão sumária de 10.01.2013, proferida...

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