Acórdão nº 57/14.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução16 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, Juiz ..., actualmente em exercício de funções como juiz criminal na missão do serviço externo da UE, colocado no Tribunal de ..., ... inconformado com a deliberação do Plenário do CSM, veio dela interpor recurso contencioso ao abrigo do disposto nos arts. 168, 169 e 171 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, formulando as seguintes conclusões: I.A douta deliberação do CSM de 17/06/2014 ao tratar de forma desigual, sem qualquer motivo ou fundamentação razoável. situações semelhantes violou o disposto nos arts, 22, 132 e 266, nº2. da CRP, e art 5, nº1, do CPA, sendo por isso ilegal e, nessa interpretação concreta, manifestamente inconstitucional.

  1. A douta deliberação poderia ter optado por medidas menos gravosas para o recorrente, reduzindo, por exemplo o tempo de duração da licença constante do art. 89º, nº1, al. a) do DL nº 100/99 de 31/3 ou concedendo a licença prevista na alínea b), do mesmo artigo, sem pôr em causa as necessidades do serviço. Desta forma é ilegal e padece do vício de violação do princípio da proporcionalidade previsto no art. 52, nº2, do CPTA.

  2. A douta deliberação efectuou uma errónea aplicação do art. 89, nº1, al. a), do DL 100/99 de 31/3, sofrendo do vício de violação da lei. na medida em que considerou como interesse público circunstâncias que dizem apenas respeito ao conceito de conveniência para o serviço.

  3. A douta deliberação incorreu no mesmo vício ao considerar não existirem razões de interesse público que permitissem a concessão da licença ao contrário de casos em tudo análogos no tempo, lugar e espaço.

    V.A douta deliberação é nula por vício de usurpação, na medida em que questiona a qualificação de interesse público inerente à função do recorrente numa organização internacional, cuja qualificação cabe a outro órgão administrativo competente para coordenar e dirigir a política externa (art. 1332, n22, al, a), do CPA).

  4. A douta deliberação padece do vício de violação da lei ao considerar que o desempenho de funções exclusivamente judiciais numa missão externa, dependente da União Europeia e prevista no art. 28-A, do Tratado de Lisboa e respectivos protocolos não possui interesse público. Na medida em que esse tratado, seus protocolos e subsequentes decisões possuem valor supra-legal (art. 8º, nº4 da CRP), vinculando os órgãos da administração nacional.

  5. A douta deliberação padece do vício de violação da lei porque considerou existir uma situação de inconveniência para o serviço, que em casos anteriores, semelhantes e temporalmente coincidentes, não foi qualificada da mesma forma. A douta deliberação fez uma errónea aplicação dos seus poderes discricionários consubstanciada na violação dos arts. 732, nº1 e 2, 89º, nº1, al. a) e 892, n21, ai a) todos do DL 100/99, sendo por isso anulável nos termos do art 135 do Código de Procedimento Administrativo. VIII. A douta deliberação é contraditória nos seus próprios termos ao considerar que existe inconveniência para o serviço na concessão das primeiras licenças requeridas, mas que essa mesma inconveniência já não existe para a concessão da licença prevista no art 782 do DL nº 100/99, por isso padece do vício de violação da lei nos termos dos arts 89º, nº1, aIs. a), e b], e art. 73º, do DL nº 100/99 de 31 de Março.

    Termina formulando pedido no sentido de que: -Seja dado provimento ao recurso, e por via disso, que a Douta deliberação do Plenário do CSM proferida em 17.06.2014 referente ao recorrente seja declarada nula e/ou anulável, condenando-se o CSM a reapreciar o seu requerimento, e a deferir a concessão da licença sem vencimento para o exercício de funções em organismo internacional, com contagem de tempo de serviço e reserva de lugar, nos termos do art. 89º, nº1, ais. A) ou b), do DL nº 100/99 de 31 de Março pelo prazo de permanência na missão eulex doutamente a determinar nos termos alegados.

    I Na análise dos presentes autos importa em primeiro lugar definir o quadro legal que formata a situação profissional do recorrente e, nomeadamente, a natureza de comissão de serviço.

    De acordo com as normas sobre tal figura inscritas no Estatuto dos Magistrados Judiciais, estabelece-se, no artigo 53.º, que «os magistrados judiciais em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço sem autorização do Conselho Superior da Magistratura» (n.º 1), cuja «autorização só pode ser concedida relativamente a magistrados com pelo menos, cinco anos de efectivo serviço» (n.

    º 2). Por seu turno nos termos do artigo 54 do EMJ as mesma comissões podem ser ordinárias ou eventuais (n.º 1), sendo «ordinárias as previstas na lei como modo normal de desempenho de certa função e eventuais as restantes» (n.º 2), e implicam, em regra, a abertura de vaga, excepto, entre outras, como se destaca das disposições combinadas do n.º 3 deste preceito e do n.º 2 do artigo 56.º, as que «respeitem ao exercício de funções nas áreas de cooperação internacional, nomeadamente com os países africanos de língua oficial portuguesa, e do apoio técnico-legislativo relativo à reforma do sistema judiciário no âmbito do Ministério da Justiça».

    Sobre o conteúdo do conceito em análise se pronunciou João Alfaia referindo que existe uma situação de comissão de serviço– «sempre que um funcionário titular de um lugar do quadro com investidura definitiva ou vitalícia vai ocupar um lugar de outro quadro ou de outra categoria do mesmo quadro, continuando, todavia, vinculado ao lugar de origem, através de cativação»[1]. Por seu turno pronunciando-se sobre o mesmo tema indica Menezes Cordeiro[2] que a comissão de serviço «foi usada [inicialmente] para os casos em que um funcionário era destacado para exercer funções transitórias fora do seu lugar permanente», passando depois «a ser usada para designar o modo de preenchimento de certos lugares». Adianta ainda que a comissão de serviço visa «satisfazer necessidades específicas e razoáveis» porquanto há lugares que «não podem ter uma natureza vitalícia: tal o caso dos cargos dirigentes ou de certas posições que postulam uma ligação de tipo pessoal, como sucede com os adjuntos ou os secretários pessoais dos gabinetes ministeriais. A comissão de serviço permite o seu provimento temporário, não havendo outro modo admitido para tal». Para além disso, «verifica-se ainda que o funcionário ou agente pertencente a certo lugar pode, por interesse público, ser chamado a desempenhar funções transitórias em local diferente. A comissão de serviço permite contemplar a situação descrita; a pessoa deslocada conserva o lugar de origem e desempenha as funções requeridas, enquanto necessário.» Também Marcello Caetano expendeu sobre a figura da comissão de serviço referindo que “Entende-se aí por comissão o encargo dado por uma autoridade a certa pessoa para que esta desempenhe determinada actividade pública. Em Direito administrativo há comissões ordinárias e comissões eventuais. As primeiras são as que estão previstas nas leis como modo normal de provimento por nomeação para certos cargos. As segundas são encargos cometidos aos agentes administrativos para realizarem certos trabalhos que não estavam incluídos nas suas funções. O que caracteriza as comissões de serviço é o serem nomeações com duração limitada e, em regra, amovíveis.”.

    [3] Situando concretamente o perímetro delimitado pelo conceito em causa dispõem os artigos 56.º, n.º 2, e 57.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais que são de natureza judicial as comissões de serviço que respeitem ao exercício de funções nas áreas de cooperação internacional, nomeadamente com os países africanos de língua oficial portuguesa, e do apoio técnico-legislativo relativo à reforma do sistema judiciário no âmbito do Ministério da Justiça Não é essa a situação do recorrente e, certamente por tal circunstância, o enquadramento legal da sua situação na Eulex foi equacionado em função duma outra figura legal.

    Na verdade, O acto objecto de impugnação incide sobre uma licença concedida nos termos do artigo 89 nº1 a) do Decreto-lei 100/99 de 31 de Março o qual o qual, sob a epigrafe ”Licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais”, refere que a licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais pode ser concedida aos funcionários, revestindo, conforme os casos, as seguintes modalidades: a) Licença para o exercício de funções com carácter precário ou experimental com vista a uma integração futura no respectivo organismo; b) Licença para o exercício de funções na qualidade de funcionário ou agente do quadro de organismo internacional.

    É esse, e não outro, o regime que formata a situação profissional do recorrente. II Em sede de regime da função publica o Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março dispõe no Capítulo V sobre «Licenças», que são definidas como as ausências prolongadas do serviço mediante autorização (artigo 72.º), estabelecendo-se entre os seus tipos, as licenças sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais, as quais dependem de prévia ponderação da conveniência de serviço e da ponderação do interesse público, sendo motivo especialmente atendível a valorização profissional do funcionário ou agente [artigo 73.º, n.os 1, alínea e), e 2)].

    O artigo 89.º, que estabelece os princípios gerais para a concessão da licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais, preceitua, no n.º 1, que essa licença pode revestir a modalidade de «licença para o exercício de funções com carácter precário ou experimental com vista a uma integração futura no respectivo organismo» [alínea a)], e de «licença para o exercício de funções na qualidade de funcionário ou agente do quadro de organismo internacional» [alínea b)].

    Como notas essenciais do regime das licenças mencionadas na alínea a) do n.º 1 deste preceito, o artigo seguinte precisa que tal licença «tem a duração do exercício de funções com carácter precário ou experimental para que foi concedida...

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