Acórdão nº 457/12.7PBBJA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução16 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 457/12.7PBBJA, do Círculo Judicial de Beja, por acórdão de 15/11/2013, foi decidido, quanto à acção penal, e no que, agora, interessa: – declarar que o arguido AA praticou factos objectivos típicos do crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º e 23.º do Código Penal; – declarar o arguido inimputável perigoso e, em consequência, absolvê-lo da prática do referido crime; – determinar o internamento do arguido em estabelecimento psiquiátrico adequado, pelo período mínimo de três anos e máximo de dez anos e oito meses.

  1. Interposto recurso pelo arguido, para a relação, por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13/05/2014, foi decidido negar total provimento ao recurso do arguido AA e manter integralmente o acórdão recorrido.

  2. Inconformado, o arguido AA interpôs recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: «I – As perícias que sustentam a decisão de condenação são de Abril 2013; e a decisão é de Novembro de 2013.

    «II – Os médicos da especialidade, que acompanharam o arguido no seu tratamento, produziram prova testemunhal em Outubro/Novembro de 2013, posteriormente à perícia, dando conta da cura do arguido; o que significa que a perícia de Abril estava desactualizada à data da decisão.

    «III – O douto Acórdão ora recorrido considera que não se verifica qualquer desactualização da perícia; baseando porém essa decisão em pressupostos meramente processuais.

    «IV – Por força do art. 96º do CP, ainda que nada ocorra, ninguém suscite questão alguma, nenhum dado, declaração médica, indício ou prova, testemunhal ou documental sejam apresentadas ou cheguem ao conhecimento dos autos, mesmo assim, por homenagem às garantias, direitos e liberdades constitucionais do arguido, deve o Juiz, atingido o prazo processual de dois anos, ordenar uma nova perícia e/ou diligências para apreciar a subsistência dos pressupostos que fundamentam a aplicação da medida.

    «V – Mas estes dois anos serão sempre encurtados, existindo, invocando-se, ou conhecendo-se causa justificativa para a cessação da medida (nºs 1 e 2 do art. 93º do CP). Ora, nos autos a desactualização da perícia foi patente ao Tribunal, antes de decorrido aquele prazo máximo de dois anos, como se deixou alegado no anterior recurso; e foi-o pelo testemunho dos dois especialistas que declararam em julgamento, com total conhecimento directo, que já não havia sintomas da anomalia nem perigosidade à data do julgamento.

    «VI – A prova testemunhal é um meio idóneo de prova, cf. Art. 128º e seg. CPP. As declarações em julgamento, por estes dois especialistas, são actuais naquela data – Outubro/Novembro de 2013 –, posteriores à perícia, e sobre factos pessoais da saúde do arguido constatados directamente pelas testemunhas médicas posteriormente à perícia. Estes testemunhos não são meros indícios, mas provas produzidas na audiência de julgamento, de que a perícia de Abril de 2013 estava claramente desactualizada em Novembro de 2013.

    «VII – Se, ante um Juiz, médicos especialistas vêm declarar em Outubro/ Novembro de 2013 que a situação relatada numa perícia de Abril passado, seis meses antes, já não é assim e que a saúde do arguido foi recuperada, deve o mesmo Juiz, oficiosamente e por força das disposições dos art. 93º e 96º do CP, ordenar uma nova perícia; porque existe, pelo menos, a possibilidade séria de que a perícia esteja desactualizada. Não deve o Juiz, por mera questão processual, esperar ainda que passem dois anos, para ordenar novas diligências.

    «VIII – O não reconhecimento da desactualização da perícia de Abril de 2013 levou ainda a erradamente considerar a persistência, em Novembro de 2013, de uma anomalia psíquica relatada em Abril anterior; quando afinal em Outubro de 2013, ante o Mm. Juiz de julgamento, um médico especialista que sempre acompanhou o doente, declarou a inexistência dos sintomas; e o mesmo disse outro médico especialista; e ambos declararam a inexistência de perigosidade (perigosidade que, aliás, a perícia declarava ser meramente eventual).

    «IX – O Tribunal, atendendo ao tempo entretanto decorrido, e face às declarações dos médicos que posteriormente à perícia acompanharam o arguido, deveria ter ordenado uma perícia actual. Não o tendo feito, decidiu com base em perícia já desactualizada; e não reconhecendo a desactualização da perícia, com fundamento em pressupostos meramente processuais, o douto Acórdão da Relação, ora recorrido, viola os artigos 93º e 96º do CP e o art.158º do CPP.

    «X – Como se escreve no douto Acórdão ora recorrido, resulta claramente do art. 91º, nº 1 do CP que só se a anomalia psíquica persistir no momento da decisão pode o Tribunal de julgamento prognosticar que, por virtude dela, se verifica o fundado receio de repetição homótropa (fls. 64/65).

    «XI – Havendo decisão de internamento, deve ser suspensa a execução do internamento imposto, ainda que em regime de prova. Um técnico da especialidade (o Dr. ...) acompanhará o arguido se em liberdade, como já o declarou no julgamento; e tanto já declarou o arguido; e já declararam os pais do arguido, por declaração escrita nos autos. Assim, a libertação é compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, de acordo com as opiniões médicas das testemunhas, e até mesmo com a perícia desactualizada.

    «XII – Como provado em 1ª Instância, o recorrente é um jovem sem antecedentes criminais, está arrependido, planeia retomar os seus estudos, quer sujeitar-se a tratamento, tem todo o apoio da família, e esta já garantiu o acompanhamento e tratamento médico ambulatório que seja necessário.

    «XIII – O que demonstra em prognose que é de esperar que a suspensão de qualquer medida aplicada permita alcançar as finalidades da medida: protecção da sociedade e tratamento do paciente; sempre dentro das orientações da Lei de Saúde Mental.

    XIV – O internamento finda quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem (cf. Art. 92º, nº 1 do CP). Não suspender a execução da medida significa a violação dos art. 163º do CPP; e ainda o art. 91º, nº 1 e 2 do CP; e bem assim a violação dos princípios penais de adequação e da proporcionalidade; e ainda o art. 3º da Lei 36/98; e do artigo 98º do Código Penal.

    Termina a pedir que, no provimento do recurso, o Supremo Tribunal de Justiça revogue o acórdão recorrido, «declarando a desactualização da perícia e a impossibilidade legal de decisão de internamento, por inexistência de anomalia psíquica à data da decisão; ou havendo medida de segurança de internamento, suspendendo a execução desta».

  3. Foi proferido despacho a admitir o recurso.

  4. O Ministério Público respondeu ao recurso, no sentido de lhe ser negado provimento.

  5. Remetidos os autos a este Tribunal, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1], o Exm.º Procurador-geral-adjunto, em proficiente parecer, sustentou: – a rejeição do recurso no segmento em que o recorrente convoca a reapreciação da matéria de facto por suposta desactualização da perícia psiquiátrica a que foi sujeito; – a improcedência do recurso quanto à pretensão de suspensão da execução da medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico.

  6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente veio apresentar a sua resposta na qual, reafirmando os fundamentos do recurso, sustentou que “se dúvidas são levantadas, como foram, por especialistas médicos quanto à actualização daquela perícia, saber se a mesma pode fundamentar, 7 meses depois, a conclusão (de Direito) da existência da perigosidade, é a nosso ver matéria perfeitamente cabível no âmbito deste recurso”.

  7. Foi o julgamento do recurso remetido para a conferência (artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP). Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.

    Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.

    II 1. O objecto do recurso Como emerge das conclusões formuladas pelo recorrente – pelas quais se define e delimita o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP) –, são duas as questões que traz à apreciação deste Tribunal: – a patente desactualização, não reconhecida pela relação, da perícia psiquiátrica em que a decisão condenatória se funda; e – a não suspensão da execução do internamento.

  8. Os factos provados Os factos que foram dados por provados na decisão da 1.ª instância, relativos à acção penal, e que a relação – chamada a conhecer da decisão proferida sobre matéria de facto, tanto no quadro dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, como por erro de julgamento em termos amplos –, manteve inalterados, com excepção da parte final do parágrafo anterior a “Mais se provou que” ou seja, o segmento “… tornando indispensável a sua sujeição a medida de segurança” que considerou não escrito, por constituir conclusão de direito, são os seguintes: «Em Novembro de 2012, o arguido frequentava o 2.º ano do curso de Engenharia Civil na Universidade de Évora, cidade onde residia com colegas.

    «Visitava os pais em Faro aos fins-de-semana.

    «Na sexta-feira correspondente ao dia 02 de Novembro de 2012, ao início da tarde, o arguido dirigiu-se à gare da rodoviária de Évora, onde tomou o “Expresso” com destino a Lagos.

    «Transportava consigo uma chave-de-fendas com a parte metálica em forma de estrela, com o comprimento de 9 cm e com a extensão total de 21 cm.

    «Por volta das 15h45, o autocarro fez uma paragem na gare de Beja, para largar e receber passageiros, tendo-se o arguido ausentado por momentos.

    «Entretanto no “Expresso” entrou BB, nascida em ..., estudante, que se sentou no...

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