Acórdão nº 146/13.5JAGRD.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução24 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado pelo tribunal coletivo do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por acórdão de 2.4.2014, nas seguintes penas: - pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal (CP), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - pela prática de um outro crime de roubo, p. e p. pela mesma disposição legal, na pena de 4 anos de prisão; - pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, 22º e 23º do CP, na pena de 1 ano de prisão; - pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do CP, na pena de 10 meses de prisão; e - pela prática de um outro crime de sequestro, p. e p. pela mesma disposição legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

Desta decisão recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo: 1.ª Por douto Acórdão de 02 de Abril de 2014, foi o ora Recorrente condenado como autor material e em concurso real: de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses prisão; de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do CP, na pena de 4 anos de prisão; de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1, 22.º, e 23.º do CP, na pena de 1 ano de prisão; de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1, do CP, na pena de 10 meses de prisão; e de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. Contudo, e salvo melhor entendimento, entende-se que a factualidade dada como provada nos pontos 1 a 41 do douto Acórdão recorrido apenas é apta a preencher o crime de roubo, e que o eventual crime de sequestro em causa nos presentes autos é consumido pelo crime de roubo.

  2. Pois, o crime de roubo consuma-se quando o agente passa a poder dispor da coisa (teoria da disponibilidade).

  3. Ora, o arguido apenas pôde dispor dos bens que se apropriou, com domínio minimamente estável, quando é deixado no local por si indicado às vítimas e passa a circular sozinho com os bens que se apropriou, não existindo qualquer quebra da unidade criminosa na conduta do arguido, nem alteração do elemento volitivo.

  4. Nunca pretendeu o arguido privar tão só os ofendidos da sua liberdade de locomoção, mas privá-los dessa liberdade com vista a consumar o crime de roubo.

  5. Pelo que, a privação da liberdade por parte das vítimas integra um dos elementos do crime de roubo, configurando o crime de sequestro o crime-meio, pois permitiu ao arguido apoderar-se de importâncias em dinheiro utilizando os cartões de Multibanco.

  6. Não sendo, assim, susceptível de punição autónoma como crime de sequestro, pois a privação da liberdade não excedeu o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e/ou executados, pelo que deve ser o arguido absolvido dos dois crimes de sequestro pelo qual foi condenado.

  7. Acresce, salvo melhor opinião, encontra-se preenchida a previsão da alínea c), do nº 2 do artigo 72º do C.P., susceptível de aplicação do instituto da atenuação especial da pena.

  8. Ora, o arguido praticou actos nos presentes autos demonstrativos de arrependimento sincero, nomeadamente, diligenciando pela reparação dos danos patrimoniais causados a BB, pese embora estivesse em prisão preventiva, sendo que, relativamente à ofendida CC, só não o fez por os objectos roubados estarem apreendidos à ordem dos presentes autos, podendo ser-lhe restituídos logo que o requeira, o que já fez - cfr. depoimento de CC constante do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12 horas e 57 minutos e o seu termo pelas 13h04 minutos do dia 12/03/2014; BB constante do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12 horas e 50 minutos e o seu termo pelas 12h57 minutos do dia 12/03/2014.

  9. Resulta de igual modo do douto Acórdão recorrido que “os factos acima dados como provados assentam na confissão integral e sem reservas produzida pelo arguido ao longo das suas declarações iniciais.” 11.ª Sendo que, do ponto 79 da matéria de facto dada como provada resulta que o ofendido BB foi reparado dos danos patrimoniais causados pelo arguido.

  10. E do ponto 80 e 81 da matéria de facto dada como provada resulta que o arguido pediu desculpas aos ofendidos BB, CC e DD.

  11. Assim, e atento o quadro em que ocorreram os factos em questão, dependência do consumo de produtos estupefacientes, aliado a distúrbio psiquiátrico, não ter qualquer condenação averbada no seu registo criminal e já ter reparado os danos, o que faz presumir a sua recuperação social, depõe relevantemente a seu favor e evidencia uma acentuada diminuição das exigências de prevenção, pelo que se nos afigura que o Tribunal a quo podia – devia – ter feito uso do regime da atenuação especial da pena.

  12. Fazendo uso de tal regime, e a ser aceite que o crime de roubo praticado pelo arguido consumiu o crime de sequestro, e aplicando ao arguido o regime da atenuação especial, a moldura legal dos crimes de roubo imputados ao arguido passava de um mínimo de 1 mês a 5 anos e 4 meses.

  13. Não o entendendo assim, e não aplicando ao arguido o regime da atenuação especial, cremos que o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação, a norma constante do art.º 72 do Código Penal.

  14. A ter acolhimento por este Venerando Tribunal a entendimento exposto que o arguido incorreu somente na prática de dois crimes de roubo e um crime de roubo na forma tentada, e que beneficia do instituto da atenuação especial.

  15. Considerando que o arguido, de 38 anos de idade, é primário; colaborou com a justiça, tendo confessado os factos; pediu desculpas às vítimas; mostrou-se arrependido; os factos ocorreram durante um curto espaço de tempo (3 dias); demonstrou uma ausência de personalidade propensa para a criminalidade; ressarciu das vítimas; não consumir produtos estupefacientes desde a prática dos factos 18.ª Entendemos, salvo melhor opinião, que mostrando-se eliminada a causas principais do crime, quais seja, o consumo de produtos estupefaciente e encontrando-se, agora, devidamente medicado para a doença Bipolar Tipo I, o juízo de prognose póstuma não poderá deixar de ser favorável, no sentido de uma reintegração e preparação para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometimento de futuros crimes.

  16. Neste quadro, tendo em conta que a moldura penal do concurso de crimes tem como limite mínimo 15 meses de prisão - pena parcelar mais elevada – e como limite máximo 3 anos de prisão - soma de todas as penas parcelares -, estamos em crer que a pena deverá ser fixada em 2 anos e 6 meses que poderá ser ajustada à gravidade do ilícito global, já devidamente salientada, e à personalidade revelada pelo arguido na sua referência à totalidade dos crimes 20.ª Ante o exposto deve a pena que vier ser aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada a condições de não consumir estupefacientes, não praticar actividades ilícitas e submeter-se à fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, nos termos do artigo 51º nºs 1 e 4 do CP.

  17. A não ter acolhimento por este Venerando Tribunal o entendimento que o arguido incorreu somente na prática de dois crimes de roubo e um crime de roubo na forma tentada, e que beneficia do instituto da atenuação especial, o que não se concede, mas que por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que a pena aplicada ao arguido pelo douto Tribunal a quo, revela-se exagerada e desproporcional à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial.

  18. De facto, considerar que a pena a aplicar ao arguido deve ser mais grave, por entender que as exigências de prevenção geral são mais elevadas atento os factos terem corrido num contexto “serrano” em vez num contexto social mais urbano, é inconstitucional.

  19. A interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 71.º, n.º 1 do C.P., quanto à prevenção geral, no sentido, de considerar ser de agravar a pena a aplicar ao arguido, devido ao espaço geográfico onde praticou o crime, é inconstitucional, por ofender o princípio da igualdade, inconstitucionalidade que se invoca para e com todas as legais consequências.

  20. Os factos que sobre si recaem foram confirmados pelo arguido que os confessou integralmente e sem reservas, de livre e espontânea vontade, demonstrando um arrependimento sincero.

  21. Daí que, ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo poderia e deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento e vontade manifestada pelo arguido em reparar a sua atitude e tomar um novo rumo na sua vida.

  22. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artigo 71.° do Código Penal.

  23. Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados; as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

  24. O grau de ilicitude sendo elevado, é de salientar o facto do recorrente na altura da prática dos factos se encontrar num momento de...

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