Acórdão nº 1004/12.6TJLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução09 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

O Ministério Público instaurou contra AA - …, Lda.

, acção com processo comum, sob a forma sumária – ao abrigo do disposto nos arts. 25.° e segs. da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG), aprovada pelo DL n.º 446/85, de 25-10, com a redacção conferida pelos DL n.ºs 220/95, de 31-08, 249/99, de 07-07, e 322/2001, de 17-12, formulando os seguintes pedidos: 1. Declararem-se nulas: (a.) A cláusula 8.2: (i.) Das condições gerais do contrato de manutenção simples; (ii.) Das condições gerais do contrato de manutenção simples com serviço de 24 horas; (iii.) Das condições gerais do contrato de manutenção completa; (b.) A cláusula 5.ª: (i.) Das condições específicas do contrato de manutenção simples; (ii.) Das condições específicas do contrato de manutenção simples com serviço de 24 horas; (iii.) Das condições específicas do contrato de manutenção completa; condenando-se a ré a abster-se de se prevalecer e de as utilizar em contrato que de futuro venha a celebrar especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição.

  1. Condenar-se a ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença sugerindo-se que seja feita em anúncio a publicar em dois dos jornais de mais tiragem editados em Lisboa e Porto, durante três dias consecutivos; 3. A Remessa ao Gabinete de Direito Europeu de certidão da sentença para os efeitos previstos na lei.

    Alegou, para tanto e em síntese, que a ré, no exercício da sua actividade de prestação de serviços de assistência técnica, manutenção e reparação de ascensores eléctricos e hidráulicos, instalações eléctricas e equipamentos mecânicos procede à celebração de contratos de manutenção simples, manutenção simples com serviço de 24 horas e de manutenção completa.

    As cláusulas supra referidas integram os referidos contratos e são previamente elaboradas e apresentadas já impressas aos interessados na celebração dos contratos.

    A cláusula 8.2 de cada um desses contratos é nula por contrária à boa-fé, visto que consagra uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir – ex vi art. 19.º, alínea c), da LCCG –, porquanto da sua aplicação resultará o pagamento para o aderente da totalidade das prestações correspondentes aos meses do contrato em que este já cessou, sem a contraprestação do serviço pela ré, que, para além disso, também fica beneficiada por receber de uma só vez e em antecipação ao que estava previsto.

    A cláusula 5.ª de cada um desses contratos também é nula, considerando que, face à duração de cada um desses contratos (2 anos e 5 anos), é manifestamente excessivo a fixação de um período de 90 dias de antecedência para a sua denúncia –ex vi do art. 22.º, n.º 1, alínea a), do mesmo DL n.º 446/85.

    * A ré contestou, reconhecendo a elaboração prévia das cláusulas sindicadas, utilizadas no relacionamento com os seus clientes; excepcionou, alegando que são objecto de negociação com os mesmos, concluindo pela não aplicabilidade do regime da LCCG.

    No mais, impugnou a pretensão do autor, negando a existência de desproporcionalidade relativamente às cláusulas que fixam indemnizações e defendendo que a cláusula que fixa o prazo de denúncia não é excessiva, concluindo pela improcedência da acção.

    O autor foi convidado a concretizar a alegada desproporcionalidade dos valores indemnizatórios, ao que acedeu, mantendo a sua posição.

    * Ambas as partes juntaram documentos e arrolaram outros meios de prova, tendo-se procedido à realização da audiência de discussão e julgamento.

    Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

    Inconformado, o Ministério Público recorreu de apelação, para a Relação de Lisboa que, por acórdão do pretérito dia 27-05-2014, decidiu: “Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, e consequentemente:

    1. Declaram a nulidade da cláusula 8.2 das condições gerais do contrato de manutenção simples, do contrato de manutenção simples com serviço 24 horas e do contrato de manutenção completa; b) Declaram a nulidade da cláusula 5.ª das condições contratuais específicas do contrato de manutenção simples, do contrato de manutenção simples com serviços 24 horas e do contrato de manutenção completa: c) Condena-se a recorrida a abster-se de utilizar nos contratos que, no futuro, venha a celebrar as cláusulas acima referidas; d) Condenam a recorrida a publicitar a expensas suas, esta proibição, com transcrição integral das referidas cláusulas através de anúncio a publicar, durante três dias consecutivos, em dois jornais diários, de maior tiragem, editados em Lisboa e no Porto, de tamanho não inferior a ¼ de página, e a comprovar, no processo essa publicação, no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado deste acórdão; Determina-se a remessa deste acórdão, após ter transitado em julgado, ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça”.

      * Agora insatisfeita, veio a ré recorrer para este STJ, concluindo, assim, a minuta de recurso: i) Estabelece a referida Cláusula 8.2 dos contratos, uma indemnização a favor da ora Recorrente nos casos em que os Clientes rescindam os contratos sem fundamento em justa causa, impedindo que os mesmos se mantenham vigentes durante o prazo livremente contratado entre as partes, de acordo com o interesse e vontade previamente expressados pelo Cliente.

      ii) Nestes casos, à ora Recorrente assiste o direito a ser indemnizada - constituindo a referida disposição uma cláusula penal.

      iii) A cláusula penal respeita o critério da proporcionalidade e da adequação no respeito pelo contrato padronizado em que se insere, avaliando a proporcionalidade à luz do critério geral da boa fé – conforme estabelecem os artigos 15.° e 16.°.

      iv) Ora, nos presentes autos, verifica-se que a sanção pecuniária prevista na Cláusula sindicada (8.2), apenas se estabelece para situações em que – por iniciativa do Cliente – a ora Recorrida se viu injustificadamente privada do cumprimento de um contrato e da prestação do seu serviço.

    2. O facto de, em consequência da privação do cumprimento do contrato por iniciativa do Cliente, a ora Recorrente se ver exonerada da correspondente prestação de serviços – como invoca o Douto Acórdão –, não provém de iniciativa nem opção sua e, como tal, não pode por isso, ser ela injustamente sancionada e prejudicada por esse facto.

      vi) A indemnização estabelecida, tem em vista o ressarcimento de prejuízos injustificadamente sofridos com a frustração da expectativa – natural e legitima – do cumprimento integral do contrato.

      vii) A indemnização prevista – apenas em situações de incumprimento injustificado pelo Cliente –, "(...) não excede o valor do prejuízo resultante do incumprimento (...)" – artigo 811.° do Código Civil.

      viii) Na realidade, o ressarcimento da ora Recorrente corresponde apenas ao habitualmente considerado “dano de confiança”, de acordo com o estabelecido nos artigos 562.° e seguintes do Código Civil (artigos 432.°, 433.°, 434.°, n.° 2, 801.°, n° 2 e 802.°, n.° 1 do Código Civil), sendo justamente exigido ao Cliente o ónus de invocar e demonstrar (a bem da segurança jurídica) que tal não se verifica se estiver perante incumprimento ou cumprimento defeituoso da ora Recorrente.

      ix) Concluir – como fez o Tribunal da Relação – que a exigência/ónus de o Cliente ter que demonstrar a existência de incumprimento ou cumprimento defeituoso “(...) pode significar o não funcionamento da parte excetiva da cláusula, com inerente prejuízo do aderente/cliente (...)”, é incorrecto.

    3. Para defesa da segurança do comércio jurídico – e das partes que contratam entre si – é absolutamente fundamental que quem invoca um direito tenha o ónus de o demonstrar caso a outra parte dele discorde - assim impõe, entre outros, o n.° 1 do artigo 799.° do Código Civil.

      xi) Considerar que esse ónus pode constituir um prejuízo para o Cliente, desvirtua e corresponde à negação do principio da presunção de culpa (obrigação de prova dos direitos invocados) – violando o disposto no artigo 799.° do Código Civil.

      xii) Assim, a referida Cláusula, funciona não só como compulsória do cumprimento contratual, mas também como sancionatória em caso de incumprimento injustificado pelo Cliente.

      xiii) Tal não se traduz numa “{...) desequilibrada repartição de direitos e deveres entre as partes (...)” nem numa “(...) desproporção sensível relativamente aos interesses em confronto (...)”. Antes visa prever o ressarcimento dos elevados investimentos e das naturais expectativas da ora Recorrente.

      xiv) Tendo presente que o valor de indemnização fixado corresponde ao valor que o credor cumpridor (ora Recorrente) tem a legitima expectativa de receber, não se pode considerar existir qualquer desproporção.

      xv) À ora Recorrente não é devido mais que aquilo que lhe é concedido aquando da contratação – o cumprimento do contrato com a contrapartida remuneratória aos investimentos por si realizados com vista à prestação idónea e profissional.

      xvi) Sendo escopo das cláusulas penais “em sentido estrito” obrigar o devedor a efectuar o cumprimento, estabelecer um modo alternativo de cumprimento da obrigação principal, a que aquele injustificadamente se recusou, é justamente em que consiste a prestação da sanção.

      xvii) No caso da Cláusula sindicada, ocorrendo resolução sem qualquer fundamento pelo Cliente, a ora Recorrente não pode exigir o cumprimento coercivo da obrigação principal, conforme dispõe o artigo 811.°, n.° 1 do Código Civil – ao caso, seria sempre o respeito pela vigência livremente estipulada do contrato –, daí a cláusula penal, indemnizatória, servir também como um modo alternativo do cumprimento da obrigação principal.

      xviii) Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos nos processo n.° 08S2056, de 22.10.2008, e 81/1998.Cl.SI, de 27.09.2011.

      xix) No caso em apreço, faltando o devedor (o Cliente) culposamente (ao resolver injustificadamente o Contrato) ao...

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