Acórdão nº 1036/12.4YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, SA instaurou contra SOC. BB DE AUTOMÓVEIS, SA processo especial, destinado ao reconhecimento da sentença do Tribunal Arbitral, proferida em 7 de Março de 2005, sob a égide Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (doravante CCI).

Alegou, em síntese, que manteve com a requerida, ao longo de cerca de vinte anos, relações comerciais, tendo sido esta última importadora de veículos AA produzidos pela primeira.

Aquelas relações comerciais foram regidas ao longo daquele período por sucessivos contratos, designados como "Contratos de Importador", que conferiam à requerida o exclusivo de importação e exportação de produtos AA em Portugal.

O último desses contratos foi outorgado em 1 de Outubro de 1966, tendo sido escolhida, como lei aplicável às relações contratuais, a lei espanhola.

O mesmo contrato continha a estipulação de uma cláusula compromissória nos termos da qual quaisquer litígios decorrentes da execução e interpretação do mesmo seriam submetidos a um Tribunal Arbitral sob a égide do Tribunal Internacional de Arbitragem da CCI, devendo a referida arbitragem ter sede em Paris e sendo os procedimentos conduzidos no idioma espanhol.

Em 27 de Setembro de 2002, a requerente, no quadro de entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 1400/2002, da Comissão, de 31 de Julho de 2002, relativo a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel, comunicou à requerida a denúncia do “Contrato de Importador” com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2003.

Discordando da denúncia que tinha por ilegal e do comportamento negocial adoptado pela requerente, a requerida instaurou um processo arbitral em Paris, na CCI, em 14 de Março de 2003, no qual formulou vários pedidos, nomeadamente de uma indemnização de clientela.

A requerente decidiu, através de carta de 21 de Março de 2003, resolver, com efeitos imediatos, o referido “Contrato de Importação”.

O processo arbitral, em que houve reconvenção deduzida pela AA, ora Requerente, decorreu em Paris, vindo a ser decidido a final por sentença arbitral proferida por unanimidade dos Árbitros, em 7 de Março de 2005, tendo a AA sido condenada a pagar determinadas importâncias, a título de dever de recompra de Stocks de peças e material técnico e a título de lucros cessantes, acrescidas de juros, bem como condenou a requerente a pagar certo montante a título de preço de veículos e de peças importadas.

A mesma sentença arbitral absolveu ambas as partes dos restantes pedidos reciprocamente formulados.

Tendo as Partes sido notificadas em 16 de Março de 2005 desta sentença, nenhuma delas a impugnou perante os tribunais franceses, tendo a mesma transitado em julgado.

Seguiram-se negociações entre as Partes relativas ao acatamento voluntário das decisões colhidas nessa sentença, tendo, em 28 de Setembro de 2005, sido outorgado pela AA e a SOC. BB de Automóveis, SA um “Acordo de Quitação Recíproca” que reconheceu terem sido pagas as quantias em que as partes haviam sido reciprocamente condenadas, com um saldo a favor da SOC. BB de Automóveis, SA de € 606.926,35, dando a requerida quitação das indemnizações recebidas da ora requerente.

Nesse documento, os subscritores AA e SOC. BB de Automóveis, SA declararam nada mais ter a haver ou a reclamar no âmbito da sentença proferida pelo Tribunal Arbitral da CCI, não tendo nenhuma das partes requerido, por isso, a revisão e confirmação da sentença arbitral estrangeira junto dos tribunais portugueses.

Contrariando as expectativas da requerente, dado o acordo alcançado com a requerida acima referido, a requerida e uma sociedade por ela detida, a Garagem CC, Ldª, concessionária da AA, propuseram, em 15 de Março de 2006, uma ação declarativa contra a requerente e a sua subsidiária em Portugal, AA PORTUGAL, UNIPESSOAL, L.

da em que formularam pedidos condenatórios a título principal e a título subsidiário relacionados exclusivamente com a questão da indemnização da clientela a que aquelas primeiras sociedades, cada um por si, se julgavam com direito, não obstante a SOC. BB de Automóveis, SA ter decaído em idêntico pedido na acção arbitral CCI.

A tese central da SOC. BB de Automóveis, SA e da Garagem CC é a de que o artigo 38º da Lei do Contrato de Agência (DL n.º 178/86, de 3 de Julho) impõe que, nos contratos de agência em que a actividade do agente se tenha desenvolvido preponderantemente em Portugal, “só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime de cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente”, sendo certo que tal disciplina é aplicável por analogia ao contrato de concessão comercial, não restando dúvidas de que o “Contrato de Importador” se deve qualificar como tal.

Esta acção foi julgada no saneador com absolvição da ora requerente da instância, quanto ao pedido formulado pela SOC. BB de Automóveis, SA e absolvição quanto ao pedido relativamente às pretensões formuladas pela Garagem CC.

Interpostos recursos pelas então Autores foram ambos julgados improcedentes pela Relação de Lisboa.

Interpostos depois recursos para o STJ, este, por acórdão de 22 de Setembro de 2011, anulou o Acórdão recorrido, tendo considerado que a Relação deveria ter afrontado "a problemática de saber se o nosso ordenamento jurídico concede à recorrente SOC. BB de Automóveis, SA o direito que invoca de ter de ser indemnizada pela clientela que fez acrescer à recorrida AA e, do mesmo modo, caso se afirme que à recorrente lhe assiste esta regalia, a de averiguar se, ao denegar à SOC. BB de Automóveis, SA o pedido de indemnização de clientela por si formulado, o Tribunal Arbitral escolhido pelas partes violou a ordem pública portuguesa Em execução deste Acórdão, a Relação de Lisboa revogou o saneador-sentença e mandou baixar o processo à primeira instância, para ser elaborada a base instrutória, por entender que havia factos controvertidos que careciam de prova, só depois se podendo conhecer das deduzidas excepções, o que foi feito com ulterior marcação de audiência preliminar.

Face aos antecedentes, acima delineados, entendeu a requerente peticionar o reconhecimento da Sentença Arbitral proferida pela CCI, para que tenha eficácia em Portugal.

A requerida tem sustentado, no processo judicial a que se fez referência, que a sentença arbitral, na parte em que absolveu a ora requerente do pedido de indemnização de clientela, não é susceptível de produzir efeitos em Portugal e, por isso, não pode ser reconhecida ou executada neste país, por conduzir a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português.

Torna-se, por isso necessário discutir esta questão neste processo, concluindo que nada obsta ao reconhecimento da sentença estrangeira a qual não viola a ordem pública internacional do Estado Português.

A requerida deduziu oposição. Arguiu a incompetência absoluta deste Tribunal para rever a sentença arbitral, com consequente absolvição da instância da requerida, sendo que, se assim não se entender, deverá a acção ser julgada improcedente.

A requerente respondeu à excepção de incompetência, pugnando pela sua improcedência.

Cumprido o disposto no artigo 57º, n.º 3 da LAV de 2011, apresentaram alegações a requerente e o MP, ambos pugnando pela improcedência da excepção, devendo a acção ser julgada procedente.

O Tribunal da Relação, pronunciando-se sobre as questões que lhe foram colocadas, decidiu, quanto à excepção peremptória de incompetência absoluta deste Tribunal, que o Tribunal da Relação é competente para conhecer da presente acção, improcedendo a excepção. Quanto à segunda questão, (saber se a confirmação da sentença arbitral conduz, ou não, a um resultado incompatível com a ordem pública internacional portuguesa), decidiu que tal confirmação não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública internacional portuguesa e, consequentemente, julgando procedente o pedido, reconheceu a Sentença Arbitral proferida na CCI, em 7 de Março de 2005, e junta aos autos.

Inconformada, recorreu de revista a SOC. BB de Automóveis, SA, pretendendo que, na procedência do recurso, seja julgada improcedente a acção, negando-se o reconhecimento da sentença arbitral revidenda por manifesta contradição com a ordem pública internacional portuguesa. Para tanto, finaliza as alegações com as seguintes conclusões: 1ª – No presente caso concreto, está em causa uma decisão arbitral estrangeira, proferida segundo a lei espanhola, em que foi negada a indemnização de clientela reclamada pela cessação de um contrato de distribuição ou concessão comercial que se desenvolveu exclusiva ou preponderantemente em território português; 2ª – A mesma decisão, apesar de ter julgado inválida a resolução do contrato com efeitos imediatos declarada pela aqui requerente e de ter também declarado que a denúncia do mesmo contrato efectuada pela requerente com o pré – aviso de um ano só poderia ter sido feita, no caso concreto, mediante pré – aviso de dois anos, pronunciou-se no sentido de que no caso dos contratos de concessão comercial não assiste ao concessionário (no caso Importador – Distribuidor) direito a indemnização de clientela porque a mesma não está contemplada pela lei espanhola; 3ª – Está em causa uma sentença arbitral proferida em França, país que, como Portugal, é parte na Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, razão pela qual a decisão não pode contrariar a ordem pública do estado de reconhecimento (artigo V, n.º 2, alínea b) da Convenção); 4ª – O acórdão recorrido reconhece expresssamente a “divergência entre a ordem jurídica interna, que reconhece a indemnização de clientela, e a sentença arbitral estrangeira que, por força da aplicação da lei espanhola, rejeitou essa indemnização”, tal como reconhece que “as normas dos artigos 33º e 38º do DL 178/96, de 3 de Julho, têm carácter imperativo”, mas conclui que as referidas normas “integram a...

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