Acórdão nº 1744/11.7JAPRT.P1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | SANTOS CABRAL |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O arguido AA, veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão de primeira instância que o condenou pela prática: Em 26/09/2011, em co-autoria material com os arguidos BB e CC, de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; Em 06/12/2011, em co-autoria material com os arguidos BB, CC e DD, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alíneas b) e e), e 3, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão; Em 25/03/2012, em co-autoria material com os arguidos BB, EE e FF, de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; Em 25/03/2012, em autoria material, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão; Em cúmulo jurídico das penas mencionadas nos parágrafos antecedentes o arguido AA foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão; As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. O recorrente/arguido em relação ao parágrafo 47, refere o seguinte: 2. A prova indiciária é assim prova indirecta; dela se induz, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. ( ... ) no entanto, é em si mesma enganadora, isto é, consente graves erros ( ... ) o valor probatório dos indícios é, sem dúvida, extremamente variável. Um indício revela, com tanta mais segurança, o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. ( ... ).
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A efectiva comprovação de um facto para além de toda a dúvida razoável pode resultar da conjugação de provas indirectas e circunstanciais, mediadas pela regra da experiência, em que a probabilidade da verificação de certo acontecimento factual surge próximo da certeza". (Ac. do S.T.J. de 2005/Fev./09, Recurso n.º 4721/04-3).
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O que não sucede quando o facto base não é seguro ou então se entre um e outro se verifica uma relação demasiado longínqua. Pois, o recorrente/arguido reitera, que não cometeu o assalto ao bingo de salgueiros, ocorrido no dia 26 de setembro de 2011.
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O recorrente/arguido em relação ao parágrafo 58 e 60, refere o seguinte: 6. Existe erro de escrita no parágrafo 58, pois o acórdão refere 26/06/2011, quer referir -se a 26/09/2011.
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Importa referir, que no processo não consta isto, ou seja, o inspector da policia judiciária tem dúvidas em afirmar se o veículo é da classe s, pois, a folhas 44 do i volume, o que aí se refere é que o veículo é da marca Mercedes Benz, aparentemente classe S. (o sublinhado é nosso).
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Não existiu prova directa, tal como o acórdão refere a folhas 3901, no parágrafo 47 e não existe qualquer testemunha que tenha visto o recorrente/ arguido naquele dia, dia 26 de setembro de 2011, naquelas imediações, o que pela sua compleição física seria fácil de ser notado.
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Nunca identificaram a matrícula que consta no fotograma e as próprias testemunhas das acusação, veja o testemunho da acusação, inspector chefe GG, prestadas em audiência de julgamento, no dia 14 de Março de 2013, acta com o mesmo dia, que refere que: « Não têm a matrícula. Não têm a certeza". Ora, 10. Existem fotografias dos locais e das hipotéticas pessoas recolhidas no âmbito da presente investigação.
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Não se verifica uma tomada de conhecimento nos autos de tais fotogramas, não foi proferido o competente despacho, que devia ser fundamentado e é por isso esta prova nula.
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Nesta conformidade, qualquer tipo de reconhecimento, seja presencial, seja por fotografia, filme ou gravação, está vinculado à disciplina do citado art. 147°, designadamente do seu n.º 7, segundo o qual "o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer".
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No caso em apreço, podemos constatar que o reconhecimento pessoal do recorrente/arguido, mediante o visionamento dos fotogramas captados por um sistema de videovigilância, foi efectuado sem que se seguisse a "homologação" dessa identificação perante o ministério público, que dirige a fase de inquérito, ou se concedesse a possibilidade desse visionamento pela defesa, possibilitando-lhe o pleno exercício do contraditório, ou mesmo pelo tribunal e pela acusação, representado pelo Ministério Público.
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Tal reconhecimento pessoal não obedeceu à disciplina legal do reconhecimento de pessoas (artigo 147°) e infringiu tanto o princípio constitucional do contraditório (artigo 32° n.º 5 Constituição da República Portuguesa), como o direito fundamental que toda a causa seja julgada mediante um processo equitativo (artigo 20° n.º 4 C.R.P.; 10.°, DUDH; 14.°, n.º 1 PIDCP; 6.°, n.º 1 CEDH; 47.° § 2 CDFUE).
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Como esse meio de prova foi fulcral na formação da convicção do tribunal, não havendo qualquer outro donde decorra a possibilidade de determinação da culpabilidade do recorrente/arguido, seria completamente inútil reenviar o processo para determinação dos efeitos da não valoração dessa prova e da sua subsequente inquinação probatória, restando, apenas na procedência do recurso, absolver o recorrente/ arguido.
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O recorrente/arguido em relação ao parágrafo 61, refere o seguinte: 17. Como refere o douto acórdão, folhas 3903, parágrafo 62 o seguinte: " dir-se-á - e não ê totalmente errado, que tal só significa que um telemóvel funcionando com o número utilizado pelo arguido terá entrado na área de serviço da aludida «BTS» e nada mais ( ... )”. sucede que, 18. Existe informação nos autos, mais propriamente, a folhas 1638, volume VII, de que existem coincidência SIIC entre o número de telemóvel do recorrente/arguido e outros telemóveis. Ou seja, 19. Um outro telemóvel de coincidência SIIC pode ter entrado na BTS Vodafone Porto Baixa, que não o do recorrente/arguido, pois, como mais à frente se explicará, o recorrente/arguido estava na Rua de Pinto Bessa, Campanhã. Mas mais, 20. Existe informação nos autos, folhas 2246, volume X, que o telemóvel do recorrente/arguido era o número ..., que não corresponde à verdade, logo, quem garante que não era este o número que no dia 26 de setembro de 2011, activou a BTS Vodafone Porto Baixa? 21. A localização celular comprime a liberdade de movimentos e o direito a não saber, a todo o momento, o local onde o cidadão se encontra. Pois só, 22. A requerimento do Ministério Público, na fase do inquérito, sendo indispensáveis à investigação, mediante despacho fundamentado do J. I. C.
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O recorrente/arguido ao longo do processo não encontrou a autorização sobre a presente localização celular, nem a respectiva ordenação, por despacho do juiz, nos termos do artigo 189° número 2 do Código de Processo Penal.
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Por maioria de razão, a facturação teria de ser requerida pelo J.I.C., posição que o legislador de 2007 acolheu.
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A facturação detalhada das comunicações contende com a reserva de intimidade do cidadão (do emissor e do receptor).
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O princípio da lealdade impõe a solução, são nulas todas as provas obtidas por meios enganosos, de acordo com o art.º 126° do C.P.P.
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Violado que seja o princípio da menor intervenção possível e da proporcionalidade, hã de a prova assim obtida ser considerada nula, nos termos do artigo 32° número 8 da C.R.P. e artigo 190° do C.P.P.
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Assim, atento o disposto nos arts. 32° n.º 8 da C.R.P., 188°, 189°, n.º 2 e 190° estes do C.P.P., os dados de tráfego e de localização são prova nula.
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Estamos perante uma nulidade, que se invoca para os devidos efeitos legais, pelo que a presente prova, não pode ser usada, nos termos do artigo 190° do C.P.P.
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Tendo os dados de tráfego e de localização que constituem prova nula, contribuído para a formação da convicção do tribunal recorrido, relativamente aos crimes pelos quais foi o recorrente condenado, a procedência de tal nulidade determina a invalidade dos actos subsequentes (art.º 122° n.º 1 do C.P.P.).
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Desta forma, sendo inválida a sentença recorrida, deve o tribunal produzir nova sentença, agora sem considerar a prova considerada nula por proibida.
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O recorrente/arguido em relação ao parágrafo 62, 64, 65 e 66 refere o seguinte: 33. O recorrente/arguido só começou a usar este número a partir de Novembro de 2011, quando as escutas começaram a ter lugar e não existe nada no processo que ligue este número de telemóvel ao recorrente/arguido com a data de 26 de setembro de 2011.
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O cartão antes desta data era de carregamento e não existe qualquer carregamento por parte do recorrente/arguido.
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O recorrente/arguido em relação ao parágrafo 63, refere o seguinte: 36. Salvo melhor opinião em contrário, não é ao recorrente/arguido quem deve provar se utilizou aquele número, mas sim o ministério público, pois, o número não é de assinatura mensal, e naquela data ele não tinha aquele número e o recorrente/arguido não está onerado com qualquer ónus da prova. É que, 37. O ónus da prova ê primariamente da acusação, não se podendo transmitir para o recorrente/arguido a responsabilidade pela prova da acusação, invertendo-se aquele ónus para simplesmente na ausência de prova, se julgarem os factos provados.
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O recorrente/arguido presume-se inocente pelo que não se exige actividade probatória alguma em ordem a comprovar esta verdade interina do processo, tendo em conta que se isto lhe fosse exigido lhe estaria a impor o encargo, às vezes, de impossível realização.
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Existe nos presentes autos, violação do princípio ln dubio pro reo, diremos desde já que é uma das formas de que se pode revestir o vício do erro notório na apreciação da prova. (art.º 410.°, n.º 2, alínea c) do...
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