Acórdão nº 2986/08.8TBVCD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA - Indústria de Reparação e Construção Naval, Ldª (A.), instaurou, em 21/10/2008, junto do Tribunal Judicial de Vila do Conde, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB (R.), a pedir a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 118.038,54, acrescida de € 23.607,71 relativos a IVA à taxa legal aplicável de 20%, caso o R. não comprovasse estar isento dele, e ainda os juros de mora contados, à taxa comercial, desde a citação, alegando, em resumo, que: .

A A., a pedido do R., executou trabalhos de reparação numa embarcação a este pertencente, com início em dezembro de 2006, conforme orçamento apresentado nos inícios daquele mês e contrato assinado em 24/05/ 2007; .

O preço de tais trabalhos, faturado conforme iam sendo solicitados, ascendeu ao total de € 205.538,54, sem IVA; .

Desse montante, o R. apenas pagou o total de € 87.500,00 até outubro de 2007, mas, a partir desta data, face à falta de pagamentos, a A. suspendeu os trabalhos na embarcação, a qual foi, contra a vontade da mesma A., retirada pelo R. dos estaleiros e removida para os estaleiros de uma outra empresa.

  1. O R. contestou, sustentando, em síntese, que: .

    Os trabalhos de reparação no seu barco foram objeto dum contrato de construção naval e de orçamento acordado com a A.; .

    Porém, a A. não executou a totalidade dos trabalhos contratados, recusando dar cumprimento ao projeto de estabilidade da embarcação, o que obrigou o R. à sua remoção para outro estaleiro com vista à execução dos trabalhos em falta.

    Concluiu pela improcedência da acção.

  2. A A.

    replicou a impugnar o alegado pelo R. e dizendo que: .

    O R. não aceitara o orçamento proposto para a realização dos trabalhos, pelo que estes foram sendo executados e faturados conforme lhe iam sendo solicitados por aquele; .

    Os trabalhos não foram terminados porque o réu deixou de proceder ao respetivo pagamento e removeu o navio para outro estaleiro.

  3. Findos os articulados e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi mandada desentranhar a réplica, seguindo-se a seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 186-195).

  4. Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida, conforme despacho de fls. 1663-1670, foi proferida sentença (fls. 1671-1684), em 19/11/2013, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 27.464,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal dos juros comerciais, desde a citação, sem prejuízo do pagamento do respetivo IVA, caso o R. não beneficie de isenção. 6.

    Inconformadas com tal decisão, ambas as partes interpuseram recursos para o Tribunal da Relação do Porto, os quais foram julgados parcialmente improcedentes, condenando-se o R. a pagar à A. o valor de € 42.305,00 acrescida de juros vencidos apenas a partir da data da sentença, confirmando-se no mais a sentença recorrida, conforme acórdão proferido a fls. 1830-1846/v.º, datado de 23/10/2014.

  5. Mais uma vez irresignadas, vieram ambas as partes interpor revista desse acórdão para este Supremo Tribunal, tendo formulado as seguintes conclusões: 7.1.

    Por parte do R.: 1.ª - Pese embora o acórdão recorrido mereça total respeito, não se pode conformar com a solução pelo mesmo encontrada para a situação submetida à sua apreciação; 2.ª - A vasta matéria de facto provada, submetida à apreciação deste STJ permite encontrar uma solução adequada e justa à resolução do litígio em causa; 3.ª - O Recorrente atribui à Recorrida a prática de uma conduta que conduziu ao incumprimento definitivo e culposo do contrato de empreitada por aquela; 4.ª - Resulta amplamente provado do teor destes autos, que o R. e a A. celebraram um contrato de empreitada que tinha por objeto principal a conclusão de uma embarcação, “CC”, no prazo convencionado, até 30/09/ 2007; 5.ª - Em junho de 2008, as obras de execução do mencionado contrato estavam suspensas pela A..

    6.ª - Em julho de 2008, o R. interpela o Instituto Marítimo Portuário, indagando do estado do processo. É informado de que faltam na instrução do mesmo, inúmeros documentos que já haviam sido soli-citados à A., em vistoria realizada em 10/10/2007; 7.ª - Em julho de 2008, o R. solicitou informações à Direção-Geral de Pescas sobre o andamento do processo e é informado de que a construção se processa de forma lenta; 8.ª - E que o prazo de conclusão da obra é até 30/09/2008, por decisão proferida pela Unidade de Gestão do PROMAR; 9.ª - Por missiva endereçada à A., o R. solicitou-lhe o envio da documentação em falta, essencial à conclusão da obra; 10.ª - Por carta de 04/08/2008, a A. informou o R. de que a documentação não será enviada e que “não é executado qualquer trabalho na embarcação”; 11.ª - O prazo fixado pelas Entidades Públicas para conclusão da obra, em 30/09/2008, era do conhecimento da A., construtora naval, sediada em …; 12.ª - A A. teve um prazo suplementar para conclusão da obra, entre o período que mediou o prazo convencional e o mês de agosto de 2008, ou seja, um prazo suplementar de doze meses para concluir a obra; 13.ª - Antes do envio da missiva datada de 4/8/2008, a A. nunca apresentou ao R. qualquer reclamação pelas obras ditas extra-contrato, que mencionasse a existência de uma obrigação pecuniária devida pelo R. e que fosse certa, líquida e exigível; 14.ª - Da experiência da A. na construção e reparação naval resulta que a mesma tinha conhecimento da essencialidade do prazo para cumprimento da obrigação principal emergente daquele contrato - a construção e conclusão dos trabalhos até 30/09/2008; 15.ª - A A. não cumpriu no que toca quer à obrigação principal emergente do contrato, quer às prestações acessórias daí decorrentes, o contrato de forma pontual e de boa-fé, violando desse modo o disposto nos artigos 406.º, n.º 1, e 763.º, n.º 1, ambos do CC, princípios norteadores do cumprimento de qualquer contrato; 16.ª - A confiança que preside à fase pré-negocial é essencial estar presente na execução do contrato, tendo a A. violado este princípio; 17.ª - Após a recusa da A. em executar a obra, o R. não procedeu a uma interpelação admonitória, fixando um prazo suplementar necessário e adequado ao cumprimento do contrato, porque aquela sobre o prazo convencionado para conclusão dos trabalhos - 30/9/2007- já tinha beneficiado de um prazo suplementar de 12 meses, até agosto de 2008, e não tinha concluído a empreitada adjudicada; 18.ª - Ademais e como é entendimento unânime, quer da doutrina quer da jurisprudência, aquele prazo só é necessário para conversão da mora em incumprimento definitivo, sempre que das concretas circunstâncias do caso, e da experiência comum, resulta que o prazo convencionado nos contratos não foi o prazo suficiente para o cumprimento da obrigação principal; 19.ª - Não foi esta a situação dos autos: a A. conhece da essencialidade do prazo para entrega da obra concluída em 30/9/2008; 20.ª - A A., pela experiência que tem da reparação e construção naval, sabe que se trata de um prazo perentório, ou seja, do denominado “prazo fatal”; 21.ª – Beneficiou de um prazo suplementar sobre o prazo convencionado, em cerca de 12 meses; 22.ª - Atentas as características daquele prazo, fixado pela Unidade de Gestão do PROMAR, o mesmo é um prazo perentório; 23.ª - Mesmo perante aquelas concretas circunstâncias, a Recorrida notifica o Recorrente que não executa mais a obra; 24.ª - Esta circunstância provada de que a A. se recusou a executar mais obra, acrescida do conhecimento pela mesma da essencialidade do cumprimento do prazo para conclusão da obra, determinam por aplicação, do princípio da boa fé contratual, que o R. não tivesse procedido a uma interpelação admonitória junto da A., para que esta cumprisse; 25.ª - Pelo que o R. não tinha que interpelar a A. para converter a mora em incumprimento, por estarmos perante uma exceção ao normativo constante do artigo 805.º, n. 1, do CC; 26.ª - A A., com toda a sua conduta, já havia entrado em incumprimento definitivo e culposo, não logrando afastar, ao longo de todo o processo, a presunção constante do artigo 799.º, n.º 1, do CC; 27.ª - O princípio da boa-fé contratual, pressupõe que o R. tivesse o direito de adjudicar a terceiro a conclusão das obras, dado o sistemático e contínuo incumprimento do contrato, pela A.; 28.ª - As instâncias viriam a considerar que houve desistência do contrato pelo R., nos termos do disposto no artigo 1229.º, n.º 1, do CC; 29.ª - Porém, não podem tirar tal conclusão da conduta do R., confrontado com um incumprimento definitivo do contrato pela A.; 30.ª - Diversamente da fundamentação constante do teor do acórdão recorrido, o R. não desistiu do contrato de empreitada, tal como vem regulado no artigo 1229.º do CC; 31.ª - A A. é que, de modo inequívoco, incorreu em incumprimento ilícito e culposo, recusando-se a executar obra socorrendo-se para o efeito de baixa chantagem; 32.ª - O R., diversamente ao sustentado no acórdão recorrido, manteve a vontade de cumprir aquele contrato de empreitada, mas perante o incumprimento definitivo da A., teve que adjudicá-lo a terceiro, que concluísse os trabalhos em falta; 33.ª – Assim, o prejuízo da A. há-de corresponder, à diferença entre o que o R. pagou para a conclusão da obra e o que teria que pagar na execução do contrato, acrescido do valor dos trabalhos a mais incorporados na embarcação pela A. ao tempo em que a mesma deixou de executá-la: - € 98.600,00 + € 42.305,00 = € 140.905.00 - € 87.500,00 = € 53.405,00; - € 53.405,00 - € 25.941,00 = € 27.464,00; 34.ª - Ou seja, há-de corresponder ao valor de € 27.464,00, acrescido de juros de mora calculados à taxa comercial em vigor, desde o trânsito em julgado da sentença final nestes autos lavrada; 35.ª - O acórdão recorrido, ao ignorar todas estas questões, violou de forma flagrante, o disposto nos artigos 799.º, n.º 1, 406.º, n.º 1, 801.º, n.º 1, 808.º, n.º 1, todos do CC; 36.ª -...

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