Acórdão nº 213/05.9TCLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 213/05.9TCLSB, da 3.ª vara criminal de Lisboa, após julgamento, realizado na ausência do arguido, nos termos do artigo 333.º, n.

os 1 e 2, do Código de Processo Penal[1], foi proferido, em 15/11/2005, acórdão condenatório do arguido AA, ..., de nacionalidade ..., solteiro, residente em ..., ..., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso para a relação, vindo, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Dezembro de 2014, no parcial provimento do recurso, o arguido a ser condenado, por um crime de tráfico de estupefacientes, do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

  2. Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Rematou a motivação de recurso com a formulação das seguintes conclusões: «1) O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.° 21.º do DL n.º 15/93, na pena única de sete anos de prisão efectiva, entretanto reduzida para cinco anos e meio de prisão.

    «2) Ora, nos autos de que ora nos ocupamos, os senhores BB e CC, "co-arguidos/testemunhas" vieram a depor como testemunhas, mas a valoração dos seus depoimentos deveria ser analisada como se de "verdadeiros co-arguidos" se tratassem, tanto assim que o Tribunal a quo entendeu proceder (e bem) à advertência legalmente prevista no art.º 133.º do CPP.

    «3) Destarte, o Tribunal não podia valorar tais depoimentos, dado que o arguido foi julgado na ausência e não poderia solicitar esclarecimentos a tais declarações, não podendo considerar-se a sua ausência suprida pelo seu Ilustre Defensor, já que este não estava munido do necessário conhecimento factual da situação, face à ausência do Arguido.

    «4) Desta forma, a consideração da prova testemunhal dos Senhores BB e CC concretiza interpretação do art.º 127.° do CPP em sentido manifestamente inconstitucional, porquanto o Tribunal reputou credível o relato de testemunhas que depuseram de forma interessada, violando assim as garantias de defesa consagradas no art.º 32.°, n.º 1 da CRP, mormente o princípio acusatório e o direito ao silêncio, sendo certo que neste caso o julgamento decorreu na ausência do arguido, pelo que a este tampouco foi permitido pedir esclarecimento às declarações das tais "testemunha co- arguidos", não podendo simplesmente ser bastante a presença do Defensor Oficioso, já que este não tem conhecimento directo dos factos.

    «5) Neste consentâneo, sob pena de violação dos Princípios Gerais das Garantias de Defesa, da Investigação ou da Verdade Material e da Livre Apreciação da Prova (enquanto princípios estruturantes estabelecidos na Constituição da República Portuguesa), expressamente se suscita a inconstitucionalidade dos art.ºs 127.° e 345.°, ambos do CPP, se interpretados no sentido de ser possível a consideração, para efeitos de convicção do Tribunal, do depoimento de declarações de co-arguidos em processo entretanto separado, no caso do arguido ser julgado na ausência.

    «6) Salvo melhor opinião, desconsiderados os depoimentos de BB e CC, deverá o Arguido ser absolvido da prática dos crimes que foi acusado.

    «7) Subsidiariamente, caso se decida improcedente a argumentação ora desenvolvida, no sentido desta Instância Última considerar que são inadmissíveis os depoimentos de co-arguido, quando o arguido é julgado na ausência, urge e porque efectivamente se trata de questão de direito (e, bem assim, se trata de questão sindicável por esta instância), realçar que o crime imputado ao arguido não é o adequado, face ao quadro factual fixado pelas instâncias.

    «8) De facto, a conduta imputada ao Arguido enquadra-se no tipo legal de crime previsto no art.º 25.° do DL n.º 15/93 e não o art.º 21.°, n.º 1, conforme abundante jurisprudência supra citada, dado que estamos perante uma situação isolada e não perante alguém que faz do seu modo de vida a prática de crimes de tráfico de estupefacientes.

    «9) A situação ocorrida nestes autos é similar a outros casos, tratados pela Justiça Portuguesa, no âmbito normativo do art.º 25.° do DL n.º 15/93, por referência aos “critérios" que nestas circunstâncias são utilizados, como seja, a organização ou logística bastante rudimentares ou a modalidade ou acção, que constituem tráfico ocasional ou de circunstância.

    10) Daí que este Tribunal deva alterar a imputação de ilícito tipo do art.º 21.° do DL n.º 15/93 para aquele que está previsto no art.º 25.°, mais ordenando a descida dos autos ao Tribunal de 1.ª Instância para aí ser novamente equacionada a medida concreta da pena ou, caso este Alto Dicastério entenda poder decidir a pena concreta a aplicar, pela prática de crime p. e p. no ar.º 25.º do DL n.º 15/93, estabelecer a pena dentro da moldura legal de um a cinco anos.

    «11) Ainda subsidiariamente, caso V.ªs Ex.ªs mantenham a factualidade dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância, por cautela de patrocínio e no que tange à dosimetria da pena, a mesma revela-se excessiva.

    «12) Importa melhor considerar a medida concreta da pena, atentas as circunstâncias atenuantes, como o facto do Arguido não ter quaisquer antecedentes criminais, o que revela que a pena de prisão efectiva aplicada de cinco anos e seis meses é manifestamente excessiva, tendo em conta outras decisões jurisprudenciais condenatórias neste tipo de crimes, como as supra citadas «13) Desta guisa, deverá o Arguido ver a sua pena significativamente reduzida e aplicada a suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que o mesmo se apresentou em juízo e pretende resolver a sua situação jurídico-penal definitivamente, não havendo mais nenhum registo de ilícito ou sequer notícia de investigação criminal pendente.

    14) E decidirem, ainda, o que mais reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento.

    4.

    Foi proferido despacho a admitir o recurso.

  3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso pronunciando-se, com suficiência, no sentido de lhe ser negado provimento.

  4. Remetidos os autos a esta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[2], também o Exm.º Procurador-geral-adjunto se pronunciou, com proficiência, sobre as questões objecto do recurso sendo de parecer de que nenhuma delas merece provimento.

  5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente respondeu, reiterando o teor e fundamentação do recurso e observando, quanto à manutenção da medida concreta da pena, que os factos foram praticados há mais de dez anos e, quanto ao conhecimento da questão da alteração da qualificação jurídica dos factos, ainda que na perspectiva de que se trata de questão nova, que essa matéria é de conhecimento oficioso.

  6. Não havendo razões que determinem que seja proferida decisão sumária (n.º 6 do artigo 417.º do CPP) e não tendo o recorrente requerido a realização da audiência (n.º 5 do artigo 411.º do CPP), remeteu-se o julgamento do recurso para a conferência (artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).

    Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.

    Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.

    II 1. definição do objecto do recurso Atendendo às conclusões formuladas pelo recorrente – que definem e delimitam o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP) –, são as seguintes as questões que o recorrente traz à apreciação deste Tribunal: i) não poderem os depoimentos de BB e de CC servir de meio de prova dos factos imputados ao recorrente e ser inconstitucional uma interpretação dos artigos 127.º e 345.º do CPP no sentido de que é possível a consideração, para efeitos da convicção do tribunal, “do depoimento de declarações (sic) de co-arguidos em processo entretanto separado, no caso de o arguido ser julgado na ausência”; subsidiariamente, ii) dever ser alterada a qualificação jurídica dos factos, para o crime do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93; de qualquer modo, iii) dever a pena ser reduzida e suspensa na sua execução.

    *** 2. Factos provados São os seguintes os factos dados por provados na 1,ª instância e mantidos pela relação: «1- O arguido dedica-se à comercialização de estupefacientes desde data não apurada tendo conhecido BB e CC em ....

    «2- O arguido deu conhecimento àqueles de que já tinha efectuado três viagens a Portugal transportando produtos estupefacientes sem ter tido qualquer problema com as autoridades.

    «3- Tendo-se proposto fornecer-lhes embalagens contendo cocaína vulgarmente denominadas "belotas" que aqueles deviam ingerir e transportar até Lisboa.

    «4- Como contrapartida pagaria 6.000 euros a cada um bem como as despesas decorrentes das viagens e estada.

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