Acórdão nº 1837/10.8TBCTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução21 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: “AA” e “BB” propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, seja reconhecida a validade e eficácia do testamento, outorgado por DD, em 15 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de Castelo Branco [1] e sejam declarados nulos e de nenhum efeito os registos efectuados, a favor da ré, dos prédios descritos em 41º da petição inicial, emitindo-se a respetiva certidão que permita o seu cancelamento [2].

Com vista a alcançar a finalidade visada com a ação, as autoras alegam, em síntese, que tendo o aludido DD falecido, em 17 de Agosto de 2010, outorgou o mesmo um testamento, em que instituiu vários legatários, sendo que nele, também, nomeou herdeira do remanescente dos seus bens a “associação a constituir, com a denominação BB”, com sede na ..., ..., Castelo Branco, desde que tal herdeira lhe prestasse toda a assistência de que necessitasse enquanto vivo.

Embora o autor AA tivesse, então, já iniciado a construção do edifício, onde se instalaria o BB, sempre se disponibilizou a prestar ao testador todos os cuidados e assistência que este solicitasse, o que aconteceu, esporadicamente.

A autora BB foi, efectivamente, constituída, em 18 de Outubro de 2010, por não ter sido autorizada a denominação “BB”, pelo que com a concretização da prestação de cuidados ao falecido DD e a construção do aludido lar, estão preenchidos os factos requeridos pelo testador.

A ré foi habilitada como única herdeira legítima do aludido DD, sob a falsa invocação do não cumprimento da condição imposta no testamento e, com base nessa habilitação, a mesma procedeu ao registo, em seu nome, da aquisição, por via hereditária, dos bens que eram pertença do falecido, sendo certo que estes registos são nulos, porquanto se encontram suportados por um título que não é válido.

Na contestação, a ré excepciona a ilegitimidade do autor AA, porquanto já existia, à data do testamento, e o testador, sabendo-o, não o instituiu logo como seu herdeiro, e a falta de capacidade sucessória da autora BB, uma vez que só veio a constituir-se, após a morte do testador.

Porém, a entender-se, de outro modo, a ré invoca que, pelo menos, não foi cumprida a condição estabelecida no testamento, pois não só a “associação a constituir” nunca se constituiu, em vida do testador, como nunca lhe prestou a requerida assistência em vida, cuidados que sempre foram, exclusivamente, prestados pelo Lar ..., onde, de resto, o mesmo viria a falecer, concluindo pela improcedência de todos os pedidos formulados e com a invalidade da habilitação da autora BB.

Na réplica, os autores refutam as exceções aduzidas, reiterando a factualidade já explicitada, na petição inicial, e concluindo da mesma forma.

No saneador, declarou-se o autor AA parte legítima, e, a final, a sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, por, parcialmente, provada, declarando-se válido o testamento efectuado por DD, em 15 de Dezembro de 2009, e absolvendo-se a ré do demais peticionado.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando, em parte, a sentença e, em função disso, julgou a acção improcedente, por não provada, relativamente ao autor AA, absolvendo-se a ré dos pedidos por ela formulados [A] e, procedente por provada, relativamente à autora BB, pelo que condenou a ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento, aludido em 2, 3 e 4 dos factos provados, e, nomeadamente, a reconhecer a referida segunda autora como única herdeira, aí instituída, do remanescente dos bens do falecido DD, ordenando-se o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da ré, com base na escritura de habilitação de herdeiros, a que se reporta o nº 11 dos factos provados [B].

Do acórdão da Relação de Coimbra, a ré interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue improcedente o pedido formulado pela autora BB, confirmando a decisão proferida pela 1ª Instância, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª – É pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que na interpretação dos testamentos, como é o caso nos presentes Autos, a vontade real do testador deve aferir-se, atento o disposto no artigo 2187º do Código Civil, em função do contexto do testamento e da prova complementar, sendo que esta não pode ser atendida se as conclusões obtidas por essa via não tiverem um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso no texto do testamento.

  1. - Nos Autos está provado que, não só que na data em que o Testamento foi outorgado, o Testador já necessitava de cuidados e tratamentos que recebia no Lar … em ..., como mais ficou provado que as obras que o mesmo pretenderia fossem feitas para a construção do lar que ele desejava frequentar tinham já sido iniciadas pela aqui 1ª Autora, entidade que o mesmo bem conhecia, como ficou provado.

  2. - Mais ficou provado que do Testamento não consta a vontade de o Testador instituir como herdeira a 1ª Autora.

  3. - Pelo que, é certo que o Testador não poderia querer beneficiar com a deixa Testamentária que introduziu no Testamento em causa nos presentes Autos a obra, ou o referido edifício, cuja construção foi iniciada por aquela, pois se assim fosse por certo teria instituído como herdeira a Associação já existente, que ele bem sabia tinha iniciado a construção de um edifício com o objetivo de nele instalar um lar de terceira idade para prestar nomeadamente alojamento aos respetivos utentes.

  4. - Acresce que, as mesmas pessoas que integram os órgãos diretivos da 1ª Autora, são os que integram os órgãos diretivos da 2ª Autora; 6ª - Mais se verificando que a 2ª Autora não tem a denominação exigida de forma clara e expressa pelo Testador na deixa testamentária.

  5. - É pois manifesto que a 2ª Autora, que tem como órgãos as mesmas pessoas que a 1ª Autora, e tem sede no edifício que a mesma estava a construir já em vida do Testador, e não tem a denominação indicada expressamente no testamento, não é nem pode ser a beneficiária que o Testador quis instituir como sua herdeira no Testamento em causa nos presentes Autos.

  6. - Na esteira do que vem sendo dito, impõe-se referir que é pacificamente aceite na Jurisprudência que é, necessariamente, "objecto de exclusão aquela interpretação que não recolha um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, no conteúdo formal do documento lavrado" - cfr. Ac. STJ, in www.dgsi.pt, 12.01.2010, Proc. 33/08.9YRGMR.S1.

  7. - Acresce ainda o aresto proferido no proc. 259/10.5TBESP.PI.SI, do STJ, que refere expressamente que, "A/o interpretação do testamento vale a vontade querida pelo testador, apenas com a limitação da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa no contexto do testamento, exigida pela sua natureza formal.

    Essa interpretação, de cariz subjetivista, a refletir o sentido atribuído à declaração pelo respetivo autor, deve ser acolhida reportada ao tempo da elaboração e aprovação do texto, mas sem desprezar a globalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura.

    Esgotado o processo interpretativo, as declarações negociais do testador não podem ser objeto de integração, por ampliação, se a cláusula não prevista corresponder a uma adição de previsão factual que não encontra correspondência na vontade expressa no contexto do testamento." 10ª - Atento o que, é manifesto que a 2ª Autora não é, nem pode ser a Entidade referida pelo Testador na Disposição Testamentária em causa nos presentes Autos, devendo em consequência ser julgado totalmente improcedente, por não provado o pedido relativamente à 2ª Autora, absolvendo-se a Ré, aqui Recorrente dos pedidos por ela formulados.

    SEM CONCEDER, 11ª - No Acórdão ora em crise foi entendido que a disposição Testamentária em apreço não é uma condição em sentido próprio, mas, antes, um encargo ou modo, traduzido como uma conduta específica a preencher pelo já herdeiro de pleno direito.

  8. - Sucede que a 2.

    a A., tal como resulta inequivocamente provado, apenas foi constituída vários meses após a morte do Testador, verificando-se neste intervalo de tempo um hiato em que o remanescente da herança por ele deixado se encontra num vácuo legalmente inadmissível, já que não se enquadra em nenhuma das situações que a lei contempla com a capacidade sucessória.

  9. - Situação que se mantinha à data em que foi outorgada a habilitação de herdeiros a favor da Ré, aqui Recorrente.

  10. - Se a intenção do Testador fosse, QUE NÃO FOI, estipular uma condição realizável após o respetivo falecimento, ou até nem estipulasse nenhuma condição e apenas instituísse herdeira do remanescente a "associação a constituir", estaríamos perante uma situação análoga à sucessão dos concepturos, esta sim, legalmente prevista e tutelada.

  11. - Mas, nesta hipótese o Testador teria que o ter declarado na disposição Testamentária - O QUE NÃO FEZ - que pretendia, após a morte, ver o seu património afeto à constituição da dita entidade jurídica e, nomeando a associação constituída herdeira do remanescente, impor-lhe-ia um encargo que ela cumpriria ou não, mas mantendo sempre a qualidade de herdeira instituída.

  12. - Ora, não se afigura à Recorrente que este fosse o desígnio, e muito menos a vontade do Testador, pois consta de forma clara e expressa do Testamento que ele condicionou a instituição de herdeiro a uma associação que ele queria fosse constituída em sua vida para que lhe prestasse a assistência e os cuidados indicados, facto que não pode ser derrogado pela eventual prova testemunhal produzida, atentas as regras de interpretação do Testamento, que limitam a "pretensa" vontade real, impondo que a mesma não é suscetível de derrogar a vontade do...

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