Acórdão nº 294/11.6T2ILH.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução02 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 29 de Abril de 2011, AA intentou uma acção contra BB – Indústria de Mobiliários. SA, de quem foi trabalhador e gerente, pedindo: a declaração de nulidade, por falta de forma, do contrato de mútuo entre ambos celebrado em 1997, no montante de € 17.457,93; a restituição dessa quantia; a condenação da ré no pagamento de € 12.220,59 de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até integral restituição.

A ré contestou, em 23 de Maio de 2001. Invocou ter já pago parte da dívida, € 2.628,69, negou serem devidos juros até à citação, por se encontrar de boa fé, invocou a prescrição dos juros vencidos “para além dos últimos cinco anos” e opôs a compensação com um crédito sobre o autor, no montante de € 42.845,78, “soma de vários empréstimos que a ré efectuou ao autor entre Fevereiro de 1995 e Março de 2003, inclusive”, correspondentes ao pagamento das prestações mensais de um empréstimo contraído juntos da Caixa CC, para aquisição de uma fracção autónoma de um determinado prédio, identificado nos autos. Disse ainda que em 10 de Novembro de 1995 acordaram que a restituição se faria através da transmissão da titularidade da referida fracção; mas que o autor nada cumpriu, apesar de interpelado por carta de 15 de Abril de 2003. Subsidiariamente, a ré pediu que “mesmo que a título de enriquecimento sem causa, o que se invoca, sempre estaria o autor obrigado a restituir à ré as quantias” que somam € 42.845,78, que discrimina. Diz ainda que o autor lhe deve € 13.856,21 de juros de mora vencidos.

Em reconvenção, pediu a condenação do autor no pagamento do excesso do seu contra-crédito.

Em 16 de Junho de 2011, o autor replicou. Interessa agora especialmente ter em conta que veio alegar que a fracção autónoma em causa fora comprada em seu nome (à data, era administrador da ré) e de sua mulher, que contraíram empréstimo junto da Caixa CC para o efeito, garantido por hipoteca, porque a ré não conseguiu obter o empréstimo que solicitou; que ficou acordado que as prestações do empréstimo seriam pagas pela ré; que assim sucedeu entre Fevereiro de 1995 e Março de 2003; que efectivamente acordaram que o autor “se prontificava a vender à ré”, ou a quem esta indicasse, a fracção, passando o então adquirente a pagar as prestações, junto da Caixa CC; que, portanto, nunca se obrigou a restituir quaisquer quantias; que “está, como sempre esteve, disposto” a “vender à R. ou a quem ela indicasse o apartamento referido (…)”, mas que “nunca foi para tal interpelado”, pois “recebeu uma carta da ré, datada de 15/04/2003 (…), não para proceder à transmissão do referido imóvel, como falsamente alega, mas sim para outorgar (a favor de …) uma procuração para vender o mesmo”.

Disse ainda que o depósito das quantias que a ré entregou para pagamento das prestações do empréstimo correspondeu ao cumprimento de uma obrigação natural, não podendo ser repetido; que não deve juros nenhuns; mas que, à cautela, invocava a respectiva prescrição. Referiu ainda uma reunião de 21 de Junho de 2000, na qual se acordou no valor em dívida nesse momento; afirmou que a ré litigava de má fé e pediu a sua condenação em multa e indemnização, concluindo que deve ser absolvido do pedido reconvencional e que a acção deve proceder.

Houve tréplica.

No saneador, julgaram-se prescritos “os juros anteriores aos 5 anos que precederam a citação, isto é, os juros anteriores a 4.5.06, de cujo pedido a ré é absolvida (…)”; e igualmente “prescritos os juros anteriores aos 5 anos que precederam a notificação do pedido reconvencional, isto é, os juros anteriores a 27.5.06, sendo o A./reconvindo absolvido do pedido reconvenional nesta parte (…).

A acção e a reconvenção foram julgadas parcialmente procedentes, pela sentença de fls. 305, de 17 de Abril de 2013: – O autor foi condenado “a pagar/restituir à ré a importância de 25.387,85 € (…), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido reconvenional até integral pagamento”; – A ré foi condenada no pagamento de “juros moratórios ao autor, à taxa legal, vencidos sobre” € 17.457,93 “no período que medeia entre a citação da ré e a notificação ao autor da contestação”.

Para o efeito, entendeu-se na sentença que as partes tinham celebrado entre si vários contratos de mútuo inválidos por falta de forma, salvo, no que respeita aos mútuos concedidos ao autor, quanto aos que são posteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 343/98, de 6 de Novembro e cujo valor não excede os € 2.000,00; que, sejam nulos, sejam válidos os mútuos, sempre existirá a obrigação de restituição; que procedem a compensação oposta pela ré e o pedido de condenação do autor no excesso; que os juros devidos em consequência da declaração de nulidade se contam apenas, quanto aos que são devidos pela ré, pelo “período que medeia entre a citação da ré – data em que ocorre a interpelação – e a notificação da contestação”.

A sentença, todavia, acrescentou a seguinte consideração, a propósito dos “vários empréstimos”: que eles “surgem num contexto muito específico, pois o que estava em causa, inicialmente, era uma operação de financiamento, intervindo o autor e outro membro da empresa ora ré na aquisição dos imóveis que se destinavam a saldar um crédito sobre a sociedade que os construiu. Certo é que a situação foi-se consolidando ao longo do tempo, não tendo sido transferida a propriedade do imóvel – que permanece na titularidade do autor – nem satisfeito o débito que esteve na origem da referida operação, não existindo, por isso, razões justificativas para que as verbas adiantadas não sejam devolvidas por parte de quem as recebeu – o autor – sob pena de enriquecimento sem causa – art. 473º do Código Civil – dado que o património do mesmo foi aumentado à custa do empobrecimento (diminuição) do património da ré, que satisfez as respectivas prestações decorrentes da concessão de crédito solicitada pelo autor na Caixa CC”.

Rejeitou, ainda, que estivesse em causa qualquer obrigação natural, por parte da ré; e observou que a prova de que as partes acordaram em que a restituição à ré das quantias por esta emprestadas “seria efectuada através da transmissão da titularidade (…) da fracção (…) “faz(…) inculcar a ideia que as partes tiveram em vista ou uma promessa de dação em cumprimento (… ) ou uma novação (…), sendo certo, no entanto, que em nenhuma dos casos o negócio se mostra cumprido, pelo que permanece incólume a obrigação inicial – restituição decorrente do mútuo ou da nulidade do mesmo –, quanto mais não seja por perda do interesse do credor – neste caso a ré – na respectiva prestação – artº 808º, nº 1, do Código Civil”.

  1. Em 28 de Maio de 2013, o autor recorreu para a Relação e apresentou alegações nas quais, por entre o mais, insistiu em que nunca a ré lhe tinha emprestado dinheiro, “ficando ele obrigado a restituir outro tanto” (fls 336): “Em suma, não pode ser considerado um contrato de mútuo, aquele contrato mediante o qual uma das partes se obriga a liquidar as amortizações de um empréstimo bancário contraído para aquisição de um imóvel, obrigando-se a outra parte a vender-lhe ou a quem ela indicar o imóvel objecto do referido empréstimo” fls. 337). Vir a parte que se obrigou a liquidar as referidas amortizações, mais tarde exigir de outra a restituição dos montantes prestados, sem que nunca interpele a mesma para proceder à venda do imóvel como havia ficado acordado, constitui litigância de má-fé por parte daquela” Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 393, de 14 de Janeiro de 2014, a sentença foi revogada. O autor foi absolvido do pedido reconvencional e a ré foi condenada a pagar-lhe a quantia de € 17.457,93, com juros contados desde a citação.

    Em síntese, a Relação, alterando alguns pontos da decisão de facto, considerou que a ré não tinha conseguido fazer prova do contrato de mútuo que invocara: «Ora, vista a factualidade apurada nos autos (…), facilmente se conclui que a reconvinte não logrou fazer prova da existência do invocado vínculo contratual. Com efeito, independentemente da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a reconvinte e o autor reconvindo, tal como emerge da factualidade apurada – afigurando-se ter aquele actuado como “figura de...

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