Acórdão nº 971/12.4TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.971/12.4TBCBR.C1.S1.

R-477[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher BB intentaram, em 12.8.2012, na Comarca de ... – Vara de Competência Mista e Juízos Criminais – Vara de Competência Mista – 2ª secção – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: CC.

Pedindo que seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre o rés-do-chão do imóvel identificado em 1 e 2 da petição inicial; a Ré condenada a restituir-lhes o imóvel em causa, livre e devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições e ser a ré condenada a pagar-lhes a título de indemnização a quantia de € 5.000,00.

Alegaram, em síntese, que adquiram por compra o identificado imóvel e que a Ré apenas o ocuparia provisoriamente, todavia, até à presente data ainda não o restituiu, causando-lhes prejuízos que quantificam em € 5.000,00.

A Ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Alega, em síntese, que o imóvel apenas foi vendido sob a condição da Ré ficar a ocupá-lo, e, em pedido reconvencional, solicita que seja declarado o direito da Ré a habitar o imóvel.

Proferido o despacho saneador, foram especificados os factos assentes e organizada a base instrutória, que não foram objecto de reclamação.

*** A final foi proferida sentença que: - Julgou a acção totalmente improcedente, por totalmente não provada e, em consequência absolveu a Ré da totalidade dos pedidos contra si deduzidos pela Autora.

- Julgou a Reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência: absolveu os Autores do pedido contra si deduzido pela Ré.

- Julgou o pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pelos Autores totalmente improcedente, por não provado e, em consequência: absolveu a Ré desse pedido.

*** Inconformados, os AA. e a Ré recorreram para o Tribunal da Relação de ...

, que, por Acórdão de 17.6.2014 – fls. 264 a 286 – julgou:

  1. A apelação dos Autores procedente, revogando a sentença na parte em que absolveu a Ré dos pedidos por eles deduzidos, reconhecendo-lhes o direito de propriedade sobre o imóvel indicado no ponto 1) dos factos provados e condenando a Ré a restituir-lhes o rés-do-chão do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens; b) A apelação da Ré improcedente, confirmando a sentença recorrida na parte em que absolveu os autores do pedido por ela formulado.

*** Inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões: A. Crê-se que a decisão recorrida não procedeu à melhor interpretação e aplicação das normas jurídicas de que se socorreu em sede de fundamentação.

B. O Douto Acórdão vem reconhecer o direito dos Apelados sobre o referido imóvel e considerar que o mesmo direito foi provado, não restando dúvidas acerca da existência tal direito, violando a interpretação que está subjacente ao artigo 7.° do Código do Registo Predial.

C. Invocar um contrato-promessa de compra e venda para prova de um direito de propriedade sobre uma coisa não se mostra suficiente.

D. A simples referência à existência de uma escritura pública não é suficiente para a prova do seu direito de propriedade, não provando a aquisição de um direito.

E. É também entendimento corrente por parte da Doutrina e Jurisprudência que a existência de escritura pública apenas prova que aqueles sujeitos em questão se apresentaram perante o Notário e manifestaram uma determinada vontade, sendo necessário que, no presente caso, os AA. alegassem a presunção da titularidade do direito no sujeito que aparece no registo de acordo com o artigo 7° do C.R.Predial.

F. Não pode lograr vencimento a ideia que vem sendo defendida pelos AA. de que o seu direito de propriedade possa ser reconhecido mediante declaração ou confissão por parte da ora Ré.

G. O Douto Acórdão refere-se ainda à força probatória dos documentos particulares tais como a escritura pública, no entanto, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.09.2012, proferido no âmbito do processo n.°2816/08.OTVLSB.L1 SI, quando refere, “aquela escritura pública (documento autêntico) faz prova plena de que, na presença do notário, foram proferidas as declarações nela inseridas, mas já não prova plenamente que essas declarações sejam verdadeiras ou que sejam válidas ou eficazes”.

H. Aquando da celebração do contrato-promessa compra e venda do referido imóvel, foi acordado entre a Ré e os AA. que a primeira continuaria a ocupar o imóvel, de onde aliás nunca saiu, bem como a elaboração de um documento que formalizasse tal situação.

I. O Tribunal da Relação entende que tais estipulações verbais são consideradas essenciais e contrárias ao conteúdo do contrato-promessa, sendo consequentemente nulas.

Ora, de acordo com o proferido no Acórdão da RL de 7.11. 1991, proferido no âmbito do processo n.°0032506, “Elementos essenciais do contrato-promessa de compra e venda são a identidade dos sujeitos e da coisa a transmitir e o preço respectivo”.

J. As estipulações verbais repetidamente referenciadas pela Ré não poderão ser consideradas nulas, pois enquadrar-se-ão no âmbito das estipulações verbais acessórias. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.09.2010, proferido no âmbito do processo n.°1981/07.9TBGRD.C1.S1[2], verificamos que, pode, todavia, acontecer que a razão da exigência da forma não abranja as estipulações acessórias.

K. Veja-se também o Acórdão da RL, de 07.11.1991, proferido no âmbito do processo nº 0032506, quando se pronuncia no sentido de que, “no nosso direito não é aceitável o principio de que todo o negócio acessório ou modificativo de um negócio submetido pela lei a forma especial tenha de seguir a forma deste” (Vaz Serra, RLJ 108/335, penúltimo parágrafo da primeira coluna; cfr. art. 410 Código Civil).

L. Os artigos 220.° e 221.°, ambos do Código Civil, devem ser entendidos no sentido de não obstarem a que, estipulações verbais acessórias como as alegadas pela Ré, sejam consideradas válidas e eficazes.

M. Os AA. na qualidade de compradores do referido imóvel, agiram com má-fé ao exercerem o seu direito, uma vez que, os mesmos se aproveitaram da incúria, da idade avançada e da boa-fé da Ré, que confiou na palavra daqueles, no sentido de se vir a garantir e acautelar a sua em relação ao imóvel. A entender-se que é nulo o contrato verbal celebrado pelas partes, devido à falta de elementos essenciais, tal facto apenas se deveu ao comportamento dos AA., que não diligenciaram, tal como fora acordado, de reduzir o contrato a escrito.

N. Ao alegarem a nulidade do contrato, os AA. estão a beneficiar de uma situação a que os próprios deram origem e tal facto consubstancia-se na existência de abuso de direito de acordo com o previsto no artigo 334.° do Código Civil.

De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º1464/11.2TBGRD-A.C1.SI, de 12/11/2013: “São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente: a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento”que nela assentou.” O. Encontram-se portanto verificados no presente caso os pressupostos do referido instituto do abuso de direito, e assim sendo, tal comportamento não deve ser alvo de qualquer merecimento por parte do ordenamento jurídico vigente, uma vez que, terá como consequência a desocupação por parte da Ré, agora de idade avançada, da casa que a mesma construiu e onde sempre viveu. Por conseguinte, apenas mediante o reconhecimento de que os AA...

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