Acórdão nº 1380/13.3T2AVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução30 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] 1.

AA, de nacionalidade ucraniana, propôs contra a Companhia de Seguros BB, SA, ação de indemnização emergente de acidente de viação, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 252.000 euros acrescida de juros de mora vincendos contados à taxa legal, desde a citação, até efetivo pagamento em resultado da morte do filho, ocorrida no dia 7-4-2009 em Canela - Estarreja, quando se fazia transportar como passageiro no veículo conduzido por CC.

  1. O Tribunal da Relação revogou parcialmente a decisão considerando os juros devidos à taxa legal sobre o montante de 140.000 euros apenas desde 20-3-2014 até integral pagamento e sobre o montante de 1074 euros desde a citação até integral pagamento, mantendo em tudo o mais o decidido.

  2. A indemnização corresponde ao somatório dos seguintes danos parcelares: - 80.000 euros ( perda do direito à vida) - 60.000 euros (danos morais sofridos pela mãe com a morte do filho) - 1074 euros (despesas de funeral).

  3. A revista excecional foi admitida. Considerou-se que importava considerar a interpretação da norma constante do artigo 496.º/2 do Código Civil, visto que, a entender-se que o direito à indemnização pelo dano morte não pertence jure proprio aos interessados ali indicados, mas apenas por via sucessória por ser dano próprio da vítima, então a indemnização a arbitrar não poderia deixar de resultar da aplicação estrita das regras de direito sucessório.

  4. O acórdão recorrido, para além de considerar que a indemnização deve ser atribuída jure proprio, considerou ainda que, "tendo-se provado ter “o falecido vivido com a autora desde que nasceu até à data do acidente, sendo que o pai o abandonou, nunca mais tendo dado notícias nem se sabendo do seu paradeiro”, ter sido “sempre a mãe quem exerceu as funções de pai e mãe” e ter sido, “por sentença proferida pelo Tribunal do Concelho de Staryi Sambir, distrito de Lviv, Ucrânia, decretada a inibição do exercício do poder paternal relativamente ao pai do falecido” – faz todo o sentido considerar a aqui A/apelada como a única pessoa a integrar o grupo “pais e outros ascendentes” e, em função disto, conceder-lhe a totalidade da indemnização pelo dano da morte causado ao seu filho".

  5. A recorrente conclui a minuta de recurso nos termos que se transcrevem:

    1. Visa-se com o presente recurso, discutir a bondade da interpretação que, do n.º 2 do artigo 496° do Código Civil, é feita pelo Venerando Tribunal a quo, nos termos da qual o direito à indemnização pela perda do direito à vida da vítima nasce, diretamente, na esfera jurídica das pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 496° do C. Civil, devendo, a sua atribuição, ser norteada por critérios de afeto e proximidade, afastando, assim, critérios objetivos com os definidos no direito sucessório ou no próprio texto do n.º 2 do artigo 496° do C. Civil.

    2. Considera a recorrente errada a primeira premissa de que partiu o Venerando Tribunal a quo - isto é, a de que tal direito nasce na esfera jurídica das pessoas elencadas no n.º 2 do artigo 496° do C. Civil, - e insuportável (porque insuscetível de ser suportada) a forma como articula esta premissa com a introdução de um critério subjetivo de afeto ou proximidade na atribuição da compensação aos titulares do direito à mesma, referida naquele preceito.

    3. Enuncia o n.º 2 do artigo 496° um conjunto hierarquizado de pessoas que, por morte da vitima, se torna titular de um direito a compensação, sendo certo, contudo, que tal direito a compensação abrange não só os danos não patrimoniais próprios desses terceiros - nomeadamente a dor que sentem pela perda do seu ente querido - mas também a compensação pela própria perda do direito à vida da vítima que, por ficção, a Jurisprudência considera "nascer no momento da morte daquele".

    4. Ora, deste preceito resulta que, na ausência das pessoas enunciadas na lª parte desse preceito, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe aos pais ou outros ascendentes, não se vislumbrando a introdução de qualquer critério de proximidade ou afeto, nesta previsão.

    5. Tal critério de subjetividade ou proximidade encontrar-se-á, facilmente, nos danos não patrimoniais próprios de cada um dos terceiros, sendo, nessa sede, admissível que sejam tratados de modo diverso os sofrimentos de cada um dos progenitores, de acordo com a respetiva proximidade e relação de afeto com a vítima mortal.

    6. Não é esta a situação que envolve o dano resultante da morte da vitima, que, com todo o respeito pela opinião do Venerando Tribunal a quo, só por ficção absurda se pode considerar nascer na esfera de terceiros, neste caso, dos pais da vitima, que, manifestamente, não podem ver reconhecido um direito pela perda de outro (direito) de que não eram titulares.

    7. A ser aceite pelos Tribunais a "teoria do afeto e proximidade", - o que se recusa! - abre-se a porta a que se discuta se o direito a compensação pelo dano resultante da perda do direito à vida de um filho deverá ser atribuído a ambos os progenitores em partes iguais, ou diferentemente, de acordo com a "proximidade e relação afetiva" de cada um ...

    8. Não obstante se admitir que a situação descrita nos autos pode ser configurada uma "situação limite" - o que terá motivado a reação, essa sim, de afeto, de ambas as instâncias - não pode deixar de se ter em conta que não há, nos autos, sequer, a prova de que a decisão de inibição do exercício do poder paternal tenha transitado em julgado, não havendo notícia de que o progenitor tenha, ou não, recorrido da mesma.

    9. E que oposição deduzir ao progenitor no caso de este vir a demandar a Recorrente exigindo a compensação pela perda do direito à vida do seu filho, devidamente suportado no n.º 2 do artigo 496º do Cód. Civil? J) Será, por último, admissível, que se exclua - como acaba por fazer o Venerando Tribunal a quo - um direito que, em princípio, pertence à esfera jurídica de uma pessoa, não sendo esta parte na ação? K) Impõe-se, assim, a revogação da douta decisão que atribuiu a totalidade do direito à compensação pela perda do direito...

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