Acórdão nº 2009/11.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelSILVA SALAZAR
Data da Resolução07 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA instaurou em 26/09/2011 ação com processo ordinário contra BB — …, Lda., tendo posteriormente sido requerida a intervenção principal provocada, como associada à R., da Companhia de Seguros CC, S.A.

Alega sucintamente ser o dono da fração “…”, correspondente ao …° andar … do prédio sito na Av…., Lote …, …, que fica imediatamente por baixo da fração “…”, correspondente ao …º andar … do mesmo prédio, a qual pertence à R.

O A. adquiriu essa fração para sua habitação, num prédio que se encontrava no estado de novo e que se situa na zona do ..., em Lisboa. Sucede que, no dia 20 de Novembro de 2009, se verificou uma inundação na fração da R., porquanto o terminal da conduta de água de climatização do seu andar rompeu-se, ou soltou-se, permitindo que a água saísse livremente vindo depois também a inundar o andar do A.

Essa situação provocou na casa do A. um conjunto de danos materiais cuja reparação aqui pretende, sendo que os mesmos foram avaliados em €17.309,70, segundo dois peritos, e em €23.739,00, segundo um terceiro perito, conforme decorre da peritagem realizada no âmbito do processo especial de produção de prova antecipada que intentou e cuja apensação requereu.

Entretanto, cerca de um ano depois, no dia 15 de Novembro de 2010, repetiu-se o mesmo sinistro, agravando assim os danos anteriormente verificados.

Aos danos materiais causados na fração do A. acrescem ainda danos causados num violino, cuja reparação importou em €1.500,00, e em peças de roupa no valor de €1.000,00, que ficaram completamente inutilizadas, sendo atualmente a reparação devida pelo valor de €31.968,97.

Por outro lado, o A. vive com a constante preocupação de que o sinistro se volte a repetir e cause novos estragos, pretendendo também por isso ser indemnizado por danos não patrimoniais no valor de €2.500,00.

Em conformidade, concluiu pedindo a condenação da R. a colocar o andar do A. no estado de novo, isto é, naquele em que se encontrava no momento anterior ao primeiro sinistro de 20 de Novembro de 2009, mandando efetuar junto de construtor civil credenciado, e sob supervisão do A., as obras referidas na petição inicial e nos relatórios juntos pelos peritos no processo especial de produção de prova antecipada e, bem assim, a pagar uma indemnização sempre superior a €5.000,00.

Em alternativa, deveria a R. pagar ao A. a quantia de €34.198,97 e as custas processuais da presente ação declarativa e da ação de produção antecipada de prova que precedeu esta ação.

Em qualquer dos casos, pede ainda a condenação da R. no pagamento de juros de mora a contar da citação para o processo especial de produção de prova antecipada.

Citada, a R. contestou aceitando a alegada titularidade das frações e a ocorrência dos dois sinistros, mas sustentou que a fuga de água verificada na ligação do toalheiro da casa de banho terá sido provocada pela instalação sanitária comum do prédio, sendo que em ambas as situações ninguém se encontrava no interior da fração da R.

Por outro lado, para além de impugnar os alegados danos, invocou que havia transferido a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros para a Companhia de Seguros CC, S.A., cuja intervenção principal provocada requereu.

Não tendo sido deduzida qualquer resposta a esta contestação, foi proferido despacho que deferiu ao incidente de intervenção provocada da referida seguradora, como associada à R.

Citada, a seguradora interveniente confirmou a transferência para si da responsabilidade civil da R., mas excecionou que a sua cobertura estava limitada a 20% do capital seguro para o edifício, até ao limite máximo de €24.939,89 por cada período de vigência do contrato, e €4.987,98 por cada lesado. Relativamente aos sinistros, veio invocar que os mesmos não se deram por motivo imputável ao segurado, mas sim, segundo puderam apurar os seus peritos, pelo facto de ter sido acionada uma torneira que se situa no patamar comum do prédio, quando a casa da R. estaria sem ninguém no seu interior, o que permitiu que as inundações tivessem ocorrido, sem qualquer intervenção da sua segurada.

Sem prejuízo, impugnou os danos alegados na petição inicial, concluindo pela sua absolvição do pedido.

O A. replicou reafirmando que a razão de ser do sinistro foi o facto de a torneira do toalheiro da casa de banho da fração da R. se encontrar desacoplada e apresentar vício de construção ou defeito de conservação, não tendo a R. tido o cuidado devido por forma a evitar os danos que se vieram a verificar.

Para mais, sustentou ainda que, se alguém acionou a torneira de climatização, só o pode ter feito no interesse da R., considerando que a filha do gerente da R. morava na fração em causa.

Assim, sustentando que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, concluiu nos mesmos termos da petição inicial.

Findos os articulados e dispensada a realização de audiência preliminar, veio a ser proferido despacho saneador, que decidiu não haver exceções dilatórias nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração dos factos desde logo considerados assentes e a elaboração da base instrutória, não tendo havido reclamações.

Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto sujeita a instrução também sem qualquer reclamação.

A final, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação improcedente e absolver as R.R. de todos os pedidos.

Inconformado, o Autor interpôs recurso, sem êxito, uma vez que a Relação, por unanimidade, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença da 1ª instância.

Do acórdão que assim decidiu interpôs o autor a presente revista, como excecional, com base em contradição de julgados, a qual foi admitida pela formação de apreciação preliminar, referindo ele que “a questão de direito em debate nos presentes autos no sentido de saber se a ré é a responsável pelos danos causados na esfera patrimonial do autor desdobra-se na análise e aplicação do instituto da responsabilidade civil não contratual, de maior importância no direito, com focalização em dois pontos: i) a aplicação das normas que se extraem dos artigos 492º e 493º do Código Civil e ii) o nexo de causalidade”. E acrescenta: «Com base na análise destes temas, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação por considerar que a causa dos danos ocorridos na esfera patrimonial do autor “foram causados exclusivamente pela atuação pontual e injustificada de um terceiro”… “Se não fosse a conduta pontual e injustificada de um terceiro ao abrir a referida torneira, jamais se teriam verificado os alegados danos na fração do ora Apelante” (citações retiradas do acórdão recorrido).» Termina as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A ré, com culpa, que no caso concreto se presume mas que igualmente ficou provada, violou ilicitamente os direitos morais e de propriedade do autor e as disposições legais dos artigos 483, 492, 493 e 496 do Código Civil.

2. O direito português consagra no artigo 563 do Código Civil a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus Nipperdey.

3. Por isso, o nexo de causalidade não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indireta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano.

4. A causa adequada e jurídica dos danos sofridos pelo autor foi o facto de existir uma torneira avariada na fração da ré e os equipamentos de radiação no interior da fração da ré mostravam-se desacoplados e/ou desapertados das paredes, o que motivou que a água proveniente daquela estrutura passasse a jorrar para o chão aleatoriamente.

5. Não foi a ação de um terceiro desconhecido, conforme refere o acórdão recorrido.

6. O comportamento omissivo da ré, ilícito e culposo, traduziu-se em não ter em bom estado de conservação a canalização da sua fração, em violação das normas de direito dos artigos 492 e 493 do Código Civil e permitindo que por duas vezes a mesma fosse causa adequada a duas inundações no andar do autor.

7. O autor provou o dano e, bem assim, o nexo causal entre a conduta da ré e o mesmo dano, demonstrando que o dano que ficou provado nos autos - seja ele moral ou patrimonial - é consequência jurídica da omissão do referido dever de conduta em não ter em bom estado de conservação a canalização da sua fração.

8. Subsidiariamente, sempre seria abusiva a conduta da ré que omitiu o dever de adoção de medidas destinadas a evitar o perigo que a sua fração [onde se encontra uma torneira avariada e equipamentos de radiação desacoplados e/ou desapertados das paredes (o que motivou que a água proveniente daquela estrutura passasse a jorrar para o chão aleatoriamente)] fosse objetivamente causa de danos na esfera jurídica do autor. E por ser abusiva e geradora de responsabilidade civil.

9. Pelo que a ação deveria ter sido julgada inteiramente provada e procedente e a ré e a chamada companhia de seguros, condenadas no pedido.

10. Ao julgar de outro modo, o Tribunal a quo fez uma má interpretação das normas de direito referidas na presente peça processual e ainda nas normas que se retiram dos artigos 334, 483, 486, 492, 493, 496, 562 e 563, todos do Código Civil.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a procedência da ação, com a condenação da ré e da chamada companhia de seguros no pedido.

Em contra alegações, a CC pugnou pela negação da revista.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos dados por assentes pelas instâncias são os seguintes: 1) Pela inscrição emergente da ap. 26/2008/10/29, mostra-se registada a favor do A. a aquisição por compra da fração autónoma designada pelas letras “…”, correspondente ao …° andar …, lado A, do prédio sito na Avenida …, lote …, …, em Lisboa, inscrito na...

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