Acórdão nº 680/2002.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Relatório: Pelo 1º juízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Cascais corre processo de despejo na forma sumária em que é A AA, identificada nos autos, e RR. BB - Actividades Hoteleiras Ldª e CC - Serviços De Higiene e Assistência, Ldª., também identificadas nos autos, alegando aquela, em síntese, que: A Autora é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pelas letras "CN", correspondente à loja no R/C e arrecadação, com o n°… no "Centro Comercial Estoril Garden" Praça Teodoro dos Santos, no Estoril, inscrito no artigo n° …-CN, da matriz predial urbana da freguesia de Estoril; Por contrato escrito, celebrado em 5 de Dezembro de 2000, destinado a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2001 e pela renda mensal de 190.000$00 (cento e noventa mil escudos), actualmente fixada em 988,62 € (novecentos e oitenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos), deu de arrendamento à sociedade primeira Ré, a mencionada loja e a respectiva arrecadação, nos termos e demais condições constantes do único documento junto; A sociedade Segunda Ré, através da sua sócia, DD, outorgou no mesmo contrato, assumindo a qualidade de fiador e responsável pelo pagamento da renda - v. cláusula quinta; Sucede que a Ré arrendatária não pagou a renda referente ao mês de Abril de 2002, que se vencia em Março imediatamente anterior, nem as que se venceram subsequentemente até à actualidade, todas no valor de € 988,62, cada uma; A Segunda Ré fiadora, também não o fez, estando já em dívida para com a Autor a quantia de 3.954,48 €; Concluiu que a presente acção ser julgada procedente e provada, declarada a resolução do contrato de arrendamento em causa e, consequentemente, decretado o despejo, condenando-se a Ré a restituir à Autora, completamente livre e desocupado os locais arrendados - loja e arrecadação - e ambas as Rés solidariamente, a pagarem as rendas vencidas e as que se vencerem até ao transito em julgado da decisão condenatória que viera ser proferida, bem como numa indemnização igual ao dobro da renda, se houver mora na restituição - n°2 do artigo 1.045°. do Cód. Civil.

    Contestaram as Rés alegando, em síntese, que o locado padecia de vícios que o impediam de realizar o fim a que se destinava, houve incumprimento do contrato de arrendamento pela A. e, em reconvenção, entendem que quem tem direito de resolução do contrato e a Ré arrendatária, tendo ainda direito a ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu com a impossibilidade de manter o estabelecimento aberto ao público.

    Concluíram pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, declarado resolvido o contrato de arrendamento e a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 48.409,00, prejuízos já sofridos e a condenação da A. em montante a liquidar em execução de sentença, a título de lucros cessantes, avaliados em € 2.494,00 por mês.

    Replicou a A. impugnado os alegados vícios do locado, mais defendendo que a existir não seriam impeditivos de continuar a exploração do locado, nem podem ser imputados à A mas antes à Administração do Condomínio do Empreendimento Estoril Garden, onde se localiza a loja, cuja intervenção nos autos requereu fosse admitida.

    Admitida a intervenção, contestou a Administração do Condomínio do Empreendimento Estoril Garden. Em síntese, defende que inexiste da sua parte a obrigação de indemnizar as RR, porquanto a terem-se verificado quaisquer danos, não resultam de violação de quaisquer deveres a que a chamada estivesse adstrita. Concluiu pela improcedência da reconvenção.

    A fls. 294 e ss. veio a Ré, apresentar articulado superveniente onde liquida o pedido reconvencional e requereu a extinção parcial da instância, porquanto, já entregou o locado.

    A fls. 332 foi proferido despacho em que foi julgado extinto o pedido de despejo, por inutilidade superveniente, em razão da entrega em 23-11-2006 do imóvel locado, feita pela Ré contestante à Autora e se determinou que a acção prosseguisse para se determinar se o não pagamento das rendas e a não utilização do imóvel pela Ré são ou não atribuíveis a algum facto pelo qual a Autora possa ser responsabilizada, e se também o Condomínio poderá vir a ser responsabilizado.

    Foi proferido despacho saneador com fixação dos factos assentes e base instrutória, de que, sem êxito, a Administração do Condomínio do Empreendimento Estoril Garden reclamou.

    Procedeu-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo o tribunal proferido sentença que: a) julgou a acção procedente por provada e, em consequência, condenou as Rés a pagar à A. a quantia de € 55.362,72 (cinquenta e cinco mil trezentos e sessenta e dois euros e setenta e dois cêntimos) b) julgou a reconvenção improcedente e, em consequência, absolveu a Autora do pedido reconvencional.

    Recorreram as RR tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida.

    Deste acórdão recorrem as RR BB - Actividades Hoteleiras Ldª e CC - Serviços De Higiene e Assistência, Ldª., alegando, em conclusão, o seguinte: A- Objecto do recurso: I. A grande questão objecto do recurso é a de saber se dos factos provados pode concluir-se que o locado dos autos preenchia cabalmente a finalidade de exploração comercial de um Snack-bar e se a Senhoria desconhecia, sem culpa, os vícios de que o mesmo locado padecia, segundo a mesma prova.

    1. De Direito havia que decidir se, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 428.º, 1031.º e 1032.º, todos do CC, podia a Recorrente Ré não pagar as rendas por o contrato não ter sido cumprido por banda da senhoria, votando assim à improcedência o pedido da Autora de que lhe fossem pagas as rendas enquanto a fracção esteve na posse da Autora e, por outra banda, à procedência do pedido reconvencional da Ré, que pretende ser indemnizada pelos prejuízos sofridos na sequência de encerramento do estabelecimento que imputou aos vícios do locado.

    B - Factos provados que relevam: B.1. Os factos que a recorrente alegou e provou: III. A recorrente entendeu ter cumprido o ónus da prova que sobre si recaia, porquanto foi por si alegado e ficou provado que: J. Desde o início do arrendamento notou-se a existência de problemas com o sistema eléctrico da fracção locada, cujo quadro eléctrico disparava com muita frequência.

  2. Uma das paredes do estabelecimento, bem como o chão do mesmo, apresentava-se com infiltrações de água.

    1. Desde o início a Ré deu conhecimento destes factos à Autora.

    Facto 1 da 81. Os problemas referidos na alínea J) dos Factos Assentes colocavam em causa a conservação dos alimentos destinados a serem vendidos ao público. (2.º) Facto 2 da 81. Os problemas referidos na alínea J) dos Factos Assentes eram susceptíveis de danificar diversos electrodomésticos, nomeadamente o frigorífico e a máquina de gelo. (3.º) Facto 3 da 81. Se o quadro eléctrico fosse desligado todas as noites não ficava acautelada a conservação dos produtos alimentares. (4º) B.2. Já a autora e senhoria: IV. Não provou que desconhecesse sem culpa os vícios do locado pois, como resulta dos Factos assentes, estava ciente, pelo menos três anos antes de ter celebrado o contrato de arrendamento com a Autora, que existiam infiltrações cada vez maiores originadas pelo deficiente isolamento da piscina que passavam para o lacado, provocando curto-circuitos e o constante disparar do quadro eléctrico, a saber: M. Em Julho de 2001 a Ré mandou um técnico verificar as instalações eléctricas, que concluiu que os problemas com a instalação eléctrica eram devidos a infiltrações de água, que "corria nos azulejos da parte de trás das máquinas".

  3. A Ré enviou à Autora e recebeu desta as cartas juntas com a contestação.

  4. Numa dessas cartas, datada de 13-08-2001, a Autora dizia que as infiltrações se deviam a deficiências no isolamento da parede da piscina.

  5. A Autora juntou a essa carta cópia de uma carta que dirigira ao Condomínio, dizendo que "nos últimos três anos" vinha informando na "reunião anual de condóminos que por deficiente construção ou manutenção da piscina há perdas de água que se vão infiltrando na parede que separa a minha loja da casa de máquinas de tratamento de água da piscina"; dizia ainda que "essas infiltrações provocam inundações no chão da minha loja, assim como diversos curto-circuitos que fazem desligar todo o equipamento eléctrico e que "cada vez as infiltrações de água são maiores, bem como as inundações no chão".

  6. A Autora escreveu ao Chamado em 04-12-2001 uma carta, junta com a contestação, pedindo providências para cessação das infiltrações.

  7. A Ré solicitou à Câmara Municipal uma vistoria em 07-03-2002.

    1. A vistoria foi realizada em 24-04-2002 e verificou as anomalias referidas no respectivo auto.

      Facto 1 da BI. Os problemas referidos na alínea J) dos Factos Assentes colocavam em causa a conservação dos alimentos destinados a serem vendidos ao público. (2.º) Facto 2 da BI. Os problemas referidos na alínea J) dos Factos Assentes eram susceptíveis de danificar diversos electrodomésticos, nomeadamente o frigorífico e a máquina de gelo. (3.º) Facto 3 da BI. Se o quadro eléctrico fosse desligado todas as noites não ficava acautelada a conservação dos produtos alimentares. (4º) V. Mais, a A. Reconvinda responsabilizava a administração do condomínio pelos prejuízos que daí pudessem resultar para Recorrente, chamando-a à lide, chamamento esse que o tribunal aceitou.

      C - O erro de Julgamento: VI. Ainda assim, e perante tal factualidade, apesar da alínea b) do art.º l031.º e do l032.º, ambos do CC, imporem, para que não se verifique o incumprimento do contrato de arrendamento pelo senhorio, a realização cabal da coisa locada para a finalidade prevista no arrendamento, a sentença entendeu que "é de concluir que a decisão tomada pela Ré de encerrar o estabelecimento nada tem a ver com as infiltrações existentes e a sua interferência no sistema eléctrico, em rigor, as infiltrações existentes não constituíam...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT