Acórdão nº 5831/11.0TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução14 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - “AA” instaurou acção declarativa contra “BB - ... Lda.” e CC, pedindo que se declarasse a resolução do contrato de locação de estabelecimento que celebrou com a 1ª Ré, por falta de pagamento das rendas relativas aos meses de Agosto a Dezembro de 2010, Janeiro e Fevereiro de 2011 e que esta fosse condenada a entregar-lhe o estabelecimento locado, bem como ambas as Rés - a 2ª enquanto fiadora - condenadas a pagarem-lhe, solidariamente, as rendas mensais vencidas e não pagas, no valor de 7.000,00€, bem como das que se venceram até à entrega do estabelecimento, tudo acrescido de IVA às taxas sucessivamente em vigor.

Alegou, para tal, que locou à 1ª Ré, por contrato escrito celebrado em 31/10/2009, o estabelecimento de snack-bar melhor caracterizado na p. i., pelo prazo de cinco anos, com início a 01/11/2009, renovável por períodos sucessivos de três anos, mediante a contrapartida de 12.000,00€/ano, a pagar em duodécimos mensais de 1.000,00€, acrescidos de IVA à taxa legal; que a 1ª Ré deixou de pagar os montantes mensais relativos aos meses de Agosto a Dezembro de 1010, Janeiro e Fevereiro de 2011; que ela e a 2ª Ré são solidariamente responsáveis pelo pagamento deste valor e dos duodécimos vincendos, por esta última ter intervindo no dito contrato como fiadora da locatária.

As Rés contestaram e deduziram reconvenção.

Ali, alegaram que o Autor lhes garantiu, aquando da outorga do contrato de locação, que o estabelecimento dispunha de licença de utilização, o que vieram a verificar, em Agosto de 2010, não corresponder à verdade; que perante esta situação a 1ª Ré deixou de pagar as rendas desde então, direito que entende assistir-lhe ao abrigo do disposto pelo 428º do CCiv. - excepção do não cumprimento do contrato -, até que o A. lhe faculte a licença do estabelecimento.

Na reconvenção, alegaram que mantém interesse na continuação da vigência do contrato e pediram que o A. fosse condenado a desenvolver todas as actividades necessárias para a obtenção da licença de utilização do estabelecimento.

Subsidiariamente, para o caso de tal se não revelar possível, pediram a resolução do contrato e a condenação do Autor a indemnizá-las dos danos resultantes do não gozo do locado pelo período contratado, designadamente, por perda de clientela e lucros cessantes, a liquidar em momento posterior à sentença.

Pediram ainda a condenação do A. no pagamento de 4.291,47€, mais juros, a título de reparação de prejuízos sofridos pela 1ª Ré em consequência de avaria na instalação eléctrica do imóvel que servia o estabelecimento e obrigou ao seu encerramento durante 4 dias.

O Autor replicou, alegando que não tinha alvará de utilização mas possuía uma declaração camarária que dela dispensava o estabelecimento, sendo que a falta dessa licença nunca impediu a 1ª Ré de explorar o estabelecimento, pelo que não lhe assiste o direito de não pagar as rendas enquanto não obtiver o alvará e que existiria abuso na invocação da excepção do não cumprimento do contrato, na medida em que a Ré, apesar da falta de licença, continua a explorar o estabelecimento e a obter proventos da sua actividade.

Foi, a final, proferida sentença que decidiu: "Julgar a acção procedente e consequentemente: - Declarar a resolução do contrato de locação de estabelecimento celebrado entre o autor AA e as rés BB - ... Lda. e CC em 31 de Outubro de 2009.

- Condenar a Ré BB - ... Lda. a entregar ao autor AA o estabelecimento locado descrito em 1. dos factos provados, livre de pessoas e bens, com excepção dos que nele se encontravam quando lhe foi entregue pelo autor na sequência da outorga do referido contrato de locação.

- Condenar as rés, BB - ... Lda. e CC a pagarem solidariamente ao autor AA, a quantia de €7.000, 00 (sete mil euros) correspondente ao valor das rendas mensais de €1.000,00, cada, vencidas desde Agosto de 2010 até à data da instauração da acção, assim como da quantia correspondente ao valor das rendas mensais vencidas desde então e vincendas até à entrega do locado, tudo acrescido de IVA às taxas legais sucessivamente em vigor.

Julgar a reconvenção parcialmente procedente e consequentemente: - Condenar o reconvindo AA a pagar à reconvinte BB ¬... Lda. a quantia que em liquidação de sentença se apure como correspondente aos supra referidos prejuízos sofridos pela reconvinte a título de perda de bens consumíveis; de cancelamento de jantares já agendados e à quebra perda de lucros relativos ao período de 4 dias em que o estabelecimento locado esteve encerrado”.

Mediante apelação da Ré, o Tribunal da Relação alterou a sentença “nos seguintes termos: a)Declaram-se improcedentes os pedidos de resolução do contrato celebrado entre as partes e os de condenação das rés - nos termos enunciados supra – na entrega ao autor do estabelecimento locado e no pagamento ao mesmo das quantias atinentes às rendas vencidas desde Agosto de 2010 e das que se vencerem até entrega daquele, com a consequente absolvição da ré de tais pedidos; b) Mantém-se a improcedência do segmento do pedido reconvencional apreciado no item 4 do ponto IV; c) Mantém-se o que ali se decidiu quanto à outra parte da reconvenção”. Agora é o Autor que pede revista, visando a reposição da decisão da 1ª Instância, para o que argumenta nas conclusões da alegação: I. O Acórdão recorrido parte de uma premissa errada para fundamentar todo o seu raciocínio que termina com a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e que se prende com a (des)necessidade da licença de utilização para o estabelecimento comercial em crise nos presentes autos.

  1. Não obstante as notificações enviadas para a Recorrida em 23/08/2010, mencionada no n° 10 dos factos provados, e as notificações enviadas para a Recorrente, nomeadamente em 29/08/2008 e 21/01/2009, conforme resulta do n° 28 dos factos, o certo é que a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim nunca encerrou o estabelecimento em crise nos presentes autos.

  2. A mesma Autarquia que notificou inicialmente a Recorrente e posteriormente a aqui Recorrida para proceder ao licenciamento do estabelecimento comercial, emitiu a declaração que se encontra junta a fls. 62 dos presentes autos, datada de 26 de Março de 2009 (ou seja, com data posterior às duas primeiras comunicações), assinada pelo próprio Presidente da Câmara Municipal, Dr. DD, em que afirma que a utilização do estabelecimento não está sujeita a licenciamento.

  3. Encontrando-se a Recorrente na posse de tal documento, emitido pela entidade responsável para a emissão das licenças de utilização, não existindo qualquer justificação para a alteração da posição assumida pela Autarquia, não pode a Recorrente ter outra convicção senão que o estabelecimento comercial aqui em crise se encontra isento de licença de utilização.

  4. Conforme se encontra provado nos presentes autos, após aquela notificação à Recorrida o estabelecimento continuou a funcionar sem qualquer limitação, conforme sucedeu em situações anteriores VI. Aliás, conforme decorre do n° 25 dos factos provados, quando o contrato com a Recorrida foi celebrado, o estabelecimento já se encontrava em funcionamento há muitos anos, mais concretamente, há cerca de 30 anos!!! VII. O que a Recorrente transmitiu à Recorrida foi aquilo que a autarquia havia declarado, que o referido estabelecimento se encontrava isento de licenciamento, nomeadamente da licença de utilização.

  5. Facto do inteiro conhecimento da 2ª Ré, CC, directora da Recorrente aquando da celebração do contrato em crise nos presentes autos e companheira do legal representante da Recorrida e que conjuntamente com ele explorava o bar.

  6. Atendendo à prova documentada nos autos, designadamente a declaração supra referenciada, terá de se concluir que a utilização do estabelecimento em crise nos presentes autos não necessita de qualquer licenciamento, conforme decorre do documento emitido pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim.

  7. Motivo pelo qual, não se encontra a Recorrida legitimada para opor à Recorrente a excepção de não cumprimento prevista no art. 428. ° do CC, impondo-se a revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no que concerne à revogação do contrato de cessão de exploração.

  8. De Agosto de 2010 até Junho de 2011, a Recorrente deixou de pagar não só as rendas, mas também a água, gás e luz que consumia, obrigando a Recorrida a pagar os consumos de água, gás e luz que a Recorrente fazia.

  9. Durante cerca de um ano, a Recorrida não pagou qualquer renda, não obstante continuar a usufruir do estabelecimento.

  10. Por sua vez, a Recorrente, uma associação desportiva sem fins lucrativos cujo escopo social é, entre outros, a formação de jovens atletas, não recebeu da Recorrida qualquer renda e ainda pagou os consumos de água, gás e electricidade que esta consumiu.

  11. Conforme bem refere o Acórdão recorrido um dos pressupostos para que se aplique o instituto da excepção de não cumprimento prende-se com a necessidade das prestações em causa serem reciprocas.

  12. Não existindo dúvidas que estando em crise nos presentes autos um contrato de locação de estabelecimento cujo regime legal está previsto no artigo 1109.º e seguintes do Código Civil e, na ausência de regulamentação própria, a solução terá de ser encontrada por recurso às regras que regulam o arrendamento comercial.

  13. Pela mesma ordem de ideias, havendo equiparação legal de ambos os contratos (locação de estabelecimento e arrendamento comercial) também quanto ao sinalagma há identificação entre os mesmos, uma vez que tanto no contrato de locação como no contrato de arrendamento comercial a prestação do senhorio, no contrato de arrendamento, e do cedente/locador, no contrato de locação de estabelecimento, são no primeiro o gozo do prédio e, no segundo, o gozo do prédio em conjunto com a exploração do estabelecimento comercial ou industrial, sendo a contraprestação, em ambos, o pagamento das rendas.

  14. Assim, ainda que se admita a necessidade da licença para o legal exercício da...

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