Acórdão nº 32/13.9JDLSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 30 de Outubro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, mediante acórdão de 07.11.2013, proferido pelo Tribunal Judicial da Camarca de Nisa, foi condenado, como autor (material) o arguido AA, pela prática de - um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo art. 131.º, do Código Penal (CP), e agravado por força do art. 86.º, n.º 1, al. c) e n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro Com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de setembro, n.º 17/2009, de 6 de maio, n.º 26/2010, de 30 de agosto, n.º 12/2001, de 27 de abril e n.º 50/2013, de 24 de julho., na pena de prisão de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses, e - um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido no art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
- em cúmulo jurídico, na pena única conjunta de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão.
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Inconformado com a decisão proferida, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, a 22.07.2014, decidiu “negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a decisão recorrida”.
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É desta última decisão que agora o arguido vem recorrer para este Supremo Tribunal (ao abrigo dos arts. 432.º, do Código de Processo Penal (CPP), apresentando as seguintes conclusões: «1. O douto acórdão recorrido fez errada aplicação do direito ao autonomizar o crime de detenção de arma proibida p.p.pelo artigo 86°, número 1, alínea c) da Lei 5/2006, 23 Fev. em conjugação com a circunstância agravante do número 3 do mesmo preceito; 2. A utilização de arma ilegal constituindo circunstância agravante por força do número 3 do citado precito não pode dar lugar à condenação por novo crime (detenção de arma ilegal) p.p.Artigo 86°, n° 1 Lei 5/2003, 23 Fev. porquanto não se trata de um concurso efectivo de crimes, mas outrossim de um concurso aparente ( homicídio e detenção de arma ilegal); 3. Pelo que o Arguido deve ser absolvido do crime de detenção de arma proibida p.p.artigo 86°, n° 1 alínea c) que o condenou na pena de 18 meses de prisão; 4. A pena aplicada de 15 (quinze anos) e 6 (seis) meses de prisão é excessiva e desproporcional face à matéria de facto efectivamente dada como provada em sede de audiência de discussão e julgamento e à moldura penal concretamente aplicável, em violação do disposto no Artigo 18° da C.R.P.; 5. A pena aplicada ao Arguido pela prática do crime de homicídio desconsidera factores favoráveis como sejam, a boa inserção do Arguido, a conduta e comportamento ao logo do processo, a ausência de intenção de matar e o pedido de desculpas formulado à família da vitima, para ao invés dar especial relevância, com prejuízo para o Arguido, os antecedentes criminais registados, o recurso a arma de fogo e à necessidade de prevenção geral sentida no seio da comunidade; 6. Pelo que o douto acórdão deve ser, nesta parte, revogado e substituído por outro que tenha em devida conta as circunstâncias atenuantes supra referidas em conformidade com o disposto nos Artigos 71° e 40° número 2 do C.P., alterando-se necessária e consequentemente a medida da pena aplicada, aproximando-a do limite mínimo (agravado de 1/3) face à moldura penal concretamente aplicável, em conformidade com o principio da proporcionalidade p.p. Artigo 18°C.R.P.
Termos em que e nos mais de Direito que V. Ex.as. muito doutamente suprirão, face ao exposto, deve o douto acórdão, ora Recorrido ser revogado, absolvendo-se consequentemente o Recorrente da pratica do crime de detenção de arma proibida p.p. pelo Artigo 86º, n° 1 alínea c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 18 meses de prisão; Mais deve a medida concreta da pena aplicada ao arguido pela prática de um crime de homicídio p.p. Artigo 131º do Código Penal, agravada por força do disposto no n° 3 do Artigo 86° da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, ser revogada e substituída por outra que sanando os vícios identificados e aproximando-se dos limites mínimos concretamente aplicáveis se mostre justa e adequada, assim fazendo V.Exas. a devida e esperada Justiça!» 3.
A Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Évora apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, tendo formulado as seguintes conclusões: «1.º - Douto Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 22 de Abril de 2014 decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido 2.º - Deste Acórdão o Recorrente/Arguido novamente interpôs Recursos, desta feita para esse Alto Supremo Tribunal de Justiça, sendo o mesmo admitido.
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- Entende o Recorrente que não devia autonomizar-se o crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86°, número 1, alínea c) da Lei 5/2006, 23 Fev. em conjugação com a circunstância agravante do número 3 do mesmo preceito, porém, 4.º - Nos crimes cometidos com arma de fogo, a circunstância modificativa agravante prevista no n° 3 do art° 86° da Lei n° 5/2006 de 23/02 (com as alterações da Lei 17/2009, de 6.05) opera ope legis, agravando de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr a agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.
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- Atendendo ao n° 4 do mesmo preceito, esta agravação ocorre, quer o agente seja ou não punido pelo crime de detenção de arma proibida, pelo que 6.º - No caso vertente, o arguido foi bem condenado pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131° do Código Penal, agravado por força do disposto no artigo 86°, n° 1, ai c) e n° 3 da Lei n° 5/2006, de 23/02, na redação que lhe foi conferida pela Lei n° 12/2011, de 27/04, em concurso efectivo com um crime de detenção de arma proibida, artigo 86°, n° 1, al. c) e n° 3 da Lei n° 5/2006, de 23/02, na redação que lhe foi conferida pela Lei n° 12/2011, de 27/04.
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- Considerando os factos provados, não podemos deixar de concluir: Nenhuma censura nos merece, pois, a pena aplicada pelo crime de homicídio.
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- O douto Acórdão recorrido não merece censura, pelo que deve ser confirmado uma vez que não desrespeitou qualquer preceito legal.» 4.
Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, usando a faculdade prevista no n.º 1 do art. 416.º do CPP, colocou o visto acompanhado do seguinte “nada a acrescentar ao entendimento expresso pelo Ministério Público a fls. 659 e ss”.
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Notificado, o arguido nada disse.
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Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.
II Fundamentação A. Matéria de facto provada: 1.
Matéria de facto dada como provada: 1-No dia 15 de Janeiro de 2013, cerca das 19h30, o arguido AA dirigia-se à residência da sua avó, sita na rua ..., em ...., quando, no cruzamento desta rua com a rua ...., se cruzou com BB que então vivia em comunhão de cama, mesa e habitação com CC, na dita rua de....
2- O arguido e CC mantiveram uma relação de namoro há dois anos, na sequência da qual nasceu em 22 de dezembro de 2011, DD, tendo a paternidade relativamente à menor sido averbada no seu assento de nascimento em 26 de abril do corrente ano de 2013.
3- No momento em que o arguido se cruzou com BB, iniciaram uma discussão, de conteúdo que não logrou ser totalmente apurado, mas em cujo decurso foi aflorada a questão da paternidade de DD.
4- No decurso da discussão, BB agrediu fisicamente o ora arguido, empurrando-o e desferindo-lhe murros sobre o seu corpo, nomeadamente, na zona da face.
5- Então, o arguido, quando se encontrava entre 1 a 2m de BB, empunhou uma pistola de calibre 6.35mm, com as inscrições “STAR trade mark” “B.Echeverria – Eibar – España – 712764”, classe B1, propriedade de EE, e efetuou sete disparos na direção daquele, atingindo-o, com quatro projéteis, na região cervical lateral à esquerda, na face lateral da região terço média da coxa esquerda, na face posterior junto ao joelho direito e na região glútea do lado direito, após o que abandonou o local.
6- Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, veio BB a falecer pelas 21h45 no Hospital ...., em..., para onde foi transportado em virtude dos ferimentos sofridos.
7- A morte do referido BB deveu-se a traumatismo cervical por arma de fogo provocado por um dos projéteis da arma disparada pelo arguido, e que em concreto foi disparado da esquerda para a direita e com uma ligeira inclinação de cima para baixo, que penetrou a face lateral esquerda do pescoço, atravessou os tecidos moles imediatamente atrás da parede torácica e perfurou a porção inicial da traqueia imediatamente abaixo da epiglote com consequente entrada de sangue para a árvore respiratória, vindo a alojar-se nos músculos peitorais direitos.
8- O arguido agiu com o propósito concretizado de tirar a vida a BB, tendo perfeito conhecimento e consciência de que ao disparar uma arma de fogo à sobredita distância e direcionada às zonas do corpo atingidas, nomeadamente ao pescoço - que aloja vasos sanguíneos essenciais à vida – conseguia alcançar tal objetivo.
9- Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, tinha o arguido na sua posse, além da acima aludida arma de fogo, dezassete munições de calibre 6.35mm.
10- O arguido tinha na sua posse a arma e as munições acima referidas sem que para tal estivesse autorizado, não se coibindo de as manter na sua posse mesmo sabendo que tal não lhe era permitido por lei.
11- O arguido agiu em todas as circunstâncias descritas sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
12- O arguido prestou serviço militar, onde aprendeu a manusear armas de fogo, 13- AA nasceu em ... e é o segundo de três filhos de um casal de progenitores de condição socioeconómica e cultural favorável. Os pais sempre desenvolveram atividades profissionais estáveis e regulares; o pai após ter sido professor, transitou para chefe de serviços...
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