Acórdão nº 312-H/2002.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução30 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

A sociedade Imobiliários AA, Lda, BB e CC deduziram oposição à execução para pagamento da quantia de € 350.000,00, fundada em transação homologada por sentença, contra aqueles instaurada, em 02/04/2011 (fls. 132) por DD e EE, alegando, em resumo, que: .

Não existe, por parte dos executados, incumprimento do acordo de transação homologado pela sentença exequenda, existindo antes incumprimento desse acordo, mas imputável aos exequentes; .

Os exequentes encontram-se em exercício abusivo do direito invocado, ao pretenderem um benefício ilegítimo com a situação criada pelo seu próprio inadimplemento; .

Os exequentes alegaram o incumprimento do referido acordo de transação, por parte da executada, fundado em omissão de atos necessários à emissão de alvará da licença de construção, tendo os efeitos de “Pedido de Informação Prévia” (PIP) precludido em 3/3/2011, continuando, no entanto, a ser possível requerer tal emissão, não se verificando a caducidade do PIP e/ou do processo de obras, pelo que não ocorre o invocado incumprimento dos executados; .

Porém, mesmo que se verificasse a caducidade do PIP, sempre se poderia requerer a renovação dos seus efeitos.

Nessa base, concluíram os executados/oponentes pela inexistência e inexigibilidade da obrigação exequenda, pedindo que fosse julgada procedente a oposição deduzida.

2.

Os exequentes apresentaram contestação, em que arguiram a extemporaneidade da oposição e impugnaram o ali alegado pelos oponentes, sustentando, no mais e em síntese, que: .

Pela transação e acordo anexo, a 1.ª executada se obrigou construir uma casa tipo T2 e a transferi-la para a propriedade dos exequentes, cabendo-lhe assegurar a execução da obra, obrigações que os 2.° e 3.° executados afiançaram; .

Os documentos que a 1.ª executada se absteve de entregar eram os necessários à emissão da licença de construção, posterior ao ato de licenciamento, que já há muito existia; .

A executada e os seus gerentes sabiam, desde 2007, que o processo de obras previa a construção da casa e do armazém industrial e nunca o referiram, nem mesmo após terem recebido uma notificação judicial avulsa para o efeito, pois se o tivessem feito os exequentes teriam procedido à alteração, indicando o faseamento da construção e alterando o pedido de licenciamento; .

A apresentação do projeto de obras apenas para a casa e anexo não defendia a posição dos executados nem ia no seu interesse; .

A menção da apresentação dos dois processos de obras referidos no ponto 2.11 do acordo anexo à transação, deveu-se a um equívoco, dado que a apresentação de dois projetos com base no mesmo PIP, um deles apresentado só após a construção da casa e obtida licença de ocupação, é inexequível; .

A invocação desse facto constitui abuso de direito por parte dos executados.

Concluíram assim pela improcedência da oposição.

3.

Findos os articulados, foi proferido o despacho de fls. 36-37, datado de 18/11/2011, a julgar extemporânea a oposição quanto aos executados/oponentes “Imobiliários AA, Lda”, e BB, mas tempestiva quanto ao executado CC, tendo sido, subsequentemente, proferido despacho saneador tabelar e dispensada a seleção da matéria de facto.

4.

Já depois de designada a data para a audiência final, entretanto desconvocada em virtude da decretação da suspensão da instância, vieram os exequentes, em 28/11/2012, requerer a fls. 66-69, a junção do documento reproduzido a fls. 68-69, consistente em escritura pública de compra e venda, outorgada em 29/03/2011, alegando que: .

Através daquele documento, a executada Imobiliários AA, Ld.ª, vendeu a FF o prédio descrito sob o n.º …/Santa Maria de Lamas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira; .

Com o referido documento pretende-se fazer contraprova do alegado nos pontos 40 e 42 a 45 da petição inicial e provar a impossibilidade de ser requerido o alvará de licença de construção da casa tipo T2 que a 1.ª executada se comprometera a construir no referido prédio, já que este deixou de pertencer à esfera daquela, tornando assim impossível o cumprimento do acordo de transação em causa; .

A junção desse documento nesse momento, em caso de não se lograr o acordo das partes e a oposição prosseguir, permite ainda ao oponente pronunciar-se sobre ele em momento anterior à audiência final.

5.

O oponente CC respondeu, dizendo que: .

Conforme o exposto na petição inicial, são os exequentes que se encontram em incumprimento da transação ajuizada; .

Por tal razão, a executada não estava obrigada a manter o referido prédio na sua esfera jurídica de forma a concluir o processo de licenciamento e a entregá-lo aos exequentes; .

Não obstante isso, sempre está salvaguardada a necessidade de a executada reaver o prédio de modo a não só completar o processo de licenciamento como também a cumprir o acordo de transação, uma vez que a ora proprietária do mesmo, filha do executado CC o disponibilizará à primeira solicitação; .

Atenta a situação económica da executada, e embora não tenha sido esta a intenção das partes outorgantes, o prédio em questão está salvo de eventuais ações dos credores, mantendo-se disponível para eventual entrega aos exequentes.

6.

Realizado a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida conforme despacho de fls. 82 a 88, foi proferida a sentença de fls. 89 a 104, em 24/07/2013, a julgar a oposição totalmente procedente e a declarar extinta a execução relativamente a todos os executados, considerando, em especial, que, em relação aos 1.º e 2.º executados, embora não sendo já partes na oposição, não se mostram verificados os requisitos geradores da obrigação de indemnizar nos termos do acordo celebrado. 7.

Inconformados com tal decisão, os exequentes/contra-oponentes apelaram dela para o Tribunal da Relação do Porto, em que suscitaram as seguintes questões: a) – a nulidade da sentença recorrida com fundamento em omissão de pronúncia por não consideração da escritura de 29/ 03/2011, junta a fls. 68-69; b) – o incumprimento definitivo, por parte da 1.ª executada, das obrigações emergentes da sentença homologatória exequenda.

8.

No âmbito desse recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu o acórdão de fls. 196-208, datado de 11/11/2014, concluindo que não se verificava a invocada omissão de pronúncia nem procedia o alegado incumprimento definitivo imputado à 1.ª executada, com base em enquadramento jurídico diverso do convocado pela 1.ª instância, confirmando assim a decisão recorrida ainda que com “fundamentos não inteiramente coincidentes”. 9.

Mais uma vez inconformados, os exequentes vieram recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – Consta dos autos uma escritura de compra e venda datada de 29/03/2011, pela qual a executada “Imobiliários AA, Ld.ª”, vendeu a um terceiro o prédio no qual, em consequência do acordo homologado por sentença, estava previsto ser edificada uma construção em benefício dos exequentes; 2.ª - Relativamente à essa escritura de compra e venda, não foi deduzida qualquer falsidade do documento, apenas referindo os executados que a venda se deu por razões económicas e financeiras e que está salvaguardada a necessidade de a executada/recorrida Imobiliários reaver o imóvel, uma vez que a atual proprietária do terreno é filha do executado/ recorrido CC; 3.ª - Uma escritura pública, como título de compra e venda, constitui um documento autêntico (art.º 369.º e 370.º do CC), sendo que um documento autêntico, com os sinais externos exigidos no art.º 370.º do CC, faz prova da sua genuinidade, decorrendo da presunção estabelecida de que estes documentos fazem prova plena dos factos nele incorporados pela entidade competente; 4.ª - Tal prova é somente ilidível com base na sua falsidade e/ou com base em prova em contrário, nomeadamente com prova testemunhal quanto ao teor das declarações que constam do próprio documento, de acordo com o disposto nos artigos 371.º e 372.º do CC, prova esta a ser feita pela parte que pretenda e tenha necessidade de afastar a presunção legal, in casu, os executados/recorridos, prova que não foi feita; 5.ª - Verifica-se, assim, que o prédio que constitui objeto necessário à concretização do acordo celebrado entre os exequentes e executados homologado por sentença, desde 29/03/2011, é pertença de um terceiro, o qual não teve qualquer intervenção nos autos, nem deles consta qualquer declaração de disponibilidade do terceiro para largar mão do prédio que adquiriu em 29/03/2011, por forma a que os executados pudessem cumprir o acordo/sentença que subjaz à presente execução; 6.ª - A atual proprietária não teve nem tem qualquer obrigação contratual de ceder e entregar o terreno aos aqui recorrentes; 7.ª - Com a celebração do contrato de compra e venda, verificou-se o facto gerador de incumprimento da transação por parte dos executados, sendo que foi o incumprimento da transação que originou a interposição judicial da execução nos termos em que esta foi proposta; 8.ª - Com a junção da escritura pública aos autos e a não arguição de falsidade, o Tribunal não podia ignorar a existência deste documento e da sua força probatória; 9.ª - Face ao disposto no n.º 2 do art.º 5.º do CPC, não pode o tribunal ignorar, na decisão que profere, esta prova, seu teor e seus efeitos legais, por provir de documento autêntico, cuja falsidade não foi arguida (art.º 413.º do CPC); 10.ª – Embora ao STJ esteja vedada a apreciação da prova, não lhe está vedada a intervenção na apreciação e observância das normas materiais do direito probatório, retirando dessa apreciação as devidas consequências, designadamente mandando ampliar a decisão sobre a matéria de facto; 11.ª - No caso sub judice, a escritura pública tem manifesto interesse para o desfecho da causa, não só porque, por si só, é revelador do incumprimento do acordo/transação, como igualmente é contra-resposta ou resposta aos quesitos 40.º, 42.º a 45.º da oposição à execução e prova da impossibilidade de...

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