Acórdão nº 203/12.5TTGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | MELO LIMA |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (Revista) – 4ª Secção (ML/MBM/PH) I.
1.
Em 22 de maio de 2012, no Tribunal do Trabalho da Guarda, AA intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra a BB, pedindo a condenação desta a: (i) reconhecer a autora como professora licenciada e profissionalizada, e, como tal, integrada na categoria “A” – Professores Licenciados - da tabela de vencimentos do contrato coletivo de trabalho para o ensino particular e cooperativo assinado pela AEEP e a FENPROF; (ii) pagar à autora a quantia de € 47.589,22, decorrente de diferenças salariais vencidas e não pagas, que constituem créditos laborais da autora emergentes do contrato de trabalho que vinculou a autora e a ré entre 1/9/91 e 30/11/11 e (iii) pagar à autora juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre a quantia referida em (ii), até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que foi trabalhadora subordinada da ré entre 01/09/91 e 30/11/11, data em que o contrato de trabalho cessou por despedimento coletivo promovido pela ré e que abrangeu a A.; à relação de trabalho e à sua cessação deveria aplicar-se o CCT outorgado entre a AEEP e a FENPROF (BTE n.º 11, de 22/03/07, e sucessivas atualizações), por assim o determinar o Regulamento Interno da R. e porque a R. se vinculou à aplicação daquele CCT em diversos documentos por si emitidos (v.g., recibos de vencimento, mapas do quadro de pessoal…), razão pela qual a A. deveria ter sido remunerada, a partir de 01/09/07, pelos índices salariais C3 e depois A3 previstos nesse CTT, o que não aconteceu; por consequência, são devidas à A. diferenças nas retribuições e na compensação devida pela cessação do contrato de trabalho que melhor enuncia e quantifica ao longo da petição, em consequência do que deve a ré ser condenada nos termos peticionados.
A R. contestou, pugnando pela integral improcedência da ação, alegando, para o efeito e em síntese, que o CCT invocado pela A. não se aplica à relação de trabalho que existiu entre elas, além de que a R. nunca se vinculou para com a A. no sentido do pagamento das quantias por ela peticionadas, tanto mais quanto é certo que o Regulamento Interno da R. invocado na petição apenas se aplica, na parte referente a direitos remuneratórios, ao pessoal não docente.
A A. respondeu para, em resumo, sustentar a aplicação daquele CCT à relação de trabalho entre ela e a R., indicando as portarias de extensão que tal determinariam; mais sustentou que as diferenças salariais devidas pela R. à A. também resultam da aplicação a tal relação de trabalho do Regulamento Interno da R. e da remissão nele contida para aquele CCT.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação provada e procedente, assim declarando «a A. professora licenciada e profissionalizada e, como tal, integrada na categoria “A – professores licenciados” da tabela de vencimentos do contrato coletivo de trabalho para o ensino particular e cooperativo, e assim credora, a título de créditos laborais, da quantia de € 47.589,92» e condenando a «a R., BB, no pagamento, à A., AA, da referida quantia de quarenta e sete mil quinhentos e oitenta e nove euros e noventa e dois cêntimos, acrescida de juros, à taxa legal, desde o vencimento das respetivas parcelas e até integral pagamento».
2.
Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu julgar «a apelação procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida e a absolvição da R. dos pedidos contra si formulados pela A.» É contra esta decisão que, agora, se insurge a A., mediante recurso de revista interposto para este Supremo Tribunal no qual alinha as conclusões seguintes: «1. Na esteira do comando constitucional (artigo 75° da CRP) e de acordo com o disposto na Lei de Bases do Sistema de Ensino Português (Lei 46/86 de 14 de Outubro, alterada pela Lei 49/2005 de 30 de Agosto), o sistema de ensino português apenas abrange o ensino público, privado e cooperativo (estes dois últimos subsidiados ou não).
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O ensino profissional, fazendo parte integrante da educação escolar, apenas em escolas públicas, privadas e cooperativas (estas duas últimas subsidiadas ou não) pode ser ministrado.
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Assim o dita, também, o artigo 2.º do DL 4/98 de 8 de Janeiro.
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O ensino profissional é, à semelhança do ensino secundário dito regular, uma modalidade da educação escolar. Estão, no entanto, ambas reguladas e regidas pelos mesmos princípios e objetivos, pese embora o ensino profissional através de uma vertente orientada para a vida ativa.
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O setor económico a que a R. se dedica é económica e socialmente igual ao prosseguido pelo CCT - educação e ensino (vide neste sentido Estatutos da AEEP, entidade subscritora do CCT, cuja última alteração foi aprovada em 29 de novembro de 2013, com última publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2013).
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O Contrato Coletivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo, conforme alude o n.º 1 do seu artigo 1.º, é aplicável em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes, abrangendo 500 empregadores e 35 224 trabalhadores.
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Estabelecimentos de ensino particular e cooperativo são, para efeitos daquele Contrato Coletivo e como bem refere o n.° 2 daquele artigo a instituição criada por pessoas, singulares ou coletivas, privadas ou cooperantes, em que se ministre ensino coletivo a mais de cinco crianças com 3 ou mais anos.
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Do exposto resulta que a Escola Profissional de Trancoso se insere, e está abrangida, pelos requisitos exigidos pelo CCT do Ensino Particular e Cooperativo para que lhe possa ser estendido o seu clausulado.
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Não sendo a R. sócia da AEEP mas da ANESPO - conforme factos provados - e embora a filiação da A. na associação sindical outorgante daquele IRCT - documento n.° 10, junto com a PI e não impugnado - tal Contrato Coletivo de Trabalho só por via de Extensão ou por vontade das partes poderia ser aplicado.
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Aplicação que se tem de considerar obrigatória.
Com efeito, 11. Resultando das normas ao caso aplicáveis que a R. é um estabelecimento de ensino particular e cooperativo cujo ramo de atividade é o definido pelo CCT do Ensino Particular e Cooperativo e que recebeu apoios financeiros do Ministério da Educação e do Fundo Social Europeu para financiamento de despesas de pessoal e de funcionamento, cumpria integralmente os requisitos exigidos para poder[em] ser-lhe aplicada[s] as Portarias de Extensão 1483/2007 de 19 de novembro e 25/2010 de 11 de janeiro, bem como a Portaria de Extensão 462/2010 de 1 de julho.
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Mesmo que assim não se entendesse, o que só por hipótese académica se equaciona, por força dos factos provados e dos documentos juntos e não impugnados, a outra conclusão se não poderia ter chegado senão a que eles traduziam indícios, não refutados, que a vontade e prática da R. era a da aplicação da tabela salarial do CCT do Ensino Particular e Cooperativo aos trabalhadores (docentes e não docentes) ao seu serviço, vontade que a partir de determinado momento, unilateral e arbitrariamente deixaram de cumprir (vide documento 6 junto pela Ré na sua contestação).
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Considerar o contrário será pôr em causa o dever da boa-fé a que a R., por força do disposto no artigo 126.º do Código de Trabalho, está obrigada, bem como a força probatória e autenticidade dos documentos a que alude o artigo 376.° do CC.
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Resulta assim que o Acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação, designadamente no disposto nos artigos 9.º, 376.° do Código Civil, artigos 1.°, 126.° e 514.º do Código de Trabalho, bem como do clausulado no CCT do Ensino Particular e Cooperativo, designadamente, dos artigo 1.º e do n.º 5 do 11.º A, assim tendo violado as referidas normas».
Conclui no sentido de dever «ser concedido provimento ao presente Recurso de Revista e em consequência, por força do erro de interpretação e aplicação do direito ao caso aplicável, ser revogado o Ac. da Relação de Coimbra nestes autos proferido».
A R. contra-alegou, mas, em virtude da prática extemporânea desse ato, foi ordenado o seu desentranhamento dos autos.
Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto concluiu que o recurso de revista deve improceder, parecer que, notificado às partes, não obteve qualquer resposta.
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No caso vertente, a primordial questão suscitada no recurso consiste em saber se à relação laboral mantida entre A. e R. é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AEEP e a FENPROF.
Concluindo-se nesse sentido, cumprirá conhecer da reclamada reclassificação profissional da A. e das inerentes e peticionadas diferenças salariais, bem como do valor indemnizatório devido a título de compensação pelo despedimento coletivo operado pela R. e que englobou a A.
Preparada a deliberação, cumpre decidir: II 1.
Os factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido foram os seguintes: 1) A A. foi contratada pela ré, a 1 de setembro de 1991, mediante contrato de trabalho a termo certo, pelo período de dois anos, para o exercício de funções inerentes à categoria profissional de professora.
2) O contrato de trabalho celebrado produzia efeitos a partir da data da sua celebração, e foi convertido em contrato de trabalho sem termo, a 1 de setembro de 1994.
3) A autora iniciou de imediato as suas funções nas instalações da ré, na Escola Profissional de Trancoso, exercendo as funções inerentes à categoria de professora, de acordo com as ordens, direção e fiscalização da ré, e nas suas instalações, auferindo, à data da cessação do contrato de trabalho, o vencimento base de € 1.349,26.
4) Este quantitativo é igual ao vertido para o nível C-3 da tabela de vencimentos do pessoal docente do contrato...
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