Acórdão nº 3925/07.9TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 .

AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra: A Companhia de Seguros BB, S.A., Hospitais Privados de Portugal – HPP CC, S.A. e DD.

Alegou, em síntese, que: Após ter sofrido ferida lácero–contusa com lesão dos nervos colaterais do polegar, veio a ser tratado clinicamente por ordem, conta e sob a responsabilidade da 1.ª Ré, no hospital demandado, onde lhe foi diagnosticada uma lesão de axonotmesis parcial do ramo tenar do nervo mediano esquerdo, com incapacidade e abdução do polegar, embora com perfeita mobilidade da mão, pulso, cotovelo e ombro; Numa das múltiplas consultas de ortopedia efetuadas no referido hospital, o Dr. EE, médico contratado e ao serviço da 2.ª Ré, informou-o de que essa lesão só seria atenuada ou curada com uma intervenção cirúrgica; A que acabou por ser submetido por decisão do respectivo corpo clínico; Não lhe explicaram o tipo de intervenção a que iriam proceder, as probabilidades de sucesso e graus de risco inerentes ao ato operatório.

Após essa intervenção, constituída por uma oponentoplastia/transferência do extensor radial do carpo, realizada pelo 3.º R., no HPP, ficou a padecer de limitação da mobilidade do dedo polegar, na flexão e extensão do cotovelo com limitação da supinação, retração isquémica de Volkmann relativamente à mão esquerda, contractura na flexão do punho, rigidez de todos os dedos da mão esquerda, com impossibilidade de usar essa mão, bem como rigidez do ombro esquerdo e incapacidade total para posicionar a mão esquerda no espaço e de com ela comunicar gestualmente.

Sequelas essas que, se soubesse que lhe podiam advir, o teriam levado a rejeitar tal intervenção.

As mencionadas sequelas ficaram-se a dever à culpa exclusiva e grave do 3.º R., dado ter atuado, quer na avaliação prévia do ato operatório, quer durante a cirurgia, com imperícia, negligência, inconsideração e descuido, não aplicando a técnica adequada ao caso do A.

No âmbito de acidente de trabalho, pelas sequelas mencionadas, foi-lhe fixado um coeficiente global de incapacidade de 50% para a sua profissão habitual de marceneiro, tendo a 1.ª Ré sido condenada, no respectivo processo, no pagamento dos montantes que especifica, sem que, no entanto, apesar de insistentemente procurar trabalho o tenha conseguido, apesar de não ter sido dado como incapaz para toda e qualquer outra profissão.

É, assim, dos RR. a responsabilidade por se encontrar nessa situação de desemprego, bem como a responsabilidade por todos os danos não patrimoniais que diz ter sofrido e para cuja indemnização reclama quantia nunca inferior a 50.000,00€.

Pediu, em conformidade: A condenação solidária destes a pagarem-lhe € 59.672,00€, acrescidos de juros à taxa legal anual de 4%, desde a citação até integral pagamento, bem como a quantia mensal de € 403,00, atualizável anualmente pelo salário mínimo nacional, desde Outubro de 2007, inclusive, até que consiga emprego, e, ainda, por cada doze meses em situação de desemprego, uma prestação igual de subsídio de férias e outra de subsídio de Natal.

2 .

Em contestação, a 2.ª e 3.º RR, referiram, no essencial, que: O médico que procedeu ao ato cirúrgico não foi o 3.º R., mas sim o Dr. EE; O A. consentiu expressamente que fosse realizada a oponentoplastia a que se submeteu, com prévia informação dos diagnósticos, intervenções e riscos associados.

A referida oponentoplastia é um procedimento adequado à recuperação da mão para o caso do A. e a opção imposta pelo saber médico mais atualizado para a obtenção do resultado pretendido, isto é, a oponência do polegar, sem que ocorresse qualquer contra indicação que a desaconselhasse, tendo a mesma decorrido de forma tecnicamente escrupulosa.

O A. sofreu fratura do colo do úmero esquerdo no decurso do período de reabilitação, fulcral para a sua recuperação.

Não foi, pois, a cirurgia que provocou as sequelas de natureza mecânica descritas, só se explicando a alegada falta de mobilidade por uma recuperação deficiente ou outras circunstâncias alheias à atuação da responsabilidade dos RR.

E concluíram, defendendo a sua absolvição do pedido.

3 .

A contestação da 1.ª Ré, declarada intempestiva, foi desentranhada.

4 .

O A., em réplica, manteve a sua tese sobre a falta de consentimento livre e esclarecido e alegou a inexistência de qualquer relação entre a fratura do colo do úmero que sofreu e as sequelas de que ficou a padecer, pedindo, ainda, a não admissão, como prova, das fotografias e filmagens efetuadas, por as mesmas terem sido colhidas sem a sua autorização.

5 .

Deduziu incidente de intervenção principal provocada contra EE que, admitido, determinou a respectiva citação para a causa, na sequência do que veio aos autos declarar a sua adesão à defesa apresentada pelos 2.ª e 3.º RR.

6 .

Foi proferido despacho a autorizar a prova colhida por fotografias e filmagem.

7 .

Após despacho saneador, foi realizada perícia médica, com prévia fixação do respectivo objeto, a propósito do que os 2.ª e 3.º RR. vieram interpor recurso, por ter sido desatendida uma pretensão sua referente à determinação desse objeto, já que entendiam que ele era mais amplo do que aquele sobre que versou a perícia realizada.

8 .

Tal recurso foi admitido como de agravo, com subida diferida.

9 .

A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença que absolveu RR. e interveniente do pedido.

A 1ª ré foi absolvida por a sua responsabilidade, fundada no contrato de seguro de acidentes de trabalho, já ter sido fixada na ação de acidente de trabalho, nenhuma outra lhe podendo agora ser aditada; Os demais RR e interveniente, por falência da demonstração dos pressupostos de responsabilidade civil, quer o referente ao nexo de causalidade entre o ato médico a que o A. foi sujeito e as sequelas que apresenta, quer por ter sido ilidida a presunção de culpa (em sede de responsabilidade contratual) que se considerou que impendia sobre os restantes demandados.

10 .

Desta sentença – que implicou a subida do agravo – apelou o autor.

Mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto julgou: Prejudicado o conhecimento do agravo; Improcedente a apelação.

Quanto ao que agora importa, fez o seguinte sumário: - É inequívoco o direito de cada indivíduo à sua integridade física, a qual haverá de ser atingida no caso de uma intervenção cirúrgica a que ele deva ser submetido. Tal direito compreende o direito à autodeterminação nos cuidados de saúde, em termos segundo os quais a prática de atos médicos ou cirúrgicos sobre uma pessoa deve ser decidida (consentida) por esta, mas em circunstâncias tais que esteja devidamente habilitada a tomar a correspondente decisão. Exige-se, assim, um recorrentemente designado "consentimento informado".

- O consentimento informado deve compreender esclarecimento sobre diagnóstico e estado de saúde, meios e fins do tratamento, prognóstico, natureza do tratamento proposto, consequências secundárias do tratamento proposto, riscos e benefícios do tratamento proposto, em especial riscos frequentes e riscos graves, alternativas ao tratamento proposto, seus riscos e consequências secundárias, aspetos económicos do tratamento.

- No que toca a riscos, a obrigação de informação deve estender-se àqueles que são normais e previsíveis, designadamente por reporte a um conceito referencial de riscos "significativos" (significativos em razão da necessidade terapêutica da intervenção, em razão da sua frequência, em razão da sua gravidade, em razão do comportamento do paciente).

- Conformando-se o consentimento informado como a causa habilitante à prática de atos que, sem ele, constituiriam uma ofensa ao direito de personalidade do destinatário, o consentimento aparece como uma causa de exclusão da ilicitude. Como tal, constituindo facto impeditivo do direito invocado, a sua prova - quer do consentimento, quer da informação - compete àquele contra quem a invocação é feita, nos termos gerais do art. 342º, nº 2 do Código Civil.

- Esse ónus não é ilimitado e terá como fronteira, desde logo, a não imposição de uma prova diabólica, de factos negativos. Assim, não poderá deixar de ser o doente/lesado a alegar e demonstrar que o risco de cuja verificação resultaram os danos era um dos riscos previsíveis, razoáveis e significativos que lhe deviam ter sido transmitidos. Subsequentemente, sendo caso disso, é que o médico/prestador dos cuidados de saúde terá de demonstrar ter satisfeito a sua obrigação relativamente ao esclarecimento do doente sobre esse risco, sob pena de irrelevância do consentimento obtido, por não informado.

11 . Ainda inconformado, pede revista o autor.

Conclui as alegações do seguinte modo: 1 . Nos documentos de fls. 77 e 78, concretamente no parágrafo compreendido entre as palavras "confirmo" até "situação clínica" quem declara são os médicos – o 3 .º Recorrido e o Interveniente /Recorrido – e não o aqui Recorrente.

2 . Nessas declarações os médicos "confirmam que explicaram ao doente". Assim os documentos de fls. 77 e 78, nesta parte, configuram depoimentos de parte do Recorrido DD e do Interveniente Dr. EE, por escrito sobre factos favoráveis. O que é manifestamente ilegal, face ao disposto no Artigo 352.º do Código Civil e Artigo 456.º do Cpc.

3 . Na parte dos documentos de fls. 77 e 78, compreendida entre as palavras "Por favor" até "este documento" existe uma espécie de alerta aos doentes, trecho este, que por isso, não composta qualquer declaração.

4 . No parágrafo dos documentos de fls. 77 e 78 compreendido entre as palavras "Declaro que concordo" e "razões clínicas" é de facto o subscritor dos documentos que declara. Não obstante, como o documento não refere o que foi proposto e explicado pelos médicos, ficamos sem saber com o que é que concordou o doente. Sendo certo que neste parágrafo, o subscritor não declara concordar com a gravação em vídeo da imagem do doente.

5 . Neste parágrafo o trecho compreendido entre as palavras "bem como" até "razões clínicas" é um...

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