Acórdão nº 853/98.0JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução05 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, ...., ..., nascido a ... em ..., residente em ..., ..., foi submetido a julgamento por tribunal coletivo e em processo comum, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de ..., e absolvido em acórdão de 22/2/2011, da prática do crime de rapto, p. e p., à data dos factos, no art. 160.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CP, crime pelo qual tinha sido pronunciado.

Deste acórdão recorreram, tanto o Mº Pº como os assistentes BB e CC, para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 4/3/2013, alterou a matéria de facto dada por provada e condenou o arguido na pena de três anos e seis meses de prisão, "pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de rapto agravado, previsto e punido pelo art. 160.º, nº 1, al. b) e nº 3 do CP de 1982, na versão conferida pelo DL 48/95 de 15/3, com a redação da Lei 90/97 de 30/07, aplicável por força do art. 2º, nº 4, do CP".

Hoje o crime está p. e p. pelo art. 161.º, nº 1 al. b) e nº 2 al. a), com referência ao art. 158.º, nº 2 al. e) do CP.

Insatisfeito, recorreu o arguido deste acórdão para o STJ, recurso que foi admitido.

A - FACTOS

  1. A factualidade que se deu por provada, na decisão recorrida, acolheu os factos provados no acórdão de primeira instância, sob os nºs 1 a 18 inclusive, que não tinham sido objeto de impugnação nos recursos para a Relação, e que são os seguintes: “1. No ano de 1995, em ..., o arguido AA, na altura já com 18 anos de idade, frequentou a escola de condução “A ...”, propriedade da família da mãe do então menor DD, nascido em ..., onde veio a obter a carta de condução.

    1. Após a obtenção da carta de condução, o arguido AA continuou a frequentar a escola e, pelo menos por essa altura, com a permissão da mãe do DD, BB, passou a acompanhá-lo, assim como à irmã EE, esta última nascida em ..., e a efectuar alguns serviços menores, designadamente recados no âmbito da actividade da escola de condução.

    2. Neste contexto, foi com o DD que o arguido AA se passou a relacionar mais directamente.

    3. Esta relação de proximidade traduzia-se, designadamente, em ir buscar o DD ao colégio onde o mesmo andava ou ainda em permanências na casa da família, ora para tomar conta do DD e da sua irmã EE, enquanto faziam os trabalhos da escola, bem como por ocasião do festejo dos aniversários destes.

    4. Quando tinha cerca de 3 anos de idade foi diagnosticado ao DD um quadro clínico de epilepsia que passou a ser acompanhado no Hospital de S. João no Porto, a partir de 1997, e que estava controlado por medicação.

    5. A doença do DD passou a implicar a toma diária de 3 medicamentos diferentes, exclusivamente para controlo da epilepsia.

    6. Entre os anos de 1996 e 1997, o arguido AA foi cumprir o serviço militar, vindo a passar à disponibilidade em 7 de Fevereiro de 1997.

    7. Depois de o arguido AA ter regressado do serviço militar, o pai e o avô materno do DD manifestaram o seu desagrado pela perspectiva de aquele poder voltar a acompanhar de perto o menor e a irmã EE, tendo em conta a substancial diferença de idades existente entre eles, o que não obstou a que o mesmo continuasse a encontrar-se com o DD em vários locais do centro de ... e imediações, designadamente nos dias 2, 3 e 4 de Março de 1998, no “campo do Sr. ...”, em ..., por iniciativa do próprio arguido AA.

    8. À data dos factos, o DD revelava curiosidade sobre assuntos de ordem sexual e sobre a sua própria sexualidade, o que era do conhecimento do arguido, tendo aquele chegado a ter no seu quarto imagens de modelos em poses sensuais que partilhou com amigos.

    9. No dia 4/03/1998 o DD tinha no seu quarto recortes de revistas sociais com imagens de modelos/manequins em poses sensuais.

    10. O arguido AA tinha ascendente sobre o DD, sendo-lhe fácil, em função da sua maioridade e experiência, provocar o desejo e ansiedade do menor em manter contactos/relações sexuais com mulheres pela primeira vez, do que tinha conhecimento.

    11. O arguido estabeleceu relações comerciais e de amizade com cidadãos holandeses ligados à competição desportiva e comércio de automóveis, e, no âmbito desta última actividade, deslocou-se algumas vezes à Holanda, uma das quais acompanhado de dois portugueses que, neste país, lhe pediram para lhes encaminhar duas prostitutas ao quarto, o que o mesmo satisfez.

    12. Nos dias 2 e 3 de Março de 1998, pelas 13:00 horas, o arguido AA foi ao encontro do DD, no campo do Sr. ..., sito num terreno contíguo às traseiras do Ciclo Preparatório/Escola EB 2,3 de ..., tendo-o encontrado acompanhado por FF, seu primo, e GG, amigo e colega de turma de ambos naquela escola que à data frequentavam.

    13. No encontro do dia 3 de Março, o arguido AA acompanhou o DD e o primo FF no percurso que estes faziam para casa destes, enquanto o GG seguiu mais à frente para sua casa.

    14. Neste encontro a três, o arguido manteve então uma conversa com os dois menores, tendo-os convidado para, no dia seguinte, 4 de Março, se encontrarem no mesmo local, para depois, se deslocarem para a pista da Costilha lançar foguetes e, deste local, deslocarem-se, de seguida, até Freamunde, às “putas”.

    15. O DD e o seu primo FF, para encobrirem o que pretendiam fazer, combinaram então que iriam dizer aos seus pais que, na tarde do dia seguinte, iriam estudar e andar de bicicleta juntos.

    16. Durante a hora de almoço desse dia 4 de Março, o DD evidenciou estar com pressa, conforme confidenciou à sua tia, cozinheira do Restaurante ..., onde almoçou.

    17. Esse almoço acabou por ocorrer nos minutos subsequentes às 13:00 horas daquele dia, no referido Restaurante “...”, em ..., propriedade da família do DD."["DD" nas palavras do acórdão recorrido].

  2. Depois da alteração da matéria de facto, que teve lugar na sequência do julgamento em segunda instância, ficaram a considerar-se provados, a seguir, os seguintes factos (a referência alfabética é agora aposta por nós): "A - Nesse mesmo dia, 04/03/1998, o arguido AA, fazendo-se transportar na viatura de marca “Fiat Uno”, com a matrícula “...”, de cor preta, deslocou-se da sua área de residência ao “campo do Sr. ...”.

    (correspondente à impugnação efectuada pelo Mº Pº) B- Na mesma altura, o DD, utilizando a bicicleta cor-de-rosa da irmã EE, deslocou-se igualmente na direcção do “campo do Sr. ...”.

    (correspondente ao nº 20 dos provados e não impugnado) C- Quando se estavam a deslocar nos termos sobreditos para o “campo do Sr. ...”, o arguido e o DD encontraram-se no início do caminho de acesso ao mesmo, actual Rua ..., a cerca de 50 m do seu entroncamento com a Av. ..., junto à casa de HH, tendo ambos parado e conversado um com o outro, o primeiro no interior do veículo que conduzia e o segundo em cima da bicicleta que tripulava, o que foi presenciado pela JJ.

    (correspondente à impugnação efectuada pelo Mº Pº) D- Entretanto, o DD encontrou-se com a sua mãe na Escola de Condução “A ...”, local de trabalho da mesma, que, alertada pela presença do filho no respectivo logradouro, assomou à janela.

    (correspondente à impugnação efectuada pelo Mº Pº e pelos assistentes) E- Nessa altura, o DD, que estava com a bicicleta cor-de-rosa da irmã, pediu autorização à mãe, aqui assistente, para ir dar uma volta de carro com o AA, o que a mesma negou com a justificação de que o filho tinha explicação às cinco, perguntando-lhe então este se era a sua última palavra.

    (correspondente ao nº 31 e não impugnado) F- Como a sua mãe manteve a sua resposta, o DD ainda lhe perguntou o que iria fazer até às cinco.

    (correspondente ao nº 32 e não impugnado) G- Após esta conversa com a mãe, o arguido e o DD encontraram-se no “campo do Sr. ...”, a pelo menos 160 metros do ponto do primeiro encontro entre eles, tendo o arguido parado e aguardado neste campo pelo DD que chegou depois na bicicleta cor-de-rosa da irmã EE, e se colocou junto a um dos lados da viatura, conversando com aquele.

    (correspondente à impugnação efectuada pelos assistentes) H- O FF acabou por não comparecer no local, uma vez que a sua mãe, por suspeitar da justificação apresentada pelo filho acerca do que iriam fazer da parte da tarde, proibiu-o de se ausentar.

    (correspondente ao nº 23 dos provados e não impugnado) I- Este segundo encontro entre o arguido e o DD foi observado à distância de cerca de 73 metros pelos colegas de escola do DD que na altura se encontravam na parte superior do recinto da mesma, situado junto ao “campo do Sr. ...”, a preparar-se para jogar futebol: LL, MM, NN, OO e PP.

    (correspondente ao nº 24 dos provados e não impugnado) J- O LL, à distância referida, de viva voz, convidou o DD a juntar-se a eles para jogarem futebol.

    (correspondente ao nº 25 dos provados e não impugnado) K- O DD acabou por entrar na viatura conduzida pelo arguido AA, colocando previamente a bicicleta numa área de codessos bem próxima do local do encontro.

    (correspondente à impugnação efectuada pelo MºPº) L- Após, o arguido conduziu aquela viatura na direcção da saída do “campo do Sr. ...” e, desde então, esteve com o DD durante um período de tempo não concretamente determinado.

    (correspondente à impugnação efectuada pelo MºPº e pelos assistentes) M- Entretanto, os amigos do DD permaneceram no campo de futebol, a jogar à bola, sem que tivessem voltado a ver o DD, ou a viatura do arguido AA regressar ao local.

    (correspondente à impugnação efectuada pelo MºPº e pelos assistentes) N- O arguido AA e o DD saíram de ... e, próximo das 15:00 horas, encontravam-se na Estrada Nacional nº 106, que liga ... a ..., mais concretamente, na localidade de ..., ..., zona esta que, à data dos factos em apreço, era habitualmente frequentada por prostitutas.

    (correspondente ao nº 29 dos provados, completado com o que constava no nº 33 da Pronúncia, objecto de impugnação pelo MºPº) O- Na ..., o arguido AA contactou II, uma das mulheres que se dedicava à prostituição naquela zona, tendo-lhe proposto que mantivesse relações sexuais com o menor que o acompanhava, o DD.

    (correspondente ao nº 35 da Pronúncia e à impugnação do MºPº e dos assistentes) P- A II, depois de olhar para o DD, perguntou ao arguido...

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