Acórdão nº 4028/10.4TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA, por si e na qualidade de representante legal dos menores BB, CC e DD, intentou a presente acção com processo especial para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra EE – Companhia de Seguros, S.A., e FF – ..., Lda., pedindo a condenação das RR, na proporção das respectivas responsabilidades, no pagamento de uma pensão anual, a cada uma das AA., da quantia de € 583,57, a título de indemnização pelo período de incapacidades temporárias, da quantia de € 5.400,00, referente a subsídio por morte e da quantia de € 1.800,00, relativa a despesas com funeral.
Invocou como fundamento da sua pretensão que: - o seu marido e pai das menores, GG, era trabalhador da 2.ª R, tendo sofrido um acidente de trabalho em 29 de Julho de 2009; - deste acidente veio a resultar a morte do trabalhador; - a 2.ª R havia transferido, parcialmente, para a 1.ª R. a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho.
A acção prosseguiu seus termos, sendo contestada pela Ré seguradora que alegou, em síntese, que inexiste nexo de causalidade entre as lesões provocadas pelo acidente e a morte do sinistrado.
O INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. veio pedir o reembolso de prestações pagas às Autoras, pedido que foi contestado pela Ré Seguradora.
A acção veio a ser decidida por sentença de 12 de Fevereiro de 2014, que a julgou improcedente.
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram as Autoras recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal, tendo integrado nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «I. As RR. não lograram provar, e não poderiam porque nem sequer alegaram, a ocorrência de qualquer evento ou circunstância que pudesse ter interferido no processo de causalidade e que pudesse afastar a presunção legal constante nos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, ou a forte probabilidade referida no relatório pericial, pelo que o douto Tribunal a quo, salvo melhor opinião, não poderia apartar-se da presunção legal e deixar de enquadrar os factos provados descritos no pontos 16 a 18 da matéria provada como sendo, eles mesmos, um acidente de trabalho ou pelo menos consequência de acidente de trabalho, só assim respeitando o preceituado nos artigos 9.º e 10.º da Lei n. ° 98/2009, de 4 de Setembro.
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Por outro lado, o artigo 11.° estende o direito à reparação nos casos em que " 5 - (...) a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento subsequente a um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento." III. Atentos aos factos dados por provados nos pontos 13, 15, 16 a 18, 20 a 22 muito se estranha a conclusão a que chegou o douto tribunal a quo, tanto mais quando o próprio tribunal afirma que habitualmente os coágulos são libertados na corrente sanguínea até 3 meses após o acidente, pois, como é bom de ver, o facto descrito no ponto 18 teve lugar precisamente no espaço de três meses e meio desde o início das sessões de fisioterapia (início de Novembro até 15 Fevereiro), parece-nos que o mesmo cai necessariamente dentro do que é "habitual" e temporalmente adequado (somando-se aos demais pressupostos causais de uma embolia pulmonar enunciados pelos peritos nos seus esclarecimentos e que também se verificaram no presente caso), reforçando a tese de que o facto descrito no ponto 18 é, ele mesmo um acidente de trabalho ou pelo menos consequência do acidente, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
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Assim, não tendo sido ilididas, pelas RR. as presunções legais resultantes das disposições supra referidas, o douto tribunal, com o devido respeito, andou mal ao considerar como não provado o nexo causal ao arrepio do disposto e da ratio dessas mesmas disposições, interpretando e aplicando erradamente as disposições dos artigos 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.
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No presente caso não são conhecidas nem se registaram quaisquer circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que tenham interferido no processo de causalidade, pelo que, como afirmaram os peritos Dr. HH e o Dr. II, não sendo conhecidas quaisquer outras causas/circunstâncias (atentos quadro clínico do Sinistrado), a flebotrombose que provocou a embolia pulmonar a qual, como causa natural, lhe provocou a morte (facto 18), muito provavelmente, teve como causa o traumatismo que o sinistrado sofreu (facto 8, já caracterizado como acidente de trabalho) e consequente cirurgia ortopédica com a imobilização do membro afectado.
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Face ao relatório pericial e depoimentos prestados pelos peritos, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, o douto Tribunal conclui, e bem, que: "Muito provavelmente o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos. (facto 20)"; "formados os coágulos a que se refere o ponto anterior, o tratamento de fisioterapia que provocou a mobilização progressiva da perna do sinistrado, teve como consequência a sua activação sanguínea, fazendo com que os coágulos se libertassem, (facto 21)"; "Coágulos que, ao entrarem na circulação, foram alojar- ‑se nos pulmões, provocando a embolia pulmonar referida em 18, supra, (facto 22); VII. Com o devido respeito que é muito pelo douto tribunal a quo, muito se estranha a sentença aqui proferida porquanto, ao arrepio da ratio do disposto no artigo 563.º do CC (que preconiza a teoria da causalidade adequada), fez improceder totalmente a presente acção por não conseguir obter uma certeza absoluta, uma confirmação sem margem para duvidas, de que a embolia pulmonar tenha sido provocada pela fractura ou tenha surgido na consequência dos respectivos tratamentos de que o sinistrado foi alvo, não se bastando com a forte probabilidade ou seja a adequacão desta causa ao efeito morte.
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Assim somos a concluir que andou mal o douto tribunal a quo ao proferir a sentença ora em recurso com base numa errada interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil.» Termina pedindo a procedência do recurso e que seja «em consequência, revogada a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e substituída por outra que julgue a acção procedente por provada e condene as Recorridas na totalidade dos pedidos.
A Ré Seguradora respondeu ao recurso interposto pelas Autoras integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «A) GG exercia as funções de armador de ferro – Of. de 2.ª - e todas as funções da sua especialidade ou quaisquer outras desde que fossem compatíveis com a sua qualificação profissional, por força de contrato de trabalho celebrado com a 2.ª R - FF - ..., Ld.ª; B) No âmbito desse contrato, o trabalhador foi cedido à empresa JJ ¬ Construções, Lda., prestando os seus serviços na obra “KK, Lotes 1.06.1.4 e 1.06.1.3", sita no Parque ...; C) Em Julho de 2009, o trabalhador auferia a retribuição de Euros 492,00 x 14 meses (salário base) e Euros 6,17 x 22 dias x 11 meses (subsídio de alimentação), o que perfaz a remuneração anual de Euros 8.381,14; D) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 10/115106, do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de riscos traumatológicos-seguro completo, encontrava-se transferida para a 1.ª R. EE - Companhia de Seguros, S.A. a responsabilidade da 2.ª R. por sinistros dessa natureza, pelo montante, no que concerne ao trabalhador supra-identificado, correspondente ao salário base - Euros 492,00 x 14 meses; E) No dia 29 de Julho de 2009, pelas 11 horas, no local da obra supra-indicada, o trabalhador encontrava-se a montar um pilar de betão em cavaletes e, ao pousá-lo no chão, o mesmo tombou e caiu sobre a sua perna esquerda, fracturando a tíbia; F) Na sequência do acidente, o sinistrado foi encaminhado de urgência para o Hospital Curry Cabral e daí foi transferido para o Hospital Fernando Fonseca, onde foi assistido; G) Foi submetido a cirurgia para encavilhamento da tíbia, tendo ficado internado no Hospital Fernando Fonseca de 29/07/2009 a 06/08/2009, data em que teve alta; H) O sinistrado saiu do hospital com a perna engessada e com a prescrição de marcha com canadianas sem apoiar a perna operada, vendo-se forçado a manter a perna imobilizada; I) Após a alta médica do hospital, o sinistrado foi acompanhado pela seguradora; J) Desde a data da alta até ao início dos tratamentos de fisioterapia, o sinistrado manteve a sua perna totalmente imobilizada; K) O sinistrado encontrou-se totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente; L) Os tratamentos de fisioterapia tiveram início cerca de três meses após o acidente; M) No dia 15 de Fevereiro de 2010, durante uma sessão de tratamento, o sinistrado sentiu-se mal, com dificuldades respiratórias; N) Foi assistido pela médica da clínica, bombeiros de Barcarena e INEM, que efectuaram manobras de SAV durante 45 minutos, no entanto sem sucesso, tendo sido verificado o óbito momentos a seguir na clínica; O) Realizada autópsia, foi apurado que o sinistrado sofreu uma flebotrombose femural esquerda e uma embolia pulmonar, o que, como causa natural, lhe provocou a morte; P) A Ré, ora Recorrida, não questiona a existência do acidente dos autos, e que o mesmo é de trabalho, conforme assumido em sede de contestação; Q) Mais, em consequência do evento dos autos, a ora Ré, ora Recorrida, procedeu ao acompanhamento clínico do sinistrado GG, tendo, inclusivamente, pago as despesas decorrentes desse acompanhamento; R) No entanto, e quanto ao nexo de causalidade entre as lesões sofridas e a morte do sinistrado, GG, a Ré, ora Recorrida, concorda com a motivação depositada na douta sentença proferida; S) Ora, refere o douto Tribunal a quo que "importa apreciar se existe o indispensável nexo de causalidade entre as lesões provocadas pelo acidente de trabalho e o evento «morte». É que apenas se resultar provado que a morte do...
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